A paz não é um dado adquirido. Temos vindo a perceber isso de maneiras muito dolorosas, por tudo o que está a acontecer no mundo. Mas como se cria, de que depende e o que precisamos de fazer para que ela aconteça? Uma das nossas maiores especialistas explicou-nos o que é viver em paz.
Porque é que raramente se fala de paz?
Porque só nos lembramos que a paz é fundamental quando ela está ameaçada. Tal como acontece com outras coisas fundamentais, como a saúde. Não estamos treinados ou educados para a atenção ao que é essencial porque somos muito imediatistas, e quando de repente essa paz essencial nos falta, acordamos para uma consciência que não tínhamos antes. Há uma explicação científica para isto. Nós temos um viés de atenção para aquilo que é mais negativo, por razões de sobrevivência. Portanto, quando tudo corre bem, não pensamos nisso. Muito daquilo que tento fazer é dar esse treino às pessoas para perceberem o que é essencial, porque isso leva-as a desfrutarem mais da vida. É preciso contrariar este viés instintivo de só pensarmos em coisas más.
O que é que cada um de nós pode fazer, diariamente, para promover a paz?
Todos nós somos diariamente construtores – ou destruidores – de paz. Somos construtores através da nossa forma de autoconhecimento e de relação com os outros – por exemplo, vivendo as nossas experiências negativas de forma a que elas não magoem ninguém.
Mas o que é a paz?
Boa pergunta. Há duas concepções: a paz negativa – resolver os conflitos, acabar com a guerra, suprimir o que traz sofrimento, dor e perda. E a paz positiva: criar condições e atitudes, nacionais e individuais, para que a paz aconteça. Isto depende dos governos e das empresas mas também de cada um de nós, através de estratégias, como por exemplo comunicação não-violenta, autocontrole, participação em movimentos de cidadania, comportamentos compassivos e de inclusão. Quando criámos a cátedra da UNESCO há cinco anos, fizemo-lo porque percebemos que era preciso um trabalho de construção profundo para que não acontecessem coisas como as que estão a acontecer agora, e outras como o tipo de líderes que formamos. Por isso, apostamos muito em cursos de liderança compassiva e empática em colaboração com autarquias e empresas.
Nós humanos somos boas ou más pessoas?
Acredito que somos estruturalmente boas pessoas. Isto é, como espécie, os humanos vêm preparados para a colaboração e para a empatia, porque sozinhos não sobrevivemos. Mas há processos sociais e sistémicos que nos levam na direção contrária. É engraçado que, neste momento, mesmo Darwin está a ser relido em termos de competição das espécies. Somos tão complexos que, dependendo da situação, podemos ser solidários ou monstros. Portanto, interessa construir um mundo que não exija que sejamos monstros.
Porque é que passou a ensinar-se a paz como tema de estudo?
Há cinco anos, o ensino da paz não era um tema sexy e ninguém percebia para que é que servia. Agora, as pessoas estão atentas, mas eu diria que mais por medo do que por uma construção positiva. Gostava muito que lá tivéssemos chegado sem nos sentirmos ameaçados, apenas porque queríamos construir alguma coisa positiva. Hoje, mais do que nunca, é importante construirmos todos a paz e o bem-comum, em vez de estarmos tão concentrados em objetivos individuais que isso nos leva a passar por cima dos outros. Quando pensamos em paz global, pensamos na ONU ou no António Guterres, mas eu na fila do supermercado também construo ou destruo a paz. Está também nas nossas mãos.
Cada um tem de dar o exemplo?
Sim. Sejamos um exemplo para os outros. Porque mesmo que não se dê por isso, há sempre alguém a reparar no que nós fazemos. Não desperdicemos o nosso potencial para influenciar o mundo.