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Todd Taulman

João apareceu na consulta da Clínica Ktree muito desiludido da vida. “Chegou à avaliação de orientação vocacional muito desmotivado e incapaz de decidir o seu percurso académico”, conta a psicóloga Eliana Vilaça. “Depois percebemos que a dificuldade residia no facto de ele não acreditar que fosse bom em nada. Tinha tantas fragilidades na sua autoestima que não fazia ideia de que pudesse fazer alguma coisa bem.”

É verdade que esta desmotivação não atinge todos os adolescentes. A maioria sabe muito bem aquilo que quer da vida, ainda que por vezes queira várias coisas ao mesmo tempo ou mude de vocação do dia para a tarde. Mas a alguns parece que o futuro não lhes diz mesmo nada…

Primeiro passo: perceber de onde vem a nuvem negra e fazer a distinção entre uma desmotivação que é sinal de mal-estar ou depressão, e uma apatia mais superficial. “Essa desmotivação pode ser sinal de alterações emocionais mais profundas, como tristeza ou baixa autoestima”, defende Eliana Vilaça. “O período da adolescência, em condições normais, é caracterizado por hiperinvestimento em diversas atividades, através das quais o jovem explora os seus interesses e as suas capacidades. Se isto não acontece, o adolescente pode estar submerso em sentimentos de incapacidade ou fragilidade que o impedem de explorar as suas aptidões, o que o ajudaria a compreender quem é e o que quer ser no futuro. A situação atual do País e uma descrença generalizada no mercado de trabalho e no futuro podem também contribuir para essa desmotivação.”

Quero ser o Cristiano Ronaldo

Ou seja, alguns adolescentes não conseguem ter uma ideia clara do que gostariam de fazer daqui a meia hora, quanto mais daquilo que gostariam de fazer na vida. “Se perguntarmos a um adolescente onde vai estar daqui a meia dúzia de anos, muitos deles não têm uma resposta para dar, ou dão respostas completamente irrealistas, tipo ‘vou ser uma estrela do futebol’ ou uma atriz de telenovela, ou o Mickael Carreira”, nota José Morgado, psicólogo e professor no Departamento de Psicologia da Educação do ISPA. “Eles próprios sentem que aquilo não tem sustentação, daí a apatia em que vivem. Nem sabem muito bem de que é que gostam, gostam de tudo ou não gostam de nada, tanto faz. É esse mal-estar que começa a ser insidioso: instala-se de mansinho, o adolescente começa a afastar-se e quanto mais se afasta mais difícil é recuperá-lo.”

O problema é, muitas vezes, esse: aquilo a que chamamos ‘portar-se mal’ recebe muito mais atenção do que o comportamento de uma criança apática, que está sossegada e calada, e é o sonho de qualquer mãe (ou professor). “Nós, professores, quando falamos com os jovens, muitas vezes falamos só com os interessados, os que fazem perguntas. Os outros estão lá ao canto sem fazer barulho, a olhar pela janela, e nós nem percebemos que eles existem. E com esses, que precisavam de falar, não falo. Só falo com os outros que, tal como eu, só falam ‘para o programa’.”

Ou seja, muitas vezes só damos pelo desalento em que vivem quando  já tomou proporções demasiado grandes. “É imprescindível para um adulto estar atento”, explica José Morgado. “Se não estivermos atentos, podemos olhar e não ver. Estar atento é ser proativo, não é dizer ‘isto passa com o tempo’. O tempo pode ajudar, mas o tempo não tem propriedades terapêuticas só por si, e é fundamental percebermos alguns pequeninos sinais de mal-estar.”

Quais são esses sinais? “Podem ser vários. Percebemos que alguma coisa não está bem quando o miúdo deixa de se organizar para a escola, começa a desleixar os trabalhos de casa, se fazemos perguntas e ele responde com evasivas. Tudo isso são sinais a que temos de dar atenção. Porque os miúdos, antes de terem um metro e oitenta de problemas, têm um metro e dez, e é aí que é preciso agarrá-los…”

Ajude-os a encontrar ‘a cenoura’

Ou seja, quando eles estão mal, muitas vezes nós também não ajudamos, quando era essencial ajudá-los a, literalmente (ou talvez não…), ‘encarreirar’.

 “O que é fundamental fazer entre a escola e a família é criar, com aquele adolescente, um projeto de vida viável”, explica o psicólogo. “Todos os jovens devem ter um projeto de vida que dê sentido àquilo que estão a fazer. Esse projeto é a ‘cenoura’ que nos leva. E às vezes a alguns miúdos falta-lhes ‘a cenoura’: a troco de que é que se vão portar bem ou estar atentos nas aulas se isso para eles não faz sentido? O que temos de construir é precisamente esse sentido traduzido na ideia do projeto de vida.”

Podemos dizer ‘é difícil, não se consegue, a crise não ajuda’. Pois não, mas tudo depende da maneira como expomos o problema. “Por exemplo, os miúdos podem não estar tensos com os exames e a forma como os adultos enunciam o tema é que os enerva. Portanto, tudo depende da maneira como falamos das coisas. Eu nunca digo a um adolescente: ‘Tens de acabar o curso’. O que eu digo é que é fundamental que ele aprenda a fazer qualquer coisa na vida. Para isso, pode fazer um curso pequeno, um curso grande ou pode aprender sozinho, o que ele tem é de qualificar-se.”

Isso não o desencoraja? “Repare: é bom que os pais incentivem os miúdos a chegar o mais longe possível em termos de qualificação, não é isto que está em causa. Sendo certo que isso para a maior parte dos miúdos funciona, para os desmotivados não adianta dizer ‘tens de tirar um curso’ porque eles estão completamente noutra! Temos de perceber o que é está a acontecer para que aquele adolescente tenha aquela atitude e estejamos em melhores condições para o ajudar a sair disso.”

A importância de dar conversa

E então, como é que o ajudo a sair disso? Em primeiro lugar, esquecer o sermão. “Se há miúdos que lidam bem com as expectativas paternas, outros não. Se me esforço 3, 4, 5 vezes nos testes e não consigo, entro num processo de desmotivação porque não correspondo às expectativas. E como não correspondo, não estou para me confrontar sistematicamente com isso e desisto de aprender, porque aí acaba-se o problema.”

Em caso de não saber o que fazer perante um adolescente que responde por monossílabos e não está nem aí para o presente, quanto mais para o futuro, não entre em pânico. Fale com outros pais e com os professores para perceber que tipo de ajuda pode dar. E, depois, a outra palavra-chave é conversar.

“Hoje conversamos muito pouco com os filhos”, confirma José Morgado. “Falamos muito deles e pouco com eles. O cansaço não ajuda, e é por isso que é preciso estar atento.”

E então que fazer, despedir-se e dedicar o resto da vida à criança? Nada tão drástico. “É evidente que não podemos deixar o estilo de vida que temos, e tomara a muitos pais terem trabalho e estarem cansados, mas bastam cinco minutos de conversa, não ao lado, mas com eles.”

Além de atenção e conversa, pode ainda aju-dá-lo a encontrar qualquer coisa que goste de fazer. “Não gostar de nada é diferente de não experimentar nada”, esclarece a psicóloga Eliana Vilaça. “Se não experimenta nada não pode perceber o que gosta e o que não gosta. Para além de experimentar, o jovem também deve ser capaz de, a certa altura, investir de forma consistente numa atividade. Isto obriga-o a abdicar de todas as outras possibilidades e a investir seriamente numa área, aprofundando as suas capacidades, tolerando a frustração e encontrando estratégias para melhorar o seu desempenho.”

E nós, estamos desmotivados?

Última questão: temos filhos desmotivados porque estamos nós próprios desmotivados, ou uma coisa não tem nada a ver com a outra? “Não é linear, mas a desmotivação dos pais certamente influencia os filhos”, explica Eliana Vilaça. “Pais mais ‘desmotivados’ podem ter menos abertura à experiência e estar pouco atentos às necessidades dos jovens, que obrigam os pais a um certo ritmo emocional e comportamental. Os adolescentes estão muito virados para a ação e pais desmotivados podem ter dificuldade em responder a esta necessidade.”

E ao longo da vida é preciso que vamos sendo ‘um espelho’ para os filhos, ou seja, que lhes reconheçamos valor e aptidão, mesmo que seja em coisas simples, para que não cresçam a achar-se incapazes. Claro que crescer a achar-se o Cristiano Ronaldo ou a Shakira também não ajuda, mas a ideia é transmitir-lhes, de forma realista, aquilo em que os achamos bons. “O reconhecimento que fazemos das nossas capacidades passa pela nossa experiência mas também pelo reconhecimento externo que fomos tendo ao longo da vida”, explica Eliana Vilaça. “Esse é um dos principais papéis dos pais no que diz respeito aos jovens desmotivados, compreender, reconhecer e incentivar.” 

Que não é fácil estar atento às necessidades dos outros quando, muitas vezes, ninguém está atento às nossas, também é uma verdade. “Claro que algumas famílias estão em pânico com a sobrevivência, mas pudera, não são de ferro”, nota José Morgado. “Mas é possível que os jovens tenham um sentido de vida? Eu tenho de acreditar que sim. Porque, se nós não podemos devolver o emprego aos pais, temos pelo menos de dar aos filhos as ferramentas para lutar pela vida. Temos essa obrigação.”

A ideia principal é: manter os pés na terra e os olhos abertos. “Se estivermos com atenção e mostrarmos aos miúdos que estamos lá para o que for necessário, tudo se resolve. Não é fazer juízos de valor, é criarmos uma cultura de companheirismo, e aí é que não estamos a ser eficazes. Mas não tenho dúvidas de que estes problemas se resolvem.”

Futebol ou bateria?
Saltam do futebol para a bateria e da bateria para o judo… “Muitas vezes, esse período de flutuação é necessário aos adolescentes para abandonarem a infância”, defende o pedopsiquiatra Daniel Marceli, em www.psychologies.com. Por volta dos 13 anos, os adolescentes deixam as atividades da infância para procurarem novos interesses. Problema: podem precisar de experimentar muito… Peça-lhe para ‘testar’ algumas aulas antes de começar a pagar as mensalidades, para que ele possa desistir se vir que afinal aquilo não é assim tão desafiante. Mas exija que, uma vez a escolha feita, se comprometa durante um ano.

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