As dúvidas mais comuns entre os pais separados são respondidas pela psicóloga clínica Cristina Freire.
Devem apresentar-se aos filhos os novos namorados?
‘A aceitação dos novos companheiros depende da ligação que pais e filhos estabeleceram logo após a separação. Intensif icaram as relações, ficando muito dependentes? Aqui fica complicado e tendem a surgir problemas. Se a relação ocorre de forma equilibrada, a nova integração, mesmo não desejada, é mais fácil. Se as relações já tinham ficado mais difíceis, um novo(a) namorado (a) pode até ajudar e trazer outra dinâmica. Mais uma vez é importante a percepção das crianças acerca do novo elemento. Se este for considerado responsável pela r uptura, dificilmente virá a ser amado, e mesmo que o conf lito não fique explícito, afastar-se-ão. Mas a nova relação pode ser muito produtiva: com o tempo, a criança ganha confiança e integra o parceiro do pai/mãe nas suas relações afectivas.’
Não acontece o pai tornar-se aquele que dá presentes e a mãe a pessoa que só exige coisas aos filhos?
‘A relação do pai com os filhos após a separação tende a repetir os vícios de quando viviam juntos: era quase sempre a mãe quem se encar regava de tudo o que fosse aborrecido. Por vezes a separação ocor re precisamente porque o pai deste novo século teve dificuldades em viver nele, partilhando tarefas e responsabilidades. A melhor forma de resolver estas diferenças é sensibilizar as crianças e o pai para continuarem as rotinas, mas fundamentalmente prevenir durante o casamento, para que todos adquiram hábitos de colaboração. Os filhos devem ser vontade expressa dos dois. Se o marido não os desejava muito, podem adivinhar-se dificuldades em assumir a responsabilidade.’
Quando uma criança não quer sair com o pai no dia estipulado deve obrigar-se a ir ou não?
‘É importante perceber se essa recusa é a resposta às solicitações implícitas ou explícitas da mãe, que por vezes vive com a revolta de o pai estar fora de casa. A criança tende a ficar do lado de quem sente como mais frágil, quase sempre a mãe.
Por outro lado, pode sentir as idas ao pai como visitas. O pai pode estar numa fase de adaptação à nova situação e não ter definido as suas prioridades. Acontece, por vezes, que os pais efectuam este ritual mais pelo receio do que possam dizer deles como pais, e esta situação ocorre mais frequentemente durante os dois anos seguintes à separação, por se tratar de uma fase de adaptação. O pai pode também sentir-se diminuído por não ter a custódia e vê-o como uma vitória da mãe. Pode sentir-se posto de lado, um visitante ou visitado, desconhecedor das novas rotinas dos filhos.
O receio de errar leva-o a comportamentos de insegurança, às vezes desadequados, o que, por sua vez, vem dificultar a adaptação dos filhos à convivência com este novo e quase ‘estranho’ pai. A mãe detém quase todo o poder, inclusive o de preparar os f ilhos para as visitas. Ambos podem manipular a criança e esta sentir-se desconfortável.
As crianças mais pequenas necessitam de contactos frequentes e regulares e raramente se recusam a encontrar-se com o pai. Depois dos 8 anos ligam-se mais ao progenitor com quem vivem e estão mais atentas à responsabilidade do pai na separação. Os adolescentes estão virados para o exterior e é difícil aliciá-los. Nesta fase é aconselhável propor outro tipo de encontros. Quando atingem a maioridade, tentam reatar com o pai, distanciar-se da sua história e construir uma boa relação.’
E quando eles não querem ir com o pai por não gostarem da namorada?
‘Nem sempre a verdadeira razão é essa. Tal pode ser usado como instr umento para mostrar o desagrado e fr ustração há muito sentidos. Na origem encontram-se sentimentos de abandono por parte da criança, com crenças de ter sido esquecida e preterida e de ser filho ‘objecto’ no processo de separação. Foram usados como mensageiros, pais dos pais, terapeutas, ouvintes e confidentes sem o desejarem. E é após este interminável esforço que um dos pais vira as suas atenções para novo parceiro e regressa-se ao segundo lugar. E se os esquecem? E se nasce outro filho e o preferem? Os pais devem conversar sobre todos estes e outros aspectos e tranquilizá–los em relação ao afecto.’
As regras devem ser iguais nas duas casas?
‘A criança segue as regras da casa onde mora. O importante é que aí o sistema de regras seja equilibrado, sensato e tranquilizador. Com o tempo, percebe que em casa do pai/mãe as regras diferem mas que, quando regressar a casa do progenitor que o acolhe mais tempo, volta às regras anteriores.’
Para um homem, os seus filhos são os filhos da mulher com quem está?
‘Da dedicação nasce o amor. Esta poderia ser a regra que melhor se aplica aos pais. Ligam-se melhor às crianças com quem vivem e quando têm uma mulher a fazer a mediação. O nascimento de um filho desta relação oficializa a nova família e reforça o desejo do homem de ser o ‘pai’ dos filhos anteriores da mulher. Mesmo em silêncio, é a mulher quem deter mina como e quando o homem se relaciona com as crianças e este parece necessitar dessa monotorização para funcionar na parentalidade.’
As relações com os avós também se alteram, ou não?
‘Podem alterar-se e nem sempre para melhor. Os netos podiam já ser sentidos como filhos do genro ou da nora de quem não gostavam. Outras vezes são os avós que acolhem os netos durante grande par te da visita destes no fim-de-semana do pai. Porque o pai trabalha, ‘não tem jeito’, tem outras prioridades ou nunca tinha desejado filhos e não os consegue assumir. Os avós podem tor nar-se na família de acolhimento e não é raro ouvirem-se expressões como ‘É para ajudar a minha(meu) filha(o)’. Em certos casos o domicílio principal da criança é mesmo a casa dos avós. Aí encontra não só os cuidados básicos de que necessita mas também equilíbrio, afecto e tranquilidade, longe dos conflitos destruidores dos pais. Mas também há casos em que o lugar dos avós se tor na excessivamente importante, pervertendo a nova estrutura familiar. A situação pode complicar-se ainda quando começa a haver muitos ‘avós’, ‘tios’, ‘primos’… É fundamental delinear fronteiras, e cada um deve conhecer bem o seu papel e saber até onde pode ir para não confundir a criança em vez de ajudar. Todos os afectos são importantes, mas não se deve diluir ou substituir os vínculos de filiação.’