A vida, as nossas prioridades e preocupações mudaram. E muito.
20 SERÁ QUE OS PAIS DELE VÃO GOSTAR DE MIM?
50 SERÁ QUE OS FILHOS DELE VÃO GOSTAR DE MIM? (E os irmãos, a cunhada, os primos, os amigos, a ex-mulher, a mulher a dias, o cão, os 4 gatos, o periquito.)
Aos 20, os pais dele são um pesadelo. Antes de os conhecermos a gente arranja-se o melhor que pode (até calçamos aqueles sapatinhos totós de meio salto que levámos para a entrevista de emprego e com os quais parecemos um ET a avançar para a nave), e quando se chega lá, a nossa futura sogra parece que tem vontade de vomitar (“a menina estuda o quê? Ah, fisioterapia. Mas isso é algum curso? E os seus paizinhos, o que é que fazem?”) e o nosso futuro sogro não abre a boca, e apetece-nos perguntar a Deus por que não tornou o fofinho do Tiago Miguel órfão. Aos 50 ou 60, chegamos a casa dele armadas com o nosso melhor sorriso copiado da Julie Andrews e reparamos que não só não tem o mínimo impacto sobre nenhuma das ‘criancinhas’ (o mais novo tem 28 anos mas ainda vive lá em casa) como, apesar de serem todas gestores, administradores e cirurgiões cardiovasculares, ou estarem a estudar para isso, elas parecem absolutamente ignorantes da nobre arte da conversação. E o pior é que além das criancinhas ainda há o irmão dele, que não faz nenhum mas se dá grandes ares, a ex-mulher, que é ex mas está lá sempre metida em casa a levar almocinho e jantar porque ele coitadinho sozinho não sobrevive, os amigalhaços, que não vivem lá mas lhe ocupam 95% do tempo, os quatro gatos, que nitidamente a odeiam, o cão, que se chama Piruças e você sempre achou que era um caniche mas chegou lá e viu que é qualquer coisa que parece saída do cruzamento de um burro com um prédio de cinco andares, e, em resumo, a bagagem dele é imensa. Mas enfim. Talvez devesse ter trazido a viola.
20 SERÁ QUE ELE ME VAI LIGAR?
50 SERÁ QUE VOU TER PACIÊNCIA PARA SAIR DE CASA?
Aos 20 passamos horas de telemóvel no bolso à espera do toque ou do sms. Ou a olhar para ele à espera que algum pequeno gesto traia a enorme paixão que ele nutre por nós. Ou coladas ao Instagram à espera que ele diga alguma coisa, que ele espete um coraçãozinho (podem esperar sentadas) ou que espete uma fotografia dos dois juntinhos na Foz do Arelho.
Aos 50, até podemos andar pelo Facebook a fazer-lhe rapapés há seis meses e ele nada, mandamos smiles e emojis sem dó e comentamos até o prato da sopa, e ele nada, mas quando ele finalmente diz alguma coisa, descobrimos que afinal não nos apetece assim tanto sair de casa.
20 NÃO HÁ MUITO PARA PÔR EM DIA
50 BEM. QUERES QUE COMECE POR ONDE?
Aos 20, a não ser que se tenha tido uma vida ‘bués’ aventurosa a navegar de caiaque pelos rios do Cazaquistão, ainda não temos muito para contar. Olha, eu gosto de papa de aveia com mel e também gosto de ver o Shameless, e tu?
Aos 50, a não ser que ele seja um velho amigo que foi ao nosso primeiro casamento (e talvez ao segundo, mas estava tanta gente no segundo que não poderia jurar), temos de explicar tanta coisa que às vezes não há muita paciência e há quem prefira nem sequer se meter nisso.
20 SERÁ QUE TOMEI A PÍLULA?
50 PELO MENOS JÁ NÃO TENHO QUE ME PREOCUPAR COM ISSO
Aos 20, a pessoa até quer ser mãe mas não já, até porque o único ser vivo que se teve foi uma hidrângea num vaso ao fundo da cozinha, que morreu de falta de água (ou isso ou dos gases de piza esturrada que saíam do forno).
Aos 50, quem teve filhos já os criou (a não ser que tenha sido mãe aos 48 e ainda ande de bofes de fora a levar os putos ao infantário), quem não teve já se resignou, e pelo menos já não se entra em parafuso quando o período está em atraso. Há males que vêm por bem.
20 SERÁ QUE ELE VAI QUERER CASAR?
50 ESPERO QUE ELE NÃO QUEIRA CASAR
Ai não comeem já a dizer que já ninguém casa, sabemos isso, ou que uma mulher não se define pelo casamento (vocês cansam-me). Aos 25, por muito fora da caixa que se pense, enfim, geralmente uma mulher gostaria de ter um companheiro ou companheira (para adotar os termos dos anos 70) que partilhasse alegrias e desgostos, que fosse com ela aos festivais de verão e que se pudesse apresentar numa selfie, e que lá mais para a frente (muuuuuuuuuuito lá mais para a frente) tivesse coragem para se tornar pai ou mãe, em vez de andar a queixar-se ‘ai ó Maria Beatriz, tu tens de me dar espaço que eu não estou preparado para me comprometer’, como aconteceu a muitas das suas amigas.
Aos 50 ou mais, a maioria das mulheres já não quer andar a lavar a roupa de outro homem (ou outra mulher, não sejam cansativos), um e outro estão acomodados aos seus pequenos hábitos e manias, não há filhos em comum para criar, e portanto o ideal é ficarem cada um na sua casa e a coisa se tornar num namoro eterno. Enfim, ou alguém decidir que tem mesmo saudades de uma verdadeira vida a dois. Que também existe. O que importa é que sejam felizes.
20 TUDO NA BOA
50 TUDO A IRRITA
Aos 20, desde que ele seja minimamente giro e simpático, tudo bem. Ele/a até pode arrotar depois da sopa, deixar pilhas de roupa para lavar amontoada pelos cantos (já lá foi à casa que ele partilha com mais três e viu o estado de sítio em que viviam) mas faz parte.
Aos 50, supostamente devíamos ter aprendido a ter mais paciência e desenvolvido uma atitude zen, mas a verdade é que as mais pequenas coisas nos tiram do sério: que ele/a partilhe coisas idiotas no Facebook, que venha com aquela do ai estou muito traumatizado pela minha ex que me fugiu com o faqueiro da avó, o vinil do primeiro disco dos Stones, e o número de telefone do meu melhor amigo. Já não estamos para aturar um ser humano que não faz os mínimos olímpicos e que ainda por cima acha que isos não tem importância nenhuma, que isso vai acabar por ser feito por outra pessoa, o acharem que a vida deles é muito mais importante, que há mundos para descobrir e pessoas para salvar e que o tempo deles é demasiado precioso para desperdiçar com a tampa da sanita. Claro que isto são só alguns. Mas que irrita, irrita.