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Ele tem 7 anos e farta-se de dar respostas tortas: ‘Isso não é na tua conta’, ‘Isso não te interessa’. Que se responde de volta?
O Filho (Diogo Centeno, 9 anos). Dizia-lhe: “Eu sou teu pai, não falas comigo assim.” Acho que um pai deve mandar. Em determinadas circunstâncias, pelo menos.
A Mãe (Paula Antão, mãe de três filhos entre os 3 e os 15 anos). Respondia: “É da minha conta, sim. Gosto muito de ti, por isso tudo o que se passa contigo é da minha conta. Gosto muito de ti, mas não gosto dessas tuas respostas que me magoam. Gostava de perceber se o fazes porque também estás magoado comigo. Sabes o que significa magoado? Lembras-te quando caíste e feriste o joelho? Isso é magoado. Por isso, que tal explicares-me por que estás aborrecido ou chateado? Até podes escolher o sítio. Que tal no café enquanto comemos um gelado?”
A Psicóloga (Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica coordenadora da área infanto-juvenil da Oficina de Psicologia). As respostas tortas são muitas vezes reações de desafio de limites e de teste das regras que os adultos impõem, e reação à frustração. É importante que desde o momento sejam assinaladas e que a expressão facial do adulto se torne séria (o que não significa ficar enfurecido).
Geralmente, a criança está a reagir a alguma contrariedade ou a tentar que lhe seja dado algo que pediu. Como tal, em primeiro lugar não se deve reforçar esse tipo de respostas, dando-lhe o que ela pretende, e em segundo lugar deve dizer-lhe de forma assertiva que não é correto e que não poderão dialogar dessa forma. Depois, espelhe o sentimento que parece estar por detrás: “Parece-me que ficaste muito irritado com…, quando quiseres, podemos tentar encontrar uma solução juntos, desde que consigas falar de forma correta.”
Dá uma palmada e ele responde com… outra. E ainda acrescenta: ‘Também me fizeste a mim.’ Resposta?
O Filho. Ponho-o de castigo. Fica sem jogar Playstation ou futebol durante algum tempo. Uma palmada é grave. Por isso aplico o castigo no mínimo por uma semana.
A Mãe. “Tens razão, dei-te uma palmada e talvez não o devesse ter feito, porque não se bate em ninguém. Queres fazer um acordo? Quando começarmos a ficar muito chateados, dizemos um para o outro ‘intervalooo’, assim ninguém bate em ninguém.”
A Psicóloga. O adulto não deve permitir que a criança lhe retribua com uma palmada. Deve ficar sério, olhar para a criança e garantir que a criança olha para si, e de forma assertiva, com voz firme mas sem gritar, dizer à criança que não pode repetir mais o que fez e pô-la num local sentada, longe de estímulos como televisão e brinquedos, e referir que deve lá ficar a pensar o porquê de ter levado a palmada e por que não o deve repetir. Após algum tempo da criança sentada (não deve ser mais do que um minuto por cada ano de idade) promova uma conversa com ela em tom calmo, assinalando o que não pode acontecer, nomeando emoções e encontrando soluções para uma próxima situação.
Diz-se: ‘Não fales comigo agora, porque estou a ouvir as notícias’. Pois fala, canta, quer subir para o colo, põe-se à frente da televisão…
O Filho. Mando-o parar. Mas mais castigos também já acho demais. Digo-lhe: “Ó Jacinto: (pode ser Jacinto?), Ó Jacinto, vai brincar com a tua irmã, a… a Jacinta. Ou então vai ajudar a tua mãe.” Pelo menos faz qualquer coisa de útil. Bem, se depois incomodar a mãe, aplico finalmente a palmada no rabo.
A Mãe. “Parece que estás a querer a minha atenção, por isso vou-te pedir um favor grande. Preciso de ouvir a notícia que está a dar, é muito importante para mim. Que tal ires procurando um jogo, ou então senta-te aqui ao meu colo, e assim que a notícia acabar vou dar-te toda a atenção, jogar contigo e desligar a televisão.”
A Psicóloga. Este tipo de situações costuma acontecer como chamada de atenção ou de desafio de limites. Se a criança não está com o adulto há bastante tempo, provavelmente está a chamar a sua atenção, de acordo com a forma que sabe, pela idade que tem, está a dizer-lhe: ‘Preciso da tua atenção e não estou contigo há muito tempo, por favor brinca comigo’. Se de facto o adulto não tem estado muito presente para a criança, talvez seja importante estar disponível para ela no momento. Se não for o caso, olhe diretamente para a criança e não para a televisão, com uma expressão séria e em tom sereno e firme diga-lhe: “Percebo que queres brincar comigo, daqui a 10 minutos terminam as notícias (mostrar no relógio onde o ponteiro vai estar) e nesse momento vou brincar contigo. Agora, vai escolher e preparar o que vamos brincar.” Se a criança continuar, voltar a olhar para ela e tentar fazer uma negociação: “Para brincarmos um bocado vais preparar a brincadeira e só o poderemos fazer se me deixares ver as notícias até o ponteiro do relógio estar aqui. Aceitas este desafio?”
Diz-se ‘Vem ajudar a pôr a mesa’. Ou ‘Vai tomar banho’. Ou ‘Apanha o casaco do chão’. Ele nada. Desenvolve surdez seletiva. Remédio?
O Filho. Vou lá e grito com ele. “Ó Jacinto, vai imediatamente tomar banho.” Se não for a bem, vou lá buscá-lo à força. Quando for crescido, espero que ele já vá sem ter de pegar nele ao colo, que não dá jeito nenhum.
A Mãe. Sempre que eles fazem isto, e até hoje, não adianta gritar-lhes do sítio onde estou. Chego-me mesmo ao pé deles, olho-os nos olhos e peço o que tenho a pedir e em voz baixa e digo que vou contar até 3 para o fazerem. Saio do pé deles a contar, 1, 2 e antes do 3 já se levantaram e estão a fazer o que lhes pedi.
A Psicóloga. A surdez seletiva é uma das partes do papel dos filhos. O papel dos pais é perceber que os filhos desafiam limites e ensiná-los que a surdez seletiva não poderá ser um comportamento com ganhos. Fale com ele sobre a importância de cumprir o que é dito à primeira e combinando que se não cumprir à primeira, ou no máximo à segunda, poderá haver consequências mais negativas por isso: menos uma história a seguir ao jantar, menos tempo no computador, menos um cromo para a caderneta… E instalando a prática inversa, quando ele ouvir e responder à 1.ª, elogiá-lo e reforçá-lo por isso, dando-lhe mais 5 minutos no computador ou uma história extra. Desta forma, evita rouquidões de tanto gritar, não perpetua a surdez seletiva e desenvolve boas práticas. Em momentos de maior agitação e cansaço, em que a criança não tem tempo para brincar ou para fazer o que lhe apetece, é importante estar alerta e proporcionar um momento mais extenso de brincadeira. O adulto deve ser também um exemplo de boas práticas, acedendo quando o chamam, não mostrando também ele surdez seletiva…
Chega a avó e ele não se levanta para cumprimentar e permanece colado à televisão. Fazemos o quê?
O Filho. Digo à avó para ir ela dar um beijo ao Jacinto. Depois, quando a avó sair, ele leva um sermão. Temos de ser educados à frente das outras pessoas. Se no dia seguinte, se ele fizer a mesma coisa, aí já o obrigo a ir lá cumprimentá-la na hora. Se não cumprir, passa uma semana sem Playstation.
A Mãe. “Sei que está a dar a tua série preferida, mas a avó chegou. Se te levantares para a cumprimentar, ela vai ficar muito feliz, e de certeza que a televisão não se vai importar.”
A Psicóloga. A televisão é uma arma poderosa que tem o poder de manter hipnotizados adultos e crianças. Como tal, desde cedo que o seu uso por crianças deve ser regulado, para que não se torne viciante. Deve insistir-se para que venha cumprimentar a avó, sem gritar ou bater. Se necessário, desligar a televisão ou pôr em pausa e solicitar que a criança pare de imediato e cumprimente a avó. Mais tarde, se necessário, conversar com a criança e explicar-lhe a importância de cumprimentar a avó e como a televisão pode e deve esperar.
Ele protesta que queria um Iphone branco e lhe ofereceram um preto, e ainda por cima põe a foto do dito no Facebook, juntamente com o protesto.
O Filho. Se me dissesse isso com maneiras, até podia ir à loja trocar o modelo de Iphone. Mas se for à bruta, tirava-lhe o Iphone preto e ficava sem nenhum. Só o devolvo se ele pedir desculpa.
A Mãe. “Lamento que estejas magoado com a prenda que recebeste. Não era exatamente aquela que querias. Mas fiz um esforço para a encontrar e, como já te expliquei, não havia. Pensei que ias ficar muito mais triste se nem sequer tivesses recebido o iPhone. Não te quero falar do preço, porque, sinceramente, isso é menos importante do que a atitude que estás a ter, que é falta de respeito por algo que te ofereci com muito carinho. As pessoas oferecem coisas umas às outras por carinho. Se achas que não é assim, que tal daqui para a frente restringirmos as nossas ofertas aos beijinhos e abraços que realmente demonstram o afeto entre nós os dois?”
A Psicóloga. Geralmente, este tipo de atitude na adolescência não costuma surgir isolada, como um ato único. É provável que ao longo do tempo este tipo de atitude se tenha instalado e que não tenha sido corrigido. Podemos tentar rever um valor de base, conversar sobre o sucedido com o adolescente e mostrar o impacto da sua atitude, criando-lhe um cenário hipotético em que possa perceber o que aconteceu, o que fez sentir e a importância do agradecimento. Se se verifica mais vezes, talvez seja necessário os pais analisarem a forma como costumam dar presentes e se necessário tentar encontrar forma de os presentes serem mais valorizados, escolhendo momentos estratégicos para o recompensar.
Ele embirra com uma professora e com razão, porque a senhora não é flor que se cheire… Que se lhe diz?
O Filho. Bem, mesmo que ela mereça não posso dizer à professora “você tem uma personalidade mesmo má”, até porque não adianta. Por isso, digo ao Jacinto que daqui a um ano nunca mais a vê. Pode ser que ele se anime.
A Mãe. “Sabes que no meu dia a dia de trabalho também tenho que trabalhar com pessoas que não gosto e até sinto que os nossos feitios não são compatíveis? E quando tenho chefes que têm a mania que só eles é que sabem? Custa muito, apetecia-nos mesmo dizer duas ou três… Mas eu optei por não ligar, e pensar que são só algumas horitas por dia que tenho de estar com elas. Que mais dia menos dia, vão ser transferidas. O mesmo se passará com a tua professora. Já reparaste que só vais estar com ela meia dúzia de meses? Mas também te digo, se não aguentares, que tal uma conversa franca com ela? Posso ajudar-te, e falamos a três. Acredito que uma conversa franca e no tom correto pode fazer milagres.”
A Psicóloga. Deve-se compreender o ponto de vista do filho e ao mesmo tempo fazer com que compreenda que ao longo da vida de estudante vai encontrar professores menos adequados. A estratégia útil é encontrar formas de lidar com os professores mais difíceis sem que perca a razão ou seja injusto. Compreender e permitir que possa não gostar da professora não lhe dará diretamente força para a tratar mal. Ajude-o a perceber como lidar de forma assertiva com a situação, percebendo os ganhos dessa atitude. Será uma excelente aprendizagem para lidar com pessoas difíceis que encontrará ao longo da vida.