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A cena repete-se aos olhos de quem a queira ver. Se entrarmos num restaurante, qualquer restaurante em qualquer lugar, lá estão eles: um casal sentado um em frente do outro, em completo silêncio.

“E muitas vezes são casais jovens”, nota o psicólogo Carlos Rodrigues, do ‘Espaço Família’, gabinete de apoio e mediação familiar. “Eu mesmo já assisti várias vezes a essa situação de vários casais que simplesmente não falavam um com o outro, e lembro-me ainda desta cena: um casal vinha com uma amiga, e então quem falava era a mulher com a amiga, e o marido estava ali quase a fazer de pau de cabeleira…”

Ou então, a mulher (geralmente é a mulher, não se sabe porquê, talvez porque as palvras são a arma dos mais fracos…) desata a insultar o marido com acusações do tipo: “É sempre a mesma coisa. Não fazes nada de jeito. Nem sabes comer decentemente. Estás sempre a entornar tudo.”

E no entanto, preferimos estar com outra pessoa em vez de se estarmos sozinhas, mesmo que estar com essa pessoa implique uma solidão ainda mais penosa. “A solidão actualmente é vista como um estigma, sim”, concorda Carlos Rodriges. “Mas não há nada pior do que a pessoa estar acompanhada e sentir-se só. E hoje em dia é comum isso acontecer.”

O problema aparece quando a outra pessoa não nos preenche.”É diferente estarmos ‘ao lado de’ e estarmos ‘com'”, nota o psicólogo. “E a grande dificuldade é estar com. Nós psicólogos falamos muito da ‘contingência’, que é a correspondência à expectativa do outro. Quer dizer, nós esperamos do outro uma determinada resposta e quando esta não aparece, desinvestimos. Desistimos. E o que se passa hoje em dia na vida em comum é precisamente essa falta de contingência. Nós achamos que nos falta alguma coisa, e o outro fecha-se.”

Se pensarmos bem, um casamento é muitas veze o reflexo da nossa relação de todos os dias com todas as outras pessoas com quem não estamos casadas. “Quantas vezes nós desabafamos determinada coisa com alguém, e a outra pessoa, em vez de pegar naquilo que dissemos, corta imediatamente com um: ‘ai mas tu nem queiras saber o que me aconteceu a mim…’ ou então muda de assunto…” O que é que nós fazemos? Desligamos. E aí entra aquela sensação de que ninguém de facto nos ouve.
 

Tornar a vida mais fácil

Muitas vezes, uma solidão em comum é a soma de duas solidões que não se anulam necessariamente. “Aprender a estar sozinho é um processo sofisticado de amadurecimento. Hoje em dia, vemos na nossa sociedade que as pessoas recorrem a variados estratagemas para não estarem sozinhas… Há quem tenha filhos por esse motivo, por exemplo. Há pessoas que não amadureceram o suficiente para saberem estar sozinhas, e há muito pouca gente que o consegue.”

Mas fugir à solidão de pessoa única desemboca muitas vezes na solidão a dois, principalmente no nosso mundo, numa socidade que não é a melhor para criar casamentos bem-sucedidos. “Na Bélgica, as pessoas saem do seu emprego e vão passear para os parques e bosques. Aqui em Portugal, que vida é que as pessoas têm para sair do trabalho e ir passear para o parque? Não há onde estacionar carros, não há parques e saímos do trabalho às 8…”

Sobre a mulher pesa ainda a maioria dos trabalhos caseiros: “Embora ela própria tenha essa cultura”, afirma Carlos Rodrigues. “A mulher não pode estar à espera que o homem se ofereça para trabalhar em casa. Se ele não faz, tem de ser ela a educá-lo. Mas o que acontece é que ela vai acumulando raivas e isso acaba por sair nessas tais humilhações públicas de que falámos há pouco. Ou então, num ataque de caspa… Está-se a rir? A caspa pode ser uma somatização de ansiedade. A pessoa anda a saltar de champô para champô e quando, imagine, se divorcia, diz “ai este champô é mesmo bom” e nem se lembra de associar aquilo ao divórcio… E eu falei em caspa como podia ter falado por exemplo de alergias, ou asma, tudo isso são somatizações desse silêncio que vão metendo para dentro e que depois o corpo deita cá para fora de outras maneiras.”

As dificuldades dentro da relação também resultam de dificuldades internas. “Isso acontece muitas vezes porque nós estamos a desenvolver uma estrutura pessoal psicopática.” Não se assuste, não demos todos de repente em ‘serial-killers’. Ter-se um comportamento psicopático é diferente de ter uma patologia psicopática, é o resultado de um desenvolvimento imaturo em que a pessoa reconhece o outro mas não consegue reconhecer as suas necessidades. Lembram-se daquela nossa cena quotidiana em que uma pessoa fala e a outra não responde ou não responde adequadamente? Pois aí, estamos a ser psicopatas…

É difícil dizer ‘não’

O silêncio nem sempre é visto como o ‘serial-killer’ do casamento. Pelo contrário. “Há casais que estão perfeitamente adaptados a uma estrutura do tipo, estarem a ver televisão cada um no seu quarto. Isto não quer dizer necessariamente que o casamento está mal.”

Aliás, como toda a gente sabe, não há receitas para um casamento feliz. Há quem crie o seu espaço bem delimitado do outro e seja perfeitamente capaz de conviver mantendo o seu mundo separado. Mas a partir do momento em que começamos a entrar em sofrimento, o que é que está a falhar? “Nos casais disfuncionais, o que falha é a comunicação. E isto tanto pode ser duas pessoas que não comunicam como uma pessoa que é demasiado invasiva do espaço do outro.”

Um dos primeiros sinais do casal se estar a sentir só, é só estar bem na companhia de outras pessoas. “Para se protegerem de estar sozinho um com o outro. Quando há muita necessidade de jantar com os amigos ou de ter uma amiga permanentemente lá em casa, é sinal de que a relação já não está bem.”

Daí também as humilhações públicas do outro: ‘Repare: isso é típico de alguém neurótico, que é maníaco do controle: ela está a tentar controlar a situação, até a maneira como ele se porta à mesa. É o tipo de pessoa que em casa está sempre a arranjar os objectos e a endireitar os quadros. Mas porque é que isso acontece? Porque o outro deixa que isso aconteça… E das duas uma: ou tem dificuldade para responder porque é pouco assertivo, ou simplesmente não está para isso e desinveste.”

Mas por que é que tanta gente vem exibir a sua solidão publicamente? “Muitas vezes por comodismo ou mesmo por hábito. Só porque quarta-feira é o dia de ir ao cabeleireiro ou jantar fora ou ir com os amigos… E dá tanto trabalho mudar que a própria pessoa prefere acomodar-se. Mas muitas vezes, o acomodamento nasce também de uma limitação cognitiva. Quanto mais limitados somos, mais capacidade temos em suportar as coisas de que não gostamos. O conformismo geralmente é limitado. Não é que sejam pessoas geneticamente limitadas, só que não se desenvolveram.”

Por outro lado, o fantasma do divórcio ainda afecta principalmente as mulheres. “O peso do divórcio sobre a mulher é muito maior do que sobre o homem. Para já, tem os filhos, e é difícil encontrar um companheiro que os aceite. Por outro, ainda há um estigma sobre a mulher sozinha divorciada. Tal como há sobre a mulher solteira, o que ainda hoje leva muitas raparigas a casarem com quem não gostam.”

E depois, já quase toda a gente reparou que temos cada vez mais dificuldade em dizer não. “A nossa sociedade cria pessoas muito pouco assertivas, que em vez de porem cá para fora as suas mágoas e irem resolvendo os problemas à medida que eles vão aparecendo, vão engolindo sapos. E quando caem no silêncio, já não há nada fazer.”

Quando falha o colo

Esse sentimento de solidão implica que outros sentimentos já se desvaneceram? “Relativamente ao amor, provavelmente tanto ela como ele já terão desinvestido, sim… Porque geralmente, quando existe amor de algum lado, a pessoa luta, estrebucha, faz qualquer coisa.” Por outro lado, há o medo de assumir uma separação. “Ainda hoje, diz-se muitas vezes: ‘Na minha família, nunca ninguém se separou’. Assumir a solidão é assumir o fracasso do casamento não só perante a família mas perante os próprios filhos. Há quem culpabilize os filhos: nunca me separei por causa de vocês.”

Temos de distinguir entre a culpa apenas verbalizada e a culpa sentida. “Quando a culpa é sentida, nós fazemos qualquer coisa para resolver a situação. Ouvimos aqui muita gente dizer: ‘Ai sinto-me culpada, não devia ter feito isto’ mas no dia seguinte está a fazer o mesmo. Para elas, falar da culpa é desculpar-se, mas enquanto não se sente a culpa, não há como resolvê-la de facto. Muitas vezes me dizem: “Pois, não devia ter feito isto…” E eu respondo: “Pois não.” O que elas esperavam era que eu dissesse: ‘Deixe estar, a culpa não foi sua, não podia ter feito nada.’ Ora isso é cristalizar aquele comportamento.”

Quando é que se deve procurar ajuda? “Sempre que já não sabemos o que fazer em determinada situação. O problema é que, geralmente, as pessoas já nos chegam demasiado tarde. E nunca estão os dois em uníssono.”

Mas será que aquele conselho básico que se ouve em todas as revistas, “têm de conversar” pode ser posto em prática quando há duas pessoas que só querem atirar a panela do esparguete à cabeça da outra? “Claro que naquela altura não funciona, até porque as pessoas estão cheias de raiva. Vários tipos de raiva: porque o outro esteve calado este tempo todo, porque o outro já não gosta de mim, etc. Até às vezes, o amor que um acha que sente pelo outro pode não passar de fantasia. Na verdade ele não ‘gosta de’, está ‘habituado a’. As pessoas dizem-me muito: ‘Eu estou lá sempre ao pé dele’. Mas está lá como? Podem estar deitados na cama ao lado um do outro de costas, ou podem estar a falar um com o outro e a fazerem festas um ao outro. O que se passa nessas relações que desabam na solidão, é que falhou o colo.”

E nessa altura não é um processo já difícil de reverter? “É se o casal achar que não vale a pena. Se se derem a esse trabalho, no espaço de duas semanas há muito que muda.

Previna os sinais de perigo

– Não despreze a intuição -Resolva os problemas à medida que vão surgindo, não meta para dentro.

– Valorize – Não tome a outra pessoa como ‘garantida’, lá porque já está com ela. Pense que a pode perder a qualquer momento. Nós portugueses temos o péssimo hábito de tratar pior as pessoas da nossa família do que aquelas que acabámos de conhecer…

– Dê mimo – E dê conversa e esteja disposta a ajudar

– Partilhem interesses – Quanto mais universos se partilhar, mais tema de conversa haverá.

– Não faça tudo sozinha – E se ele acha que ‘ajudar’ é ir pôr o lixo lá fora ou passear o cão, mostre-lhe que um homem que é homem é muito capaz de pelo menos levantar a mesa e pôr os pratos da máquina de lavar…



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