Esperámos toda a vida que a nossa filha herdasse o cabelo e os olhos da avó Maria e no fim de contas ela saiu a cara chapada da família do pai. Gostávamos que o irmão saísse ao avô Joaquim, e afinal, ó horror!, ele é a cara do tio Xavier. A ciência da hereditariedade geralmente troca-nos as voltas: os filhos nunca saem exactamente como nós esperamos. Às vezes um irmão é a cara da mãe, o outro a cara do pai, o terceiro uma boa mistura, o quarto não é a cara de nenhum deles, mas isso não quer dizer que não tenham todos o mesmo pai e a mesma mãe.
É que as coisas nem sempre são tão simples quanto isso: os genes herdados podem ter-se combinado de maneira original em relação ao resto da família.
Segundo o site da Parents, no artigo ‘How Genes Determine What Your Baby Will Look Like?’ ainda há muito por descobrir acerca dos genes, mas já é possível deteminar com antecedência certos traços que podem ser herdados. “Os genes decidem como o bebé vai ser, mas continuam muito imprevisíveis. Cada bebé herda genes do pai e da mãe, mas os genes manifestam-se de forma diferente.” Se tudo acontecesse da mesma forma, irmãos do mesmo pai e da mesma mãe seriam iguais, e muitos de nós sabemos como se pode ser diferente de um irmão… Além de que há muita coisa que se transforma ao longo da vida de uma pessoa.
COMO TUDO COMEÇA
Cada traço nosso vem do encontro de dois genes, um do pai, outro da mãe. No momento da fecundação, a célula masculina (espermatozóide) e a feminina (óvulo) transportam cada uma 23 cromossomas e milhares de genes. Tanto no óvulo como no espermatozóide há um par de cromossomas que irão determinar o sexo: os do espermatozóide podem ser X ou Y, os do óvulo são sempre X. Se o espermatozóide que fecunda o óvulo tem cromossomas Y, a criança será sexualmente rapaz.
A CULPA É DA MATEMÁTICA
O facto de se ser rapaz ou rapariga resulta apenas de duas combinações possíveis, mas o mesmo não acontece com outros traços.
Quando os genes se cruzam, o mais forte irá dominar o mais fraco e, entre estes dois, o gene que ‘ganha’ e aparece é o dominante, sendo o outro chamado recessivo. Um factor dominante significa que se combinaram dois genes dominantes ou um dominante e outro recessivo. Se um traço é recessivo, a pessoa precisa de herdar duas cópias do gene para revelar esse traço.
Por exemplo: o João, de olhos castanhos, casa com a Joana, de olhos azuis. Há várias ‘possibilidades’ de filhos: um filho pode ter olhos escuros, que é o gene dominante.
Outro filho pode ter um gene dominante e outro recessivo: terá olhos escuros e o traço ‘mudo’ dos olhos azuis não manifestado.
Outro filho pode herdar os dois genes recessivos: poderá herdar olhos azuis se houver um avô inglês de um lado e um sueco do outro, por exemplo; o gene dos olhos azuis é recessivo, mas ambos os pais podem transportá-lo. Com tudo isto dentro do saco, a Natureza orienta-se segundo os elementos de que dispõe. Porque é que uma versão do gene é dominante e outra é recessiva? Isso está ligado à composição bioquímica dos genes: a proteína do gene dominante tem um efeito mais forte do que a do gene recessivo. Mesmo se os dois pais tiverem olhos castanhos, um bebé pode ter olhos azuis, se ambos os pais tiverem genes recessivos azuis.
Mas nem sempre as coisas são assim tão básicas: a pigmentação da pele e do cabelo, por exemplo, não depende de um só gene, mas da soma de diferentes tipos de genes herdados de várias gerações. Quantos mais genes de melanina o bebé herdar mais escuro irá ser o cabelo. Como se vê, a matemática domina grande parte daquilo que somos.
GENES MUTANTES
Às vezes pode acontecer que durante a multiplicação celular um dos cromossomas perca determinado gene responsável por um processo vital. A deficiência pode ser corrigida pelo cromossoma do parceiro, mas a mutação será transmitida à geração seguinte.
Os defeitos genéticos são recessivos a Natureza ‘prefere’ naturalmente aquilo que nos ajuda a sobreviver, mas podem manifestar-se quando se cruzam dois gâmetas (ou seja, células sexuais: espermatozóide e óvulo) com genes recessivos dessa deficiência.
É por isso que se evita a consanguinidade, pois o casamento entre pessoas da mesma família eleva a possibilidade de dois genes recessivos se encontrarem.
Determinadas aptidões, como tocar bem piano, ser bom a Matemática ou ter facilidade em línguas, também podem ter uma base genética, mas, atenção!, como quase toda a gente já reparou, sem trabalho não há nenhum ‘gene da Matemática’ que nos acuda. Portanto, muito do que nós somos já vem inscrito no nosso código genético, mas muito mais nos espera cá fora, consoante o uso que fazemos, ou não, da nossa herança.
UM SACO DE ERVILHAS
Há muito tempo sabia-se que os filhos saíam ao pai e à mãe, mas não se sabia exactamente como nem porquê. Segundo a teoria de Darwin, a Natureza era uma espécie de pintor que combinava cores: assim, um pai de olhos castanhos com uma mãe de olhos azuis daria sempre um filho de olhos verdes. Foi preciso chegar um monge austríaco, Gregor Mendel, que resolveu dedicar-se ao estudo das ervilhas para tentar descobrir os padrões de hereditariedade. Porque é que ele escolheu as ervilhas, que nem sequer têm olhos ou cabelo? Porque tinham uma variedade simples de características e germinavam depressa.
Mendel observou que as características eram passadas de geração em geração em forma de unidades individuais, que não são diluídas. Assim, ervilhas amarelas cruzadas com ervilhas verdes não dão ervilhas verde-amareladas, mas ervilhas amarelas. Também constatou que as ervilhas tinham ‘memória’ geracional: havia traços das ervilhas ‘avós’ que passavam para as ervilhas ‘netas’, saltando uma geração.
CÓDIGO SECRETO
Mais tarde inventou-se o termo ‘genes’ e também se descobriu o que acontece quando um espermatozóide fertiliza o óvulo e os cromossomas se combinam. No século XX, Watson e Crick descobriram a estrutura do ADN. Em cada célula humana existem 23 pares de cromossomas. A componente principal de cada cromossoma é o ADN (ácido desoxirribonucleico), que tem a forma de uma hélice dupla e que irá codificar e organizar os genes. Temos milhares de genes no núcleo de cada célula.
Mas não somos assim tão diferentes: os quase oito mil milhões de habitantes da Terra partilham 99,9% do seu genoma e apenas 0,1% varia de pessoa para pessoa, segundo o que herdámos dos nossos pais. De qualquer maneira, esse 0,1% que não partilhamos é aquilo que, para nós e entre nós, faz a diferença.
Se quer mesmo ter uma ideia da cara do seu filho antes de ele nascer, pode entreter-se a fazer a árvore genealógica dele. Além de divertido, vai fazer com que não o deserde se lhe sair um sardento na rifa e nenhum dos pais tiver sardas…
O QUE É QUE ESTÁ ESCRITO NO TESTAMENTO GENÉTICO?
O CABELO
Os encaracolados dominam sobre os lisos e os escuros sobre os claros.
O cabelo escuro domina ainda sobre o ruivo e o ruivo domina sobre o louro.
Se a mãe tem caracóis, mas parentes de cabelo liso, e o pai tem cabelo liso, há possibilidades iguais para ambos os tipos de cabelo. Caso a família de um dos pais tenha cabelo escuro, o mais provável é que os filhos tenham também cabelo escuro. Mas o que é engraçado com o cabelo e não acontece por exemplo com os olhos, é que pode ainda mudar de cor com a idade (quantas pessoas não conhecemos que foram loiras durante a infância e viram o cabelo escurecer depois disso?). Isto acontece porque as hormonas de crescimento podem ativar os genes que fazem com que o cabelo seja mais escuro ou mais encaracolado.
OLHOS
Os escuros dominam sobre os claros.
Se a família de um dos pais tem olhos escuros, é provável que os filhos tenham olhos escuros, mesmo se os da mãe forem azuis. Mas a cor dos olhos é uma das características mais misteriosas e variáveis: existem casais de olhos azuis com filhos de olhos castanhos, e muitas cores intermédias como cinzento, certos tons de castanho-claro e de verde ainda não estão bem explicadas.
SINAIS PARTICULARES
As ‘covinhas’ são dominantes sobre a inexistência de covinhas, as sardas são dominantes sobre as não-sardas, a visão normal é dominante sobre a miopia, os lábios grossos sobre os lábios finos. Mas como vimos, pode haver muitas variantes.
ALTURA E PESO
São codificados por múltiplos genes e mais difíceis de prever, e podem ser modificados pelo ambiente, tipo de alimentação e de exercício físico. Se um recém-nascido nascer grande e pesado, por exemplo, isso não significa necessariamente que vá ser um adulto alto.
No entanto, há dois indicadores engraçados. Segundo a Associação Americana de Pediatria, para saber que altura terá o seu filho em adulto multiplique por dois a sua altura aos 2 anos. Outro indicador: some a altura dos dois pais e divida por dois. A esse número some 6 cm para um bebé rapaz ou subtraia 6 cm para um bebé rapariga. Mesmo assim, há muitos fatores que podem influenciar este número, pelo que mesmo neste caso a ‘bola de cristal’, como todas as bolas de cristal, é pouco fiável.