Rita Castanheira Alves é psicóloga clínica especializada na área infantil e juvenil (www.psicologadosmiudos.com), o padre Nuno Westwood é pároco em Oeiras, e ambos responderam às nossas dúvidas sobre o que é isso de ser bom, e se é possível ensiná-lo.
Hoje valorizamos mais as boas notas que as boas ações? Até a expressão ‘boa pessoa’ é mal conotada…
Rita Alves. Isso não acontece, o que acontece é que temos uma sociedade mais exigente e o sucesso académico e profissional é um objetivo muito presente. Por isso os dias vão passando, os filhos vão crescendo, e sobra sempre pouco tempo para se ter conversas sobre outros temas.
Nuno Westwood. Limitarmo-nos ao lado meramente tecnológico e profissional pode fazer de nós excelentes executantes mas não propriamente seres humanos felizes e realizados. Mas temos de pensar noutros aspetos da riqueza humana. Importa, por isso, transmitir valores morais para que cada um possa descobrir o valor do outro, na sua alteridade e diferença.
A bondade começa em casa. Como é que podemos estar mais disponíveis?
Rita Alves. Reserve diariamente mesmo que só um bocadinho para olhar para os filhos, para pensar como estão, o que lhe querem dizer com uma birra ou uma resposta ‘torta’. Temos de conseguir escutar os filhos. Para isto acontecer, é essencial haver o ‘auto-mimo’ dos pais: têm de se mimar também a eles próprios, caminhando para a felicidade noutros papéis das suas vidas.
Nuno Westwood. Estabeleça prioridades. Afinal, o que é mais importante na sua vida? Também não podemos apresentar sempre o argumento da qualidade para justificar a ausência dos pais. Os pais têm mesmo que estar disponíveis, e têm de arranjar tempo para os filhos, em qualidade e quantidade. Ou seja: se a família é uma prioridade, lute por ela. Gasta-se uma vida a trabalhar para um patrão que às vezes nem se conhece e descuida-se a família que connosco vive e cresce dia após dia.
Dar o exemplo é o suficiente? Ou deve-se falar especificamente sobre a bondade?
Rita Alves. Chegue até onde for possível. É importante conversar sobre a bondade, sobre os outros, sobre a nossa relação com eles, com a dor e felicidade de quem está ao nosso lado. Mas também dar o exemplo, exercer a solidariedade no dia a dia para que eles cresçam num meio ativamente bom.
Nuno Westwood. ‘A palavra convence, mas o exemplo arrasta’, já nos diz a Bíblia. Se o exemplo não for suficiente, não sei que mais possa haver…
Deve-se falar sobre a maldade, que eles veem tão exposta, ou ignorá-la?
Rita Alves. Não ignore: fale, esclareça, desenvolva o espírito crítico e a capacidade de ter uma opinião, de ver as diferentes perspetivas de uma questão. Responda às perguntas deles: ajude a perceber, recorra às emoções.
Nuno Westwood. Falar da maldade é um mal menor: não se pode educar fora da realidade que nos envolve. Mas uma coisa é falar do mal, outra é o modo como se faz essa abordagem. Um dos problemas das novas gerações é que crescem muitas vezes privadas do conhecimento da maldade e do sofrimento, e por isso não estão minimamente preparadas para o enfrentar. Daí muitos comportamentos infantis ou de fuga. Não sou apologista de que se fale do sofrimento ou do mal só porque sim. Mas, no devido enquadramento, há que ajudá-los a conhecer a nossa realidade global e ajudá-los a enfrentar um mundo cheio de desafios e riscos.
Como é que se pode ‘ensinar’ uma virtude? Através de histórias, de pessoas, de mitos?
Rita Alves. Através de tudo isso e do que mais se lembrar. Na educação também podemos ser criativos. Algumas ideias são: nos mais pequeninos, histórias simples podem ajudar a perceber o conceito de certo e errado, de emoções, de virtudes. Explorar situações do dia a dia da criança pode ajudar à compreensão do que se passa. Proponha dilemas que permitem à criança sair de si própria, e dar-lhe mais objetividade e poder de reflexão. Pode falar de situações banais, de qualquer coisa que tenha acontecido numa ida para a escola ou numa conversa ao jantar, por exemplo.
Nuno Westwood. As virtudes ensinam–se pela vida. Claro que depois esse exemplo pode ser partilhado, confirmado e ampliado de muitas formas.
A bondade começa em casa. Como educar uma criança a prestar atenção às pessoas que a rodeiam? Aos irmãos, família, amigos?
Rita Alves. Promovendo a ligação com essas pessoas. Quando a criança é pequena, deve ser o adulto a organizar esses encontros, essas oportunidades de convívio. Mostre a ligação com os que lhe são próximos. Telefone, convide, fale sobre a família.
Nuno Westwood. Não viva isolada. Visite ainda outras pessoas com estilos de vida diferentes, crie redes profundas de amizades fortes, pertença a instituições que apoiem causas sociais.
E se eu mesma não me sentir a melhor pessoa do mundo? Mesmo assim posso criar uma ‘boa pessoa’?
Rita Alves. Todos temos fragilidades e quando somos pais continuamos a viver com elas, mas devemos perceber se elas interferem no nosso papel de pais. Comportamento gera comportamento. Geralmente, é mais fácil dar o que recebemos, mas nem sempre recebemos o que achamos importante dar aos filhos. Importante: a qualquer momento, também podemos desenvolver a nossa bondade e solidariedade.
Nuno Westwood. Não há pessoas perfeitas, e uma coisa é sentir, outra coisa é ser. O facto de não me sentir boa pessoa não quer dizer que o não seja. De facto, conheço muita gente verdadeiramente boa que não se sente como tal. Além do mais, isso nunca foi razão para baixar os braços.
Como remar contra a maré? Se o mundo passa valores negativos, como fazê-los seguir um ‘credo’ mais humano?
Rita Alves. Nem sempre é preciso pensar diferente dos colegas da escola. Mais importante é desenvolver o espírito crítico: habitue o seu filho a refletir sobre o que vive. Converse com ele desde pequeno, tenha momentos em que se fala sobre o que nos rodeia, desde as atitudes de um colega no jardim de infância até a um filme que se vê na televisão.
Nuno Westwood. Tem de haver valores muito claros e bem definidos na família. Se esses valores geram felicidade, paz e realização, os filhos, ainda que passem por fases de rebeldia, e ainda que os colegas pensem de maneira diferente, vão perceber que a alternativa vivida em casa é válida.
É importante manter o otimismo? É importante continuar a ensinar às crianças que, apesar de tudo, vivem
num mundo bom?
Rita Alves. Elas devem saber lidar com a realidade menos bonita, e saber confrontar-se com o que é difícil ou mau, mas em simultâneo saber apreciar o que é bom.
É importante não fingir que o mundo é perfeito, mas ajudá-las a dar valor ao que é bom, mesmo algo pequeno, e ajudá-los a fazer isto desde pequenos. Isto é essencial para que elas saibam encontrar planos A, B e C num mundo que é um desafio.
Nuno Westwood. Vou citar o Papa Francisco: “Uma das piores tentações que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota, que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre. Ninguém pode empreender uma luta se de antemão não está plenamente confiado no triunfo. Embora com a dolorosa consciência das nossas fraquezas, há que seguir em frente, sem se dar por vencido.”
10 conselhos práticos:
– Não ache que tem de lhe dar todos os ‘gadgets’ que ele quer.
– Traga os seus amigos para a família: podem ser um bom guia para os seus filhos, além de que uma criança social, habituada a ver pessoas, é muito mais dada a ajudar os outros.
– Se tem dois filhos, mande um dos irmãos dar uma boa notícia ao outro.
– Habitue o seu filho a ajudar os colegas no que for preciso (alguém tem dificuldades a matemática?)
– Ouça mais do que fale. Se desatar a falar, a maioria das crianças desliga.
– Ele costuma agradecer? Pedir por favor? Parece nada, mas é muito…
– A avó está doente? Habitue-os a ligar para dar apoio.
– Dê-lhes abraços, beijos, elogios. Não é o mimo que ‘estraga’ uma criança, é a falta de regras.
– Encoraje o envolvimento em atividades em que ele possa ser útil. Pode começar já em casa. Alguém ajuda a pôr a mesa
e a fazer o jantar?
–‘Como achas que ele se sentiu?’ Habitue-o a pôr-se no lugar dos outros, mas sem culpabilizar. Não crie uma criança que ‘julga’ os outros, mas que sabe também ela ouvir e perdoar.