A gíria “és um menino!” aplica-se a muitos espécimes que conheço, com idade para ter juízo e usar “as calças compridas” como se dizia no tempo em que as calças eram privilégio dos rapazes crescidos, símbolo de iniciação, coming of age. Se o traje reflectisse o que vai lá por dentro, veríamos muito marmanjo de bibe por aí, a conduzir, em cargos de responsabilidade, a brincar aos adultos.É que vejamos…bom, como é de criancinhas que falamos, o melhor é contar uma historinha para ilustrar o comportamento destes rapazotes.
Era uma vez um menino chamado Toninho, que era muito mimado e por isso fazia imensos disparates. Como os pais não tinham tempo para o aturar, deixavam essa responsabilidade à sua competente ama que, coitada, em todos os seus anos de carreira nunca tinha visto um pequeno tão malcriado.
– O Toninho tem tão bom coração! – dizia ela. – Se ao menos tentasse ser mais bonzinho!Mas o Toninho não queria saber.– Sou mau, gosto de ser mau e serei sempre mau! – respondia, fazendo caretas, dando pontapés nas latas e portando-se mil vezes pior só para provar a sua supremacia.
A ama, que ganhava o mesmo quer o Toninho se portasse bem ou mal, encolhia os ombros e lá tentava assegurar o melhor que podia que ele fazia os trabalhos de casa, não se sujava todo e acima de tudo, que à noite os pais o encontravam inteiro, sem ter sido atropelado, mordido por um cão feroz ou caído de uma árvore abaixo.
Ora, estávamos nas férias de Verão e o Toninho adorava passar o dia a brincar junto à piscina. A ama pegava no seu tricot, nas suas revistas e lá ficava a vigiá-lo. É claro que o pequeno ditador aproveitava a deixa para a arreliar ainda mais: fazia “torpedos” no firme propósito de a encharcar, atirava-se da prancha mais alta, arremessava bolas, incomodava os outros miúdos que por acaso lá estivessem…uma lástima! Mas o pior era a sua mania de correr e deslizar de propósito à beira da piscina.
– Toninho, não corra, que o chão é escorregadio! – avisava a ama. – Olhe que cai e magoa-se! Estou a avisá-lo!
– Cala-te chata, velha rezingona! Corro porque posso e me apetece! -respondeu o malcriadão sem respeito nenhum, correndo ainda mais depressa.
Noutro dia qualquer, a senhora teria ido trás dele: mas primeiro, já estava até à ponta do toutiço (desculpem lá, mas esta história é minha e decidi imaginar uma ama de toutiço e touca, estilo Sra. pimentinha) com o pupilo, e a pensar aceitar outros desafios profissionais; até já tinha recebido uma proposta de emprego mais aliciante que estava seriamente a considerar. Depois, mesmo que quisesse correr não podia: tinha torcido o pé no dia anterior, quando tentava impedir o Toninho de fazer mais uma das suas partidas. Por isso ficou sentada a apreciar o espectáculo. E o circo não tardou: o Toninho escorregou, bateu de cara no chão e caiu dentro da piscina.
Foi preciso chamar gente para o tirar de lá com o nariz amassado, o lábio rachado, um pé a sangrar, um galo na cabeça e outras mazelas.
Mas julgam que ele aprendeu? Qual quê! Como tinha dores e estava incomodado, mas era incapaz de perceber que a culpa fora dele e só dele, fez uma grande birra, chorou que nem uma Madalena, deu pontapés a todos e ainda acusou a ama de não saber fazer o seu trabalho. Quando a ama se foi efectivamente embora para tomar conta de crianças mais bem agradecidas, sentiu-se muito infeliz e atraiçoado porque gostava muito dela, ainda que não o demonstrasse da melhor maneira. Durante imenso tempo, mandou e-mails à antiga ama a acusá-la de traidora e desalmada, que era a sua maneira de dizer “sinto a sua falta!”.
E assim agem muitos homens feitos: pensam que as mulheres na sua vida são uma espécie de Mary Poppins com paciência de Santa, sorriso permanente nos lábios e soluções mágicas para tudo, sempre disponíveis não importa o quão mal se comportem. São avisados, fazem mil vezes pior e mesmo assim esperam carinho, desconto e compreensão. Não percebem quando lhes dizem “esta é uma linha que não podes ultrapassar”, não respeitam os limites e ainda se espantam quando a Mary Poppins decide voar para longe deles. Então invertem as culpas e acusam a Mary Poppins de tudo quanto há – traidora, falsa, interesseira, rígida, tirana, exagerada, injusta, leviana, etc. Justo justo, era dar-lhes uma chapelada. Mas há que dar o desconto às criancinhas…