Todas as mães ouvem o filme de terror das outras mães ainda antes de terem um filho: olha que agora é que vais ver o que é. O que é não dormir. O que é não ter tempo para nada. O que é deixar de ir ao cinema, de ver os amigos, de namorar, de ter tempo para ir ao cabeleireiro…
Mas será mesmo impossível ter um filho e ter uma vida? Encolhem os ombros. “Possível é…” Como quem diz: ‘se queres ser uma péssima mãe e traumatizar o teu filho…’
Lembro-me que, quando uma das minha s melhores amigas casou e teve um filho, deixei de a ver durante para aí 4 anos. Depois, de repente, ela voltou ao circuito de jantares e cinemas. Claro que não o fazia tanto como ‘dantes’. Mas recomeçou a sair. E explicava: “Percebi que o tempo é um luxo. Mas percebi também que estava a ficar tão farta daquela vida que nem o meu próprio filho me aguentava. Tive de perguntar a mim própria: o que é melhor para mim? Ser uma mãe sempre maldisposta, ou roubar-lhe uns dias dessa mãe e, quando estou com ele, estar com ele de facto?”
Também confessa que se sentiu culpada. “Claro que me senti culpada. Das primeiras vezes que saía para jantar com o meu marido, parecia que estava a roubar qualquer coisa ao meu filho. Mas também percebi que isso era um sentimento que me era imposto de fora. Não era que eu fosse de facto uma má mãe, mas era como se eu me visse pelos olhos e pela censura dos outros.”
Como nos libertamos da culpa?
Pois: a censura social ainda condena uma mulher porque ela se diverte em vez de estar em casa com as crianças. No século XXI, a culpa ainda continua a ser um dos maiores obstáculos à possibilidade de termos uma vida para lá dos filhos.
Mas afinal, como é que nos libertamos dela? “Começamos por nos libertar se pensarmos que não é a quantidade de tempo que passamos como eles, mas a qualidade, que interessa”, afirma o psicólogo Joaquim Quintino Aires, autor do livro ‘15 Minutos com o Seu Filho’, onde defende que criar um filho não exige muito tempo com ele. Isto não é uma ideia nova, mas está cada vez menos a ser posta em prática por uma geração de pais cheios de trabalho, com poucas relações afetivas fora de casa e angustiados com o tempo que dedicam às crianças.
Primeiro problema: hoje os filhos, mais do quem a fonte de alegria ou realização, são um foco de stresse para os pais. “As pessoas preocupam-se demasiado,” confirma Quintino. “Por exemplo, na minha geração, nenhum pai ajudava a fazer os trabalhos, e também não nos iam largar ao portão da escola! Tenho clientes que vão deixar à escola os filhos de 15 anos! E a escola é a 10 minutos de casa! Resultado: as crianças hoje não sabem apanhar um autocarro, ler um mapa do metro, e pior, não estão a viver a vida delas! Nem elas, nem os pais!”
Em Portugal ainda há muito a tendência para pensarmos que, a partir do momento em que somos pais, temos de viver para aquela criança. “Sim. E o resultado é que, a partir de certa altura, os pais estão tão saturados que todo o tempo que têm com a criança é de péssima qualidade.” Pois: é mau estar com um filho por sacrifício… E mais tarde cobram aos filhos esse sacrifício que eles nunca pediram. “Ai eu deixei de ter vida por tua causa e é assim que me agradeces!’ “Obviamente! E ninguém tem o direito de fazer isso, mesmo que seja com a melhor das intenções. Ser pai ou mãe é ter mais vida, não é morrer para o mundo.”
Cuidar de nós primeiro
Ora então, se eu não quiser morrer para o mundo nem para o meu filho, como é que posso equilibrar as coisas? Primeira dificuldade: se chegamos a casa cansadíssimas, fartíssimas da vida, e a última coisa que nos apetece é dar banho às Barbies, o que é que fazemos? Como é que se desliga das chatices do dia a dia? “Pensando que há momentos para tudo, e que pelo facto de ter um filho não deixa de ter a sua vida e os seus problemas”, nota Quintino. “Se um dia chegarmos a casa aborrecidos ou cheios de preocupações, é altura de dizer ao filho: “Hoje estou preocupado, preciso de pensar noutra coisa, e não posso brincar contigo”. Ninguém morre por causa disso, e a criança até começa a perceber que há coisas na vida como chatices no trabalho. E quando a mãe vai estar com a criança, é porque quer mesmo estar com ela.”
Também o filho precisa de mais vida para lá da família. “Depois dos 5 anos, a criança precisa de oportunidades para explorar o mundo. Goethe dizia que quem só conhece a sua língua nem a sua língua conhece, e eu digo que quem só conhece a sua família, nem a sua família conhece. E os próprios pais têm de ter uma vida. Têm de ter amigos, têm de ir ao ginásio, têm de fazer por eles.”
Hmmm. Penso na quantidade de pais e mães ocupados e stressados que conheço, e na ‘ginástica’ que fazem para estar todos os dias um bocado com os filhos. É lindo dizer que as mães têm de ter uma vida, mas que tipo de vida se pode ter em Portugal? “As pessoas não têm tempo para ir ao cinema, para ir ao ginásio? Então os ginásios estão abertos das 7 da manhã às 10 da noite! Se as pessoas não querem ir, digam que não querem ir, não digam que não há condições.” Mas chegamos a casa tardíssimo… “Sim, porque às vezes também não nos organizamos como poderíamos. E quando nos divertimos, sentimo-nos culpados. Qualquer coisa que um pai ou uma mãe faça pela sua vida social é mal visto, parece que estamos a sacrificar os filhos a nós próprios. Aqui as pessoas esquecem-se de que só quem é um pai ou mãe feliz é que pode ser um bom pai ou mãe. E portanto, temos a obrigação de cuidar de nós primeiro, para poder cuidar deles da melhor maneira. É como os técnicos do INEM: se eles não estiverem em condições, como é que podem socorrer os outros?”
Deixo o miúdo com quem?
Então pronto, é hoje que vou ao body attack. Mas deixo o miúdo com quem? Isso é uma dificuldade real. Mas se pensarmos bem, muitas vezes não usamos os recursos que temos à mão. Há mais pessoas que têm crianças e que poderiam ficar com as dos outros, e vice-versa. “É pior do que isso”, defende Quintino. “Atualmente, muitas pessoas nem deixam os filhos com os avós! E os avós até estão disponíveis! Há clientes meus com filhos de dez anos que me dizem ‘Há dez anos que não saímos à noite’ mas quando pergunto ‘Porque é que não os deixa com os seus pais?’, não querem. Então eu digo, ‘Por que é que não os deixa com outro casal que também tenha filhos e depois trocavam?’ Também não querem, dizem ‘Ai parece que não me sinto confortável…’“
Mas não se sentem confortáveis porquê? “Por que tudo isto são desculpas para não se separarem das crianças! Isto é terrível: na nossa sociedade, hoje em dia, estamos a viver um sentimento de posse imenso em relação aos miúdos. E há outra coisa ainda mais grave: é que muitos pais estão a usar os filhos como gratificação própria, como companheiros substitutos. E portanto, não se podem distanciar dos filhos não porque lhes façam falta em termos de tempo passado com eles, mas porque precisam daquele objeto de gratificação! Antigamente, algumas crianças dormiam no quarto dos pais porque as casas eram pequenas. Mas hoje, muitas crianças dormem, não no quarto, mas na cama dos pais! Claro que as desculpas são muitas: que a criança dorme mal, que depois ninguém dorme, que faz barulho, que acorda os vizinhos, etc. Mas, mais uma vez, são desculpas para não nos afastarmos das crianças.”
Use os avós, os amigos, as baby-sitters…
Lembro-me de uma entrevista que fizemos à psicóloga belga Ester Perel. Ela dizia que estamos a canalizar para os filhos as nossas energias eróticas, e que toda essa afetividade dirigida exclusivamente para as crianças era a razão por que acabavam tantos casamentos. “Sem dúvida”, concorda Quintino. “E com muitas consequências graves. Mas não é fácil convencer as pessoas que isso tem mesmo de mudar. Durante muitos anos, usei paninhos quentes. Depois acabei por descobrir que tinha de lhes dizer isto à bruta. Que tinha de lhes dizer: “A continuar assim, vai estragar a vida do seu filho. Não tem um companheiro? O seu filho não é o seu marido”.
Com os avós, a desculpa é muitas vezes que ‘eles não sabem os perigos que se corre nos dias de hoje.’ “Isto é absurdo! Os avós não vivem fechados em casa, na sua maioria são pessoas novas, que estão muito mais informadas porque têm tempo para isso, que estão muito mais atentas às crianças porque não têm tantas solicitações, e até são capazes de ter mais amigos do que os pais das crianças.” Claro que também convém não explorar indecentemente os avós, mas pronto, isso é outro artigo…
Portanto, em conclusão: tenha uma vida. O seu filho vai agradecer-lhe. E se sentir culpa, observe-a de frente e perceba de onde é que ela vem. “Muitos pais dizem-me, ‘Ai eu é que tive a culpa’. Aqui não se trata de culpa, porque culpa existe quando existe intenção. Agora, responsabilidade, essa sim, teve-a. As pessoas lidam com a culpa como o azeite na água: aquilo nunca se mistura. Ou seja, nunca deixam que ela as transforme. Ora assim, de que vale?”
IDEIAS DE MÃES OCUPADAS
Perguntámos a algumas mães como se organizavam para ter mais tempo para elas. Algumas respostas foram:
– Uso as refeições em conjunto como tempo de qualidade
– Se estou cheia de trabalho em casa, peço ajuda aos meus filhos. Comportamo-nos demasiadas vezes como se elas fossem hóspedes num hotel e não elementos de uma família…
– Faço do meu tempo uma prioridade. Parece pouco importante, mas é o essencial…
– Tento perceber o que é mesmo essencial que seja feito. O resto, esqueço
– Aprendi a defender o meu ‘território’. Se o meu marido precisa de ir ao café com os amigos, eu também preciso de tempo para estar com as minhas amigas.
– Tenho uma pessoa que de vez em quando toma conta das crianças para nós sairmos. Acho que é o dinheiro mais bem empregue deste mundo.