As listas natalícias dos miúdos estão cada vez mais sofisticadas. Incluem marcas e modelos precisos, muitas vezes nomes impronunciáveis que tem de escrever num papel como “Metal Gear Solid 4”, “Carmageddon TDR 2000 Alpha” ou “Ninja Gaiden Sigma” (são jogos de consola), para não falar nos gadjets musicais como leitores de mp3 e telemóveis com máquina fotográfica…
É fácil culpar a publicidade, mas o facto é que, a não ser que os isole, é impossível mantê-los no mundo dos legos e das brincadeiras de rua. E basta fazer um exercício de memória para nos lembrarmos de como era decepcionante pedirmos um brinquedo específico e responderem-nos com collants, camisolas interiores e jogos de toalhas para o enxoval… Entre a tentação de lhes dar tudo o que pedem e a censura imposta pelo orçamento ou pelo que achamos ser melhor para eles, é preciso encontrar o equilíbrio certo.
“Fez uma lista interminável, devo preocupar-me?”
Para a psicóloga clínica Tânia Pereira Dinis, formadora do Núcleo de Psicologia do Estoril, é absolutamente normal que as crianças pequenas não coloquem limites aos seus desejos nem percebam a diferença entre o que é possível e o que não é. E pense, se a ideia é enumerar desejos não faz sentido impor limites, eles devem poder sonhar. Uma grande lista pode apenas reflectir uma saudável diversidade de interesses e, nesse sentido, até lhe permitem ficar a conhecer melhor o seu filho. “O que é importante é mostrar-lhes que não precisam de ter tudo o que querem para serem felizes. Aliás, mesmo que fosse economicamente possível, não seria saudável para o seu desenvolvimento ceder a todos os desejos. Isto porque também é importante que eles aprendam a lidar com as pequenas frustrações. Ensinar-lhes a apreciar o que têm quando não podem ter o que desejam pode ser a melhor prenda deste Natal”, explica a psicóloga.
Peça-lhes que façam a lista com bastante antecedência e depois reveja-a com eles. Pergunte-lhes porque querem aquilo e não outra coisa, como vão brincar com determinado objecto e por quanto tempo acham que se vão interessar por ele. “Uma ou duas semanas depois revisite a lista e pergunte-lhes se ainda são aqueles brinquedos que eles querem mais do que tudo”.
Como é que lhe digo que não pode ter tudo?
Exactamente assim: ‘Não podes ter tudo’. Não é preciso inventar subterfúgios. “Pode-se explicar que as coisas custam dinheiro e os pais não podem comprar tudo, e que nem tudo o que parece giro é bom para eles, e que não lhe vai dar uma barbie porque ela já tem três. Ou então experimente ser mais criativa e dizer-lhes: ‘é como os doces, se comesses todos quantos querias, fartavas-te num instante e depois passavas a vida no dentista para arranjar os dentes ou tinhas que lavá-los 20 vezes por dia, e isso já não era divertido, pois não?’. Mas no que toca ao consumismo vale a pena olhar para o modelo que eles têm, ou seja, “se os filhos vêem os pais a fazer compras de impulso, que depois encostam e até atrapalham, não vão compreender porque não têm o mesmo direito. Pelo contrario, se os virem pesar os prós e os contras, irem ao supermercado com uma lista, será mais fácil explicar-lhes que não podem ter tudo o que vêem na TV”.
O que são prendas suficientes?
Afinal, porque é que faz mal enchê-los de presentes no Natal se é só uma vez por ano? Porque a abundância mata o desejo e eles deixam de valorizar o que têm. Podem ficar momentaneamente excitados mas isso durará cada vez menos tempo. Claro que a fronteira é subjectiva e vai variar de família para família. “Por um lado, eles devem ter acesso a brinquedos lúdicos e pedagógicos que lhes estimulem a imaginação. Por outro, é essencial considerar os padrões da família, se não há dinheiro para roupa também não há para uma playstation de €500. As prendas a mais não preenchem qualquer necessidade da criança, preenchem a do adulto que alivia a culpa e sente que desfruta daquele instante em que o rosto pequenino se ilumina ao abrir a prenda, mas que muitas vezes perde o interesse 30 segundos depois”. E mais: “Mimo e prendas não são a mesma coisa: mimo é brincar com os pais e primos enquanto se espera pela meia noite ou gastar uma tarde inteira a pensar com a criança sobre o que gostava de ter e como poderá encarar de forma positiva todas as prendas, até aquelas que não são bem o que queria e as que não recebeu!”.
“Ele quer uma metralhadora, dou-lhe?”
“É importante não esquecer que educar é também modelar os gostos. Por isso, os valores fundamentais da família devem ser respeitados. Se são todos contra a violência que sentido faz oferecer, ou permitir que ofereçam, uma arma como prenda?”, questiona a psicóloga clínica Tânia Pereira Dinis, formadora do Núcleo de Psicologia do Estoril, a . Quando não estiver qualquer valor em causa respeite os gostos deles mesmo que sejam diferentes dos seus.
Como gerir as prendas entre irmãos?
Não é imprescindível ser exactamente o mesmo número de prendas, mas é importante que não haja grande diferença no valor/interesse geral das prendas. Importante é dar prendas individualizadas e alguns jogos para partilhar.
E quando fazem fita porque não receberam o que queriam?
Bem, convém dar-lhes alguma coisa do que peçam, é para isso que serve a lista. “Pontualmente é natural que não gostem de uma coisa ou outra, até porque é impossível acertar sempre. Mas é fundamental ensiná-los a valorizar as prendas enquanto gesto e ter disponibilidade para encontrar com eles formas criativas de olhar para as prendas de forma positiva”. De resto, muitas vezes, passado o desapontamento inicial, eles acabam por ficar muito satisfeitos com o que tiveram.
Vale a pena dar-lhes coisas úteis se eles não gostam?
Vale, garante a psicóloga Tânia Pereira Dinis. Desde que equilibre dando também o que gostam. Ao oferecer um conjunto de canetas ou livros, por exemplo, o adulto está a dizer que aquelas coisas são boas o suficiente para serem prendas, e que são importantes para os pais, mesmo que na altura a criança ainda não ache”.
Não confunda interesse com desejo
‘Olha que carro tão fixe’ não é a mesma coisa que ‘gostava mesmo de ter aquele carro’, alerta a psicóloga Tânia Pereira Dinis. É que por vezes, os pais não dão espaço às crianças para estas formarem os seus desejos e enchem-nas de brinquedos antes sequer de elas terem oportunidade para perceber o que realmente querem. Este padrão não é incomum em pais que se sentem culpados por se acharem mais ausentes que tentam hiper compensar materialmente. “Também é muito importante dar-lhes alguns brinquedos neutros, que não tenham um perfil definido pela televisão, e para os quais eles possam imaginar personalidades e histórias que não estejam já inventadas”, lembra a psicóloga.
Cuidado com a chantagem
Não use a quantidade de presentes como chantagem emocional sub-reptícia dizendo: “com tudo o que recebeste no natal e estás a portar-te mal!”, além de errado (porque os presentes não devem supor nenhuma obrigação de volta) é inútil porque eles não conseguem pensar a longo prazo. “E se eles recebem as prendas mas depois os pais dizem que os filhos afinal não mereceram, a mensagme que passa é que apesar de toda a conversa, afinal, na prática as prendas não têm nada a ver com o comportamento porque , bom ou mau, elas lá aparecem na mesma.”, alerta Tânia Pereira Dinis.
Eles devem dar presentes aos adultos?
É importante ensiná-los a dar e a reciprocidade é um elemento essencial do Natal. Mas não têm de ser forçosamente aos adultos, nem de implicar dinheiro. Podem, por exemplo, fazer presentes para os primos e irmãos. É uma forma de valorizar a dádiva e mostrar que mesmo sem dinheiro é possível pensar nos outros e oferecer-lhes algo. E não tem de ser sempre algo “feito”. Pode passar por compilar as 30 canções preferidas da irmã num CD por exemplo… “Isto é uma forma de ensinar-lhes que o importante é mostrar que nos lembramos das pessoas e que lhes quisemos dar um mimo”
Preserve a magia da época. O espírito natalício pode ser fomentado com actividades feitas em conjunto, seja a ‘elaboração’ dos presentes artesanais, dos cartões de Natal, do presépio ou da árvore de Natal.