140303122.jpg

Quem estuda a inteligência menciona sempre uma coisa chamada o Efeito Flynn, que diz o seguinte: cada geração é dez pontos mais inteligente do que a anterior. Mas no que diz respeito à criatividade, investigadores americanos chegaram, espantados, à conclusão contrária: enquanto a inteligência das crianças é hoje em dia maior do que a dos seus pais, a sua criatividade é muito mais baixa.

As desvirtudes da realidade virtual

Foi o caso do investigador Kyung Kim, da universidade americana William & Mary, que analisou 300.000 crianças e adultos. Descobriu que a criatividade subiu a par com a inteligência até 1990. A partir daí, a subida da inteligência manteve-se, mas a criatividade iniciou a sua rápida descida.

O estudo vai de encontro àquilo que o músico, tecnólogo e pensador americano Jaron Lanier analisou no seu livro de 2009 ‘You Are Not a Gadget’ (Você Não É uma Máquina), onde defende que a internet está a retirar mais às pessoas do que aquilo que lhes oferece.

Lanier foi ele mesmo um dos pioneiros da tecnologia, o inventor da expressão ‘realidade virtual’ e o criador da primeira empresa que permitiu a entrada num mundo virtual. Atualmente, defende que a internet pode tornar-se numa ameaça ao pensamento humano: “Na visão de quem acha que as máquinas são mais relevantes que as pessoas – afirmou à revista ‘Veja’ –, o que importa é pôr tudo na internet, contribuir para esse cérebro global que deve ter prioridade sobre qualquer indivíduo – e, se possível, expropriá-lo das suas criações.”

O problema não é apenas que o robótico se sobreponha ao humano, mas que o próprio pensamento humano altere a sua forma de funcionar. A criatividade exige que usemos as duas partes do cérebro em simultâneo. A net, defendem alguns psicólogos, já transformou a forma como usamos o cérebro.

Ter informação não é criar

Qualquer um de nós que andou no Google já deu por isso. Ninguém abre texto após texto e lê tudo do princípio ao fim. Vamos procurando, lendo ‘na diagonal’, saltando do que nos interessa para aquilo que pode interessar-nos mais e que, descobrimos mais tarde, afinal não era bem bem o que procurávamos…

Dizem os psicólogos que o Google está a substituir o pensamento linear pelo associativo, está a substituir a crítica e a capacidade de análise pelo mero acumular de informação mal mastigada.

E a noção de ‘saber infinito’ da net leva a que, na maioria das vezes, sejamos incapazes de aprender o que quer que seja. Para quê, pensamos? Está tudo lá… Para quando for preciso… Mas nunca é…

já acabaste os trabalhos?

É verdade que temos o mundo inteiro na ponta de um clique. Mas será que, apesar de todos os estudos, isso nos torna menos criativos? Basta ir ao YouTube para verificar que existem milhares de exemplos criativos (enfim, uns de melhor gosto que outros…). Pois se calhar eles não constroem carros com caixotes, mas constroem vídeos com o ‘rato’.

Pensemos melhor: será que as crianças ainda conseguem ser criativas, apesar de tudo?  “O que não sei é se a criatividade é atualmente qualquer coisa que seja alimentada”, afirma Carolina Santos, mãe de duas crianças de quatro e seis anos. “Vejo que os professores estão interessados é que eles façam os trabalhos e pronto. E naturalmente que os pais deixam essa parte para trás quando educam as crianças, até porque uma criança criativa, que encha a sala de terra e as paredes com desenhos, dá muito mais trabalho do que a que não sai do computador.” [ri]

É um facto que a arte ou a literatura marcam pouca presença nas salas de aula. Tal corresponde à ideia da criatividade como um afastamento da realidade, quando é exatamente o contrário: “A criatividade não é a libertação de factos concretos”, defendem os jornalistas Po Bronson e Ashley Merryman, num artigo intitulado precisamente ‘A Crise da Criatividade’ e publicado na revista americana ‘Newsweek’. “A confirmação de factos e a investigação aturada são partes vitais do processo criativo (…) A criatividade exige uma troca constante de pensamentos divergentes e convergentes, para combinar nova informação com ideias esquecidas.”

Conclusão: as escolas podem estar demasiado sobrecarregadas para incentivarem a criatividade, mas a realidade mostra que quanto mais criativas, melhor as pessoas se desembaraçam dos desafios da realidade. Como aponta a ‘Newsweek’, um estudo recente junto de diretores da IBM assinala a criatividade como a principal técnica de liderança que gostariam de ver num colaborador.

 “Possíveis culpados para a queda na criatividade são vários”, nota a psicóloga Ann Bibby no site www.care2.com. “Vão desde os jogos de vídeo e ao tempo exagerado que passam em frente à televisão até ao facto de que, nos últimos 20 anos, as vidas das crianças se terem tornado altamente estruturadas, com pouco tempo para brincar ou sonhar.”

Tempo para sonhar… Não é lindo? Pois pode ser, mas já é um luxo de que muitas crianças não dispõem.

Fazer nada pode ser tudo

Felizmente que não é demasiado tarde. “A rainha da criatividade ainda é a brincadeira”, defende Ann Bibby. “As crianças que conseguem entreter-se sozinhas e inventar mundos de fantasia são mais criativas. A que brinca com a caixa onde o brinquedo veio em vez de brincar com o brinquedo pode ser o próximo Prémio Nobel…”

Essa criança será também, possivelmente, bastante esperta: quantas caixas não são mais interessantes do que o brinquedo?

Numa era em que os brinquedos já vêm eles próprios pré-brincados ou com muito pouca capacidade de brincadeira (o que é que eles fazem com os bonecos de merchandising dos filmes que viram?), ou que prometem transformar qualquer criança num génio se tocar em três botões, oferecer uma simples caixa pode ser um maior desafio à criatividade do que um computador.

E claro que para brincar é preciso… tempo. Muitas crianças de cinco e seis anos vivem atormentadas pelos trabalhos de casa, quando o seu  trabalho de casa devia ser brincar. Muitas passam o fim de semana em correrias de festa para festa, com os pais esfalfados em motoristas. E quantas delas têm, como muitas de nós ainda tivemos, um quintal ou algumas árvores onde construir uma ‘casa’ de ramos e folhas? Quantas delas têm tempo sem fazer nada, a olhar para as moscas (que também já não há)?

Cabe aos pais o desafio de perceber que a imaginação não é uma perda de tempo para as crianças. Podem não dar em executivos da IBM, mas serão de certeza adultos com muito melhor capacidade para viverem imaginativamente as suas vidas. 

Palavras-chave

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

Relógio Slow Retail: Moda portuguesa e cheirinho a café, para descobrir em Cascais

Relógio Slow Retail: Moda portuguesa e cheirinho a café, para descobrir em Cascais

Parcerias criativas, quando a arte chega à casa

Parcerias criativas, quando a arte chega à casa

“Dia de reivindicar direitos, horários de trabalho, melhores salários, uma vida melhor

“Dia de reivindicar direitos, horários de trabalho, melhores salários, uma vida melhor". Reportagem pela descida da Avenida da Liberdade

Exportações de vinho do Dão com ligeira redução em 2023

Exportações de vinho do Dão com ligeira redução em 2023

Vida ao ar livre: guarda-sol Centra

Vida ao ar livre: guarda-sol Centra

João Abel Manta, artista em revolução

João Abel Manta, artista em revolução

Capitão Salgueiro Maia

Capitão Salgueiro Maia

"Oureno". Este novo material pode ser uma alternativa ao superversátil grafeno

Estivemos no Oeiras Eco-Rally ao volante de dois Peugeot (e vencemos uma etapa)

Estivemos no Oeiras Eco-Rally ao volante de dois Peugeot (e vencemos uma etapa)

Startup finlandesa produz comida a partir do ar e energia solar

Startup finlandesa produz comida a partir do ar e energia solar

Conheça os ténis preferidos da Família Real espanhola produzidos por artesãs portuguesas

Conheça os ténis preferidos da Família Real espanhola produzidos por artesãs portuguesas

25 imagens icónicas do momento que mudou o País

25 imagens icónicas do momento que mudou o País

Estreia de “Slava’s Snowshow”

Estreia de “Slava’s Snowshow”

EDP Renováveis conclui venda de projeto eólico no Canadá

EDP Renováveis conclui venda de projeto eólico no Canadá

Os nomes estranhos das fobias ainda mais estranhas

Os nomes estranhos das fobias ainda mais estranhas

Caras conhecidas atentas a tendências

Caras conhecidas atentas a tendências

Vamos falar de castas?

Vamos falar de castas?

ByteDance prefere fechar TikTok nos EUA do que vender rede social

ByteDance prefere fechar TikTok nos EUA do que vender rede social

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Caras Decoração: escolhas conscientes para uma casa mais sustentável

Caras Decoração: escolhas conscientes para uma casa mais sustentável

Dânia Neto usou três vestidos no casamento: os segredos e as imagens

Dânia Neto usou três vestidos no casamento: os segredos e as imagens

Zendaya surpreende com visual ousado

Zendaya surpreende com visual ousado

Ratos velhos, sistema imunológico novinho em folha. Investigadores descobrem como usar anticorpos para rejuvenescer resposta imunitária

Ratos velhos, sistema imunológico novinho em folha. Investigadores descobrem como usar anticorpos para rejuvenescer resposta imunitária

Pestana aumentou remunerações médias em 12%. Lucros caíram 4%

Pestana aumentou remunerações médias em 12%. Lucros caíram 4%

Recorde os

Recorde os "looks" coloridos de Maxima nas últimas cerimónias do "Dia do Rei"

Ao volante do novo Volvo EX30 numa pista de gelo

Ao volante do novo Volvo EX30 numa pista de gelo

Ensaio ao Renault Scenic E-Tech, o elétrico com autonomia superior a 600 km

Ensaio ao Renault Scenic E-Tech, o elétrico com autonomia superior a 600 km

Supremo rejeita recurso da Ordem dos Enfermeiros para tentar levar juíza a julgamento

Supremo rejeita recurso da Ordem dos Enfermeiros para tentar levar juíza a julgamento

Os livros da VISÃO Júnior: Para comemorar a liberdade (sem censuras!)

Os livros da VISÃO Júnior: Para comemorar a liberdade (sem censuras!)

Regantes de Campilhas querem reforçar abastecimento de água e modernizar bloco de rega

Regantes de Campilhas querem reforçar abastecimento de água e modernizar bloco de rega

Em “Cacau”: Cacau descobre que Marco é um bandido e afasta-o do filho

Em “Cacau”: Cacau descobre que Marco é um bandido e afasta-o do filho

VISÃO Se7e: Os novos restaurantes de Lisboa e do Porto – e um museu para não esquecer

VISÃO Se7e: Os novos restaurantes de Lisboa e do Porto – e um museu para não esquecer

Os

Os "looks" de Zendaya na promoção de "Challengers", em Nova Iorque

Em Peniche, abre o Museu Nacional Resistência e Liberdade - para que a memória não se apague

Em Peniche, abre o Museu Nacional Resistência e Liberdade - para que a memória não se apague

Em Peniche, abre o Museu Nacional Resistência e Liberdade - para que a memória não se apague

Em Peniche, abre o Museu Nacional Resistência e Liberdade - para que a memória não se apague

A meio caminho entre o brioche e o folhado, assim são os protagonistas da Chez Croissant

A meio caminho entre o brioche e o folhado, assim são os protagonistas da Chez Croissant

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

Vista Alegre: Há 200 anos de memórias para contar

Vista Alegre: Há 200 anos de memórias para contar

A vingança de Catarina Miranda contra Daniela Ventura no “Big Brother”

A vingança de Catarina Miranda contra Daniela Ventura no “Big Brother”

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

25 de Abril contado em livros

25 de Abril contado em livros

Casas sim, barracas não. Quando o pai de Marcelo Rebelo de Sousa ajudou os ocupantes do Bairro do Bom Sucesso

Casas sim, barracas não. Quando o pai de Marcelo Rebelo de Sousa ajudou os ocupantes do Bairro do Bom Sucesso

Vencedores do passatempo ‘A Grande Viagem 2: Entrega Especial’

Vencedores do passatempo ‘A Grande Viagem 2: Entrega Especial’

No tempo em que havia Censura

No tempo em que havia Censura

Montenegro diz que

Montenegro diz que "foi claríssimo" sobre descida do IRS

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites