Lourdes Monteiro criou a marca Career Redesign® em 2014, com o propósito de apoiar as pessoas na conquista da sua realização profissional. E fê-lo depois de ela própria fazer esse caminho. Depois de uma licenciatura em Química Tecnológica e uma carreira com a qual não se identificava, mas que lhe proporcionava os tradicionais sinais exteriores de sucesso, decidiu libertar-se e dar o salto, ganhando balanço para descobrir a sua verdadeira vocação na área comportamental e do coaching. Esta e muitas outras histórias de mudança podemos encontrar no livro ‘Quero, posso e mudo de carreira’, que serviu de mote para a nossa conversa.

Entre as mulheres que a procuram, qual a faixa etária predominante?

A maior procura para mudanças de carreira regista-se nas faixas etárias entre os 25 e 35 anos e os 35 e 45 anos. Pessoas acima dos 45 anos geralmente procuram apoio para progressão na carreira, para cargos de maior responsabilidade ou para apoio em algum projeto específico que gostariam de iniciar ou dinamizar nesta fase de vida.

Após uma uma carreira com a qual não se identificava, Lourdes Monteiro descobriu a sua vocação no coaching.

Quais as suas principais preocupações?

As principais preocupações que registo nas mulheres acima dos 45 anos que estão a trabalhar relacionam-se com questões de autoconfiança e liderança pessoal. Possuem geralmente expectativas que não estão a ser cumpridas, como ter determinado papel na organização, liderar de acordo com determinados princípios diferentes dos habituais e terem um entendimento do que seja necessário para a concretização de determinada meta estratégica e que está desalinhado com aquele que os decisores possuem. Por causa destes e de outros fatores, começam a questionar-se se “têm um problema”, porque se sentem em contracorrente. Se se afirmam, são diferentes e encontram resistências por parte de superiores e pares. Se se tentam adaptar, ficam em esforço e em sofrimento porque defraudam os seus valores pessoais. Quando a situação não é devidamente endereçada, muitas destas pessoas começam a desenvolver a ideia de que talvez seja melhor desenvolverem projetos seus onde possam ter total autonomia de decisão. Mas, sem dúvida, todas estas expectativas defraudadas vão fragilizando a sua confiança. A certa altura, estas pessoas duvidam se serão capazes ou se estarão à altura do que gostariam de atingir nas suas vidas. Algumas ponderam mudança de emprego, mas a perspetiva de um processo de recrutamento pode tornar-se assustadora porque não estão confortáveis consigo próprias.

Nas empresas, a idade continua a ser um fator de decisão na hora de contratar e de despedir, ou seja, uma mulher mais velha está sempre na linha da frente quando é para cortar custos e na última fila para conseguir um cargo?

Os processos de decisão não são lineares nas organizações. Há muitas variáveis presentes na hora de se avaliar um recrutamento, um despedimento ou uma promoção. Por isso considero muito perigosa uma narrativa exclusivamente centrada em questões de género e de idade. Há que ter presente que a realidade organizacional em Portugal é de uma grande diversidade, tendo por um lado microempresas e pequenas empresas com práticas de gestão muito imediatistas e focadas em resolver problemas no dia a dia e por outro lado temos as médias e as grandes empresas já com políticas de gestão mais complexas e completas. A forma como os despedimentos e as promoções ocorrem nestes contextos é distinta. Nas organizações com mais recursos e procedimentos é considerado o capital que as pessoas possuem e se é ou não relevante para os objetivos futuros. Faz parte desse capital, as competências, as experiências e os conhecimentos da pessoa. E, claro, a atitude que a pessoa demonstra é fundamental, como a predisposição para trabalhar em equipa, para construir, para aprender e se adaptar às mudanças, que são mais que muitas nos tempos atuais.

Devo ressalvar que existe ainda culturalmente a expetativa que as organizações tomem conta da carreira das pessoas. Isso foi assim até meados do século XX. Cada vez mais cabe ao colaborador a responsabilidade de verbalizar o que se vê e o que não se vê a fazer. Através de uma comunicação aberta entre as partes, criam-se condições para que os desafios da organização e as motivações dos colaboradores tenham o maior alinhamento possível, que sirvam ambas as partes. Dou o exemplo de um diretor que acompanhei e que precisava de reformular toda a sua área. O maior desafio que teve foi a ausência de informação sobre o que as pessoas se sentiam motivadas a fazer, o que lhe dificultou a construção da proposta final da reestruturação.

Entre mulheres com mais de 50 que decidem mudar, são mais aquelas motivadas por uma ameaça no emprego ou por iniciativa própria?

No meu dia a dia de trabalho, recebo pessoas que se mobilizam por iniciativa própria para encontrarem soluções para a sua inquietação e insatisfação. Não tenho no meu histórico de casos situações em número significativo de pessoas que sentissem que o seu emprego estivesse ameaçado. Pelo contrário, são pessoas que as organizações não tendem a dispensar. A pessoa é que sente que está desenquadrada, por tudo o que acima já referi.

A discriminação etária desmotiva uma mulher de 50 anos a procurar ativamente a mudança que deseja na sua vida profissional?

Tal como já mencionei, as questões de autoconfiança e a forma como a pessoa lidou com estas tem o seu peso na hora de procurar mudanças. Naturalmente que se a pessoa tem dúvidas em relação às suas capacidades e capital, a questão da idade pode aparecer nas suas narrativas e percepções como mais um fator a ter o seu peso. Mas eu gosto sempre de questionar: qual é a alternativa? Desistir? É que há muita vida pela frente e quem tem hoje 50 anos poderá ter de trabalhar eventualmente até aos 70 anos. Além disso, estas questões estão muito presentes nas mulheres portuguesas em geral e nada tem a ver com a idade. Pois a forma como culturalmente somos educadas passa por atuarmos para agradar a alguém sem pormos em causa o instituído. Isso é um tema ao qual é preciso dar mais atenção do que o tema da idade, ou seja, a forma como nos comportamos perante as situações e quais os padrões que possuímos que são benéficos e quais aqueles que nos bloqueiam.

Uma mulher com 50, tem quase 20 anos até à reforma, mas é considerada velha no mercado de trabalho?

Considero que não se pode nem deve olhar para o tema desta forma. Se o que a empresa procura são pessoas com maturidade de negócio e capacidade de tomar decisões com a devida gestão de riscos, então uma pessoa com 50 anos terá mais sensibilidade para identificar determinados aspetos que uma pessoa de 30 anos, pois esta ainda não teve tempo de passar por muitas experiências. Tudo depende do que o mercado procura e do que as pessoas já possuem. Naturalmente que há papéis que serão mais desadequados se forem mais exigentes fisicamente ou se pedirem um conjunto de competências que a pessoa não possui. Aqui ressalvo as competências digitais, que são sem dúvida importantes para todos, pois a tecnologia faz e fará cada vez mais parte das nossas vidas e recomenda-se que qualquer profissional se atualize ao longo da sua vida neste âmbito. É um desafio que diz respeito a todos.

A atitude em relação à idade muda consoante a área de atividade?

Muda consoante a mentalidade dos decisores. Há pessoas que possuem preconceitos e na hora de escolher colaboradores esses preconceitos manifestar-se-ão. Para uns pode ser a idade, para outros o género, para outros ter tido ou não filhos. No recrutamento, a forma como os decisores se sentem em relação aos candidatos e as crenças que têm sobre a forma como se deve trabalhar contam. Eu costumo recomendar que o candidato encare isso como informação. Eu certamente não iria querer colaborar com uma entidade que na entrevista de recrutamento me pergunta se eu pretendo vir a ter filhos, como de resto já me aconteceu no passado.

No seu livro fala da falha como uma inevitabilidade. As mulheres mais velhas têm mais medo de falhar?

Costumo dizer que só não falha quem não faz. Nós, Portugueses em geral, lidamos mal com a falha. Na verdade não é a falha em si o real problema. É mais o medo do que acreditamos que essa falha possa dizer acerca de nós. Nas pessoas mais velhas, como há uma pecepção (pouco fundamentada) de que há menos opções disponíveis, há um maior receio de desperdiçar as poucas oportunidades que surgem. Da minha experiência, a mentalidade com que abraçamos os desafios precisa ser desafiada e expandida para desconstruir ideias feitas sem fundamento e que todos fomos desenvolvendo sobre a carreira.

Tenho 50 anos e acabei de ser dispensada da minha empresa, onde trabalhei durante mais de 20 anos. O que se segue?

Para o perfil de pessoas que acompanho, pode representar um alívio, pois quando isso acontece já a pessoa possui um plano B mais potenciador da sua realização. Outros encaram-no como uma segunda oportunidade e pedem ajuda para um redesign profissional. Haverá certamente casos para quem este acontecimento seja muito difícil e desesperante até. O que recomendo é que a pessoa se permita a fazer o luto da relação que termina e trabalhe a aceitação da situação no seu tempo. Depois, será altura de olhar para dentro de si, identificar o que sabe e aprecia fazer e procurar papéis em que essas capacidades e experiências possam contribuir para resolver problemas ou responder a necessidades específicas. Inclusive, fora do seu setor de atividade e do papel habituais.

Tenho 50 anos e finalmente decidi perseguir os meus sonhos. O que se segue?

Trabalhar acima de tudo a mentalidade. O maior desafio que observo nos profissionais é que foram desenvolvendo uma carreira à boleia de convites, ou aceitando o que foi surgindo. Quando decidem que agora é altura de perseguirem o que querem, ficam algo perdidos pois isso é novo. Não sabem gerir um desafio colocado por si próprios. Por isso, é preciso trabalhar o mindset para tornar essa experiência verdadeiramente enriquecedora e gratificante, ao invés de frustrante e desistirem à primeira adversidade.

Tenho 50 anos, respondi a dezenas de anúncios e finalmente chamaram-me para uma entrevista; o que posso dizer ou fazer para convencer o potencial empregador de que a sou a pessoa certa para o cargo, sendo mulher e ‘mais velha’?

Fazendo perguntas ao recrutador de quais são os desafios mais críticos para os quais precisa de apoio e indo buscar exemplos de experiências suas que demonstrem como no passado já lidou com algo idêntico e que resultados obteve. As pessoas acreditam que nas entrevistas só têm de responder a perguntas, colocando-se numa posição de avaliadas. O que é preciso ter presente é que num recrutamento o candidato está a avaliar a organização e por isso pode e deve levar as suas próprias questões. Tem também o efeito benéfico de se descentrar dos seus medos e colocar o foco no outro, ajudando a aliviar os nervos.

O que está nas minhas mãos para que as minhas competências se sobreponham à minha idade?

Ter presente as suas success stories, ou seja, exemplos da forma como soube lidar com determinado desafio e o que teve de ativar em si para contribuir para um desfecho positivo. Propor-se a novos desafios, como por exemplo fazer voluntariado, ajudar alguém que conheça ou possa usar as suas capacidades e perceber por si o impacto que pode ter na resolução de problemas de outros. A melhor forma de sair da nossa mente e fazer algo por nós é propondo-nos a experiências que nos façam sentir úteis e relevantes e desconstruam as perspetivas pouco salutares que temos tendência a desenvolver.

Das mulheres que retrata no seu livro, o que é que as suas histórias têm em comum?

Todas elas quiseram tomar as rédeas da sua carreira, serem relevantes nos seus papéis e sentirem-se bem na sua pele. Partilham a crença de que se pode ser realizada profissionalmente.

A pandemia veio interromper importantes processos de mudança de carreira?

Em alguns casos, sim. Nomeadamente casos em que o modelo de negócio envolvia a presença física das pessoas. Noutros casos, a pandemia veio possibilitar novas oportunidades. Estou a lembrar-me de um caso de uma mulher que queria mudar de carreira em Portugal e as oportunidades que surgiam em território nacional eram poucas. Com a pandemia, viu-se envolvida em vários processos de recrutamento a nível internacional pois as posições podiam ser desenvolvidas em formato totalmente remoto. Mais uma vez depende do que o profissional procura e do que o mercado precisa.

O que podemos esperar do mercado de trabalho num futuro próximo em Portugal?

As empresas de recrutamento têm o cuidado de anualmente realizar estudos sobre as tendências do mercado de trabalho em Portugal. As suas conclusões são suportadas em informação estatística e organizadas por setor, por isso recomendo que consultem os sites dessas empresas, como sejam a Hays, Michael Page, Robert Walters Portugal, entre outras. Para se estar devidamente informado, o desafio passa por consultar fontes de informação credíveis, por isso recomendo ainda a consulta de publicações especializadas do setor onde se quer posicionar.

Entrevista originalmente publicada na revista ACTIVA de fevereiro de 2022.
Fotos: Getty e divulgação

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