*artigo publicado originalmente em dezembro de 2017
Vera tem 32 anos, está com o João desde os 20, e são casados há 8. E perceberam uma coisa que quase todos os casais percebem: que o casamento muda quando se tem filhos. “Quando eu estava grávida da minha segunda filha, descobri que o meu marido andava a trocar umas mensagens com outra pessoa. Não passou disso, mas fiquei magoada.” Foi a gota de água numa relação já desgastada. “Estava cansada por duas gravidezes sucessivas, e a educação do primeiro filho também estava a dar discussões, porque as mães querem sempre ter o bebé debaixo da asa e os homens são mais desligados, e o segundo bebé veio piorar as coisas. Houve uma altura em que quebrei, disse: ‘Estou farta disto, de ti, dos bebés, de tudo’. E foi o João que insistiu em procurar ajuda.” Como escolheram um terapeuta? “Olhe, fomos ao Google e escrevemos ‘terapeuta de casal, Oeiras’ (risos). Depois pesquisámos as referências dos nomes que apareceram e escolhemos uma pessoa que achámos competente.”
O futuro é que importa
Ao contrário do que estavam à espera, a primeira entrevista não foi ‘junta’, mas ‘separada’: “A terapeuta queria decidir se tínhamos condições para fazer terapia de casal, em conjunto, ou se precisávamos de terapia individual. E achou que tínhamos condições para continuar juntos, não estávamos era a conseguir gerir algumas situações.”
O processo também não foi como esperavam: “Apresentámos o problema e ela dissecou-o, mas não quis falar do passado. Agarrou-se ao presente e ao futuro. ‘As mensagens com uma amiga? Isso foi no passado, não interessa. Mas não podemos falar? E vamos falar para quê? Já sabemos que a entristeceu, agora vamos falar do futuro.”
Todas as semanas havia ‘trabalho para casa’: eram ‘exercícios’ como ‘digam-me 10 coisas que vos chateia um no outro’. Na sessão seguinte, os ‘exercícios’ eram discutidos, e depois cada um abdicava de três. “E aquilo de facto ajudava-nos a resolver os problemas”, recorda Vera, “porque o fazíamos como quem toma um remédio. O que quer que ela nos mandasse fazer, nós confiávamos e cumpríamos.”
Claro que, como em todos os TPC, havia alturas em que não apetecia nada fazê-los. Mas faziam. “Um dia a terapeuta mandou-nos deixar os miúdos com os avós e irmos só os dois num fim de semana romântico. Nós estávamos muito zangados, muito infelizes, nem falávamos um com o outro, não estávamos nada dispostos a escapadinha nenhuma. Mas fomos. Para um hotel, só os dois, sem crianças. E foi muito bom, correu muitíssimo bem.”
As sessões também começaram a correr melhor e a relação a melhorar. “Íamos discutindo o que estava mal. Se havia um assunto que causava muita fricção, a terapeuta dizia: ‘Vão-me prometer que não falam deste assunto em casa porque neste momento não se conseguem entender. Portanto, neste momento isso é tabu’. Isso funcionava, porque dantes fartávamo-nos de discutir e nada se resolvia. Mas em terapia acabávamos por chegar a um acordo.”
Houve situações em que um deles teve de ceder: “Por exemplo, para mim, agora é importante estar no controlo, porque me senti traída. Saber onde é que ele está e ter acesso às passwords dele ajudou-me.”
Nós dois outra vez
A terapia durou um ano, com sessões que começaram por ser semanais e depois quinzenais, até haver ‘alta’. “Agora recomendamos a terapia de casal a vários casais que têm filhos pequenos e estão em crise. Acho que o Serviço Nacional de Saúde devia comparticipar isto, pela paz no mundo.” (risos).
O que aprenderam de mais importante: “A ouvir o outro e a interpretar corretamente o que ele diz. Não tomar as nossas verdades como absolutas. Não nos anularmos como pessoas: agora vou ao ginásio, ao cabeleireiro, vou tratar das unhas, e não é por eu passar uma hora a tratar de mim que o meu filho vai ficar infeliz.” E outra coisa que as mulheres têm imensa dificuldade em fazer: de vez em quando, deixar os filhos com alguém. “Há uns tempos fomos os dois uma semana para o Brasil, e foi o melhor que podíamos ter feito. Sermos nós dois outra vez. A avó dá-lhe bolachas e deixa-o ver televisão? Não vão morrer por causa disso. Claro que continuamos a ter discussões, mas aprendemos a lidar com isso. E também sabemos que se acontecer alguma coisa crítica temos a quem recorrer. Isso é uma grande segurança.”
Muro de fronteira
Marta e Bernardo, 44 anos, eram colegas de trabalho e casaram rapidamente depois de apenas alguns meses de namoro. Não era o primeiro casamento para nenhum deles. “Já tinha casado duas vezes antes”, conta Marta. “Também fiz terapia no casamento anterior, mas foi totalmente diferente, porque queria mesmo terminá-lo. Queria era ajuda para o terminar a bem. E foi o que aconteceu.”
Desta vez, não queria acabar. Queria consertar uma relação que tinha começado logo mal. “Aceitei o pedido de casamento do Bernardo mais por achar que não seria bem-visto no escritório estarmos a viver juntos do que por ser essa realmente a minha vontade. Era um ambiente bastante formal e conservador. O contrato de arrendamento dele também estava a terminar, e isso ajudou. Mas o Bernardo tem uma forma de ser totalmente diferente da minha. Eu gosto de conversar, ele é calado, eu adoro música, ele não, eu gosto de comédias, ele de filmes de ação. A única coisa que nos une é que adoramos viajar. E atrai-me a inteligência dele e o facto de ser uma ótima companhia (quando quer). Mas nós não comunicávamos, eu queria conversar e ele calava-se, havia um muro de silêncio cada vez mais intransponível. Isso tornava-me muito insegura, fazia imensos filmes na minha cabeça.”
A relação já estava bastante mal quando decidi tentar a terapia. “Foi a minha mãe que me alertou para as nossas dificuldades e que me deu o contacto da Margarida Vieitez. Na primeira sessão, o Bernardo não queria ir e atrasou-se imenso, mas ela foi impecável. Ficou sentada, impávida, à espera dele durante uma hora e meia até que ele finalmente apareceu. Nunca lhe poderei agradecer suficientemente. Acho que se ela se tivesse ido embora, ele não teria voltado.”
“Ela abriu a porta e eu segui-a”
Se o Bernardo ia de pé atrás, rapidamente percebeu que a terapeuta não estava contra ele: pelo contrário. “Nós dois falávamos línguas diferentes e a terapeuta foi a tradutora numa linguagem comum”, explica Marta. “Eu sentia que havia um muro entre nós. Mas ela ajudou-o a falar, a dizer coisas que de outra forma não conseguiria dizer. Ele sentiu-se livre para falar. Abriu a porta, ela entrou, e eu seguia-a. Cada um entrou no mundo do outro. Ali, ele falou da infância e eu percebi por que é que ele era assim, e percebi que gostava de mim a sério. E tinha receio de que, se eu soubesse tudo sobre ele, o ‘mandasse embora’. Eu disse-lhe que estávamos casados e que nunca ‘o mandaria embora’.”
Foi preciso muito trabalho para equilibrar dois temperamentos opostos. “Eu preciso de falar, ele precisa de silêncio. E quando nos aborrecía-mos dizíamos as primeiras porcarias que nos vinham à cabeça, de propósito para magoar o outro. Isso criava situações de muita mágoa que depois ficava por resolver.”
A terapeuta também ajudou o Bernardo a perceber que a vida, quando alguém se casa, não pode ser igual à vida que tinha quando vivia sozinho. “Eram exemplos tão simples como, se já dissemos a alguém que vamos jantar com eles, temos de ir, não se pode de repente desmarcar tudo só porque a ele não lhe apetece.” As zangas por resolver acumulavam-se. “Às vezes estava comigo e de repente zangava-se e saía de casa. Chegava a ficar dias em casa da mãe. Não há nenhum relacionamento sem desentendimentos, mas as pessoas têm de continuar a respeitar-se, mesmo furiosas. Eu cheguei a atirar com água ao Bernardo quando ele fingia que eu não existia.”
Em paz com o silêncio
“Em terapia, aprendemos a não dizer nada que pudesse magoar o outro”, explica Marta. “Aprendemos técnicas para controlar o que dizemos. A Margarida Vieitez ensinou-nos a respeitar, em vez de fazer o possível para chatear. E isso ajudou-nos imenso. Quando discutíamos, perdíamos a cabeça, só queríamos era ferir o outro, mas isso só piorava tudo.”
A terapia ajudou também a que cada um dos dois se conhecesse melhor enquanto pessoa. “Um casal é feito de duas individualidades. E acabei por saber quais eram as minhas necessidades, e a perceber, num dado momento, quem é que precisa mais que as suas necessidades sejam respeitadas.”
Também percebeu que ninguém pode obrigar ninguém a falar. Mas que ambos os lados podem viver em paz. “Basta que ele me diga ‘Estou aborrecido, mas não tem nada a ver contigo, não é nada de grave e não me apetece agora falar sobre isso’, e eu relaxo. Mas um muro de silêncio é difícil de escalar.”
(entrevista de julho de 2017)