A cena pode ouvir-se em qualquer escada de qualquer prédio com crianças: por todo o país há pais enervados, filhos cansados e trabalhos de casa que precisam de ser feitos. Mas, afinal, os TPC não são necessariamente um drama. Já que eles existem, qual a melhor maneira de os fazer? Pedimos ideias a professores, explicadores e pais de família, e ouvimos ainda a experiência de quem decidiu pôr-se no lugar dos filhos.
Perceba para que servem – Os trabalhos de casa existem acima de tudo para criar hábitos de trabalho e ensinar o aluno a estudar sozinho, coisa que não se aprende na escola. “O trabalho de casa deve ser pouco e resumir aquilo que foi dado na aula”, defende Flávia Freire, professora de Matemática e Ciências da Natureza ao 5.º e 6.º ano. “Se os alunos trabalharam bem numa aula, eu não lhes passo trabalhos. Mas se vejo que não estiveram com atenção, obrigo-os a esforçarem-se mais um pouco.”
Adeque o método a cada criança – “O que funciona com uma criança pode não funcionar com outra”, nota Flávia. “Eu tenho 3 filhos e a mais velha precisou de mais acompanhamento. Às vezes, basta a mãe estar perto para tirar uma dúvida pontual.”
‘Despache’ os trabalhos assim que possível – Os trabalhos devem ser a primeira coisa a ser feita assim que se chega da escola, para eles terem tempo de fazer outras coisas.
Ajude a concentração – “O estudo deve ser feito numa zona sem distrações”, aconselha Anabela Sousa, do Centro de Explicações Contra-Negas. “As crianças aprendem por repetição, treinando a concentração e a memória, e precisam de sossego para o fazer. Nós também tínhamos dificuldades. Mas eles têm muito mais distrações e estímulos. Por isso insisto em retirar telemóveis, fechar computador, apagar televisão.”
Ensine-os a estudar, torne o estudo efetivo, em vez de estarem a bezerrar para cima das páginas sem fixarem nada. “É fácil”, ensina Flávia Freire: “Peça-lhe para resumir em voz alta ou por escrito o que aprendeu, para se habituar a fixar a matéria.”
Conseguimos ser pais-professores?
O maior conselho: seja um facilitador em vez de um opositor. “Um dos maiores problemas é o grau de exigência que impomos aos filhos”, nota Anabela Sousa. “Pais que foram bons alunos têm imensa dificuldade em ensinar os filhos, e os TPC passam a ser o terror que não são. Muitas vezes, os pais queixam-se de falta de tempo, mas não se trata disso: começam a enervar-se, passam para os trabalhos uma energia negativa, a criança começa a rejeitar aquela situação e bloqueia a capacidade de aprender.” Ou seja, se os TPC forem vistos como uma ameaça à sua autoestima, ele não vai aprender nada…
“Muitas vezes, o acompanhamento dos pais até era melhor que não existisse”, concorda Flávia Freire. Até porque a forma como o pai aprendeu já não se aplica. “Se o professor ensina de uma maneira e o pai de outra, o aluno fica bloqueado.” Então, o que é que eu posso fazer se aprendi de outra maneira, se me enervo ou não percebo nada de matemática? “Pode estar simplesmente ao pé dele, verificando se está a estudar”, aconselha Flávia. “Ou pedir-lhe a ele que o ensine… Não calcula a quantidade de filhos que ensinam os pais, e isso também é uma forma de aprenderem.” Pedir o apoio de um explicador pode ajudar muito. Mas numa coisa todos estão de acordo: fazer os trabalhos pelo filho é que não ajuda nada. “Mais vale o aluno levar a dúvida e expô-la ao professor no dia seguinte”, adianta Anabela. “E não apressem: estar um pai com uma criança já cansada ainda a dizer-lhe ‘anda lá que daqui a 10 minutos temos de ir jantar’ é contraproducente. Mais vale fazer só o que conseguir.” Até porque a ajuda contraria o objetivo do TPC: desenvolver a autonomia.
“Tenho alunos a apresentarem-me trabalhos com letra de outra pessoa”, ri Flávia. Não fazer os trabalhos de vez em quando é um drama? “Para mim, não é mesmo. Quando eles são interessados, os TPC são apenas um reforço do trabalho feito na aula.”
Defenda-se dos mini-manipuladores
Os pais devem orientar mas não devem ser uma ‘muleta’: “Podem estar ali apenas para ajudar pontualmente”, nota a professora Flávia. “O ideal dos TPC é criar uma rotina e hábitos de estudo que tornem os filhos cada vez mais independentes.” O que pode exigir algum esforço da parte dos… pais. “Comecei a enervar-me com o tempo que a minha filha demorava a fazer os trabalhos”, conta Ana Rita Matos, mãe da Luísa, 7 anos. “Eu sentava-me ao lado dela enquanto fazia os trabalhos e stressava porque ela só escrevia uma linha quando era suposto escrever 4 ou 5. Fui falar com a professora e disse-lhe que estava preocupada, porque a Luísa não conseguia estruturar mais que uma ideia. A professora estranhou e mostrou-me um texto de 10 linhas escrito por ela.”
Ana Rita percebeu que tinha de tomar uma decisão. “Quando cheguei a casa, falei com ela, disse-lhe que a partir desse dia iria fazer os trabalhos sozinha, que eu ficaria na sala e estaria sempre pronta a ajudá-la, mas seria ela a fazer os TPC sozinha e com tempo limitado.” Porque é que tomou esta decisão? “Percebi que aquilo que a Luísa fazia comigo era manipulação pura e dura. Ela ‘encostava-se’ a mim para eu trabalhar com ela. O único problema é o tempo que ela tem para completar as tarefas. Mas paciência. Se não conseguir escrever 10 linhas, escreve 5. Outra coisa que comecei a fazer, quando vejo que ela está apática ou cansada, foi dar um passeio. Vai arejar, volta mais fresca e trabalha muito melhor.”
Quando os professores exageram
Afastar-se nem sempre funciona. ‘Os Trabalhos de Casa da Minha Filha Estão a Matar-me”, anunciou o jornalista americano Karl Greenfeld, na newsmagazine ‘The Atlantic’.
Indignado com a quantidade de trabalhos que a filha de 13 anos trazia, Karl decidiu passar uma semana a fazer ele próprio os trabalhos dela. Concluiu que levava todos os dias mais de três horas de trabalho extra para casa. O método é original, a conclusão não tanto. Em Portugal, já o pediatra Mário Cordeiro e o psicólogo Eduardo Sá consideraram os TPC em excesso “uma agressão às crianças e aos seus direitos”.
O artigo de Greenfeld foi uma bomba nos EUA, e também fez pensar alguns pais portugueses. Foi o caso de Júlia B., tradutora, mãe da Beatriz, 12 anos, e do Miguel, 7, que se reviu no artigo americano. “Isto é um problema mundial: pensa-se que é preciso melhorar os resultados da escola com mais trabalho, mas vai haver um ponto em que vão reparar que isso não é a resposta, e já estamos nesse ponto. Se eu tenho um burro e lhe dou uma chibatada, ele anda mais depressa. Dou-lhe duas, e ele apressa-se. Mas se lhe der 100, mato o burro! Não é pondo crianças a trabalhar 12 horas por dia, coisa que aos adultos é proibida pelo Código de Trabalho, que vamos conseguir alguma coisa!”
O artigo da ‘Atlantic’ foi um espelho da experiência que a própria Júlia fizera há uns tempos com Beatriz. “Por um dia, resolvi fazer eu os TPC da minha filha. Demorei uma hora. Ora, se eu tenho mais 30 anos que a minha filha, uma licenciatura e um mestrado, demoro uma hora, quanto é que uma criança de 7 anos não demora?”
O dia a dia estava a tornar-se um drama: “O Miguel era pequenino e toda a família estava refém dos trabalhos da Beatriz! Percebo o enorme stresse a que os professores estão sujeitos: têm turmas sem fim e uma pressão brutal para cumprir programas incomportáveis. E não sou de maneira nenhuma contra os TPC. Tem é de haver limites.”
O drama da Beatriz repetiu-se com o Miguel: “Um dia, enchi a paciência. Ele trazia mais de quatro páginas de exercícios e mais duas folhas para escrever. Então eu disse ‘Fazes as quatro páginas, e mais não fazes’. Escrevi na caderneta que achava uma quantidade de trabalhos excessiva, e sempre que se voltasse a repetir o excesso, eu voltaria a repetir a medida.” A cena passou-se depois de muitos encontros com a professora, em que ambas expunham civilizadamente os seus pontos de vista e nada mudava. “Tive o cuidado de pôr o Miguel fora daquilo: não lhe disse que ela era má professora, só disse que tínhamos um entendimento diferente da situação. E a professora diminuiu a quantidade de trabalhos, pela primeira vez em muitos anos.”
Ideias S.O.S.
– Ajude-o a organizar-se com um calendário de parede.
– Pode ‘estudar’ com ele: trabalhe nas suas coisas ao pé dele enquanto faz os TPC.
– É possível recrutar a ajuda de um avô? Estão mais disponíveis e enervam-se menos. – Evite os gritos: tente perceber onde ele tem mais dificuldades e encontrar ajuda efetiva: um irmão, um explicador… – Visite alguns sites úteis, como quadroegiz.com; fichasprimeirociclo.no.sapo.pt, omeuprofessor.com.
– Habitue-o a fazer as tarefas mais difíceis primeiro. Ensine-o a não ter medo de errar. Faz parte do processo de aprender.
– Elogie e recompense: uma piza, uma ida ao cinema…
Quanto tempo os TPC devem demorar?
5-7 anos: 1 hora por semana
7-9 anos: 1,5 hora por semana
9-11: 30 minutos por dia
11-13: 45/90 minutos por dia
13-14: 1,5 hora por dia
14-16: 1,5 a 2,5 horas por dia