Como é que começaram as comunidades de pais?
A minha principal comunidade é a ‘Pais chatos com prazer’, que já conta com mais de 700 pais no Whasapp. É gratuito. Isto começou na pandemia, quando os pais ficaram sozinhos muito tempo com os filhos e começaram a pedir ajuda. E eu reparei que os problemas tendiam a ser iguais. Então criei um grupo que acaba por ser um polo de identificação. Se uma mãe disser ‘não consigo tirar a minha filha da cama de manhã’ há logo muitas outras mães com o mesmo problema, ou com maneiras de o resolver.
Quais são os benefícios de se pertencer a uma destas comunidades?
Por um lado partilham experiências, por outro não se sentem únicos. E ainda há aquelas que passam pelo mesmo mas não têm coragem de o dizer ou não se querem expor. E depois dou ferramentas aos pais para resolverem esses problemas . É óbvio que um miúdo de 15 ou 16 anos já não sevia precisar de ser acordado…
Em vez de ajudar apenas um, ajuda muitos outros…
Tal qual. A partir daí, criei outro gupo, online, às terças feiras à 1 da tarde, onde pais e mães também põem as suas questões, mas ficam a conhecer-se uns aos outros. E depois há o grupo ‘Despertar da consciência’ com adolescentes. Porque eles também se sentem perdidos, não são só os pais. E também eles partilham as mesmas dúvidas. Por exemplo, qual é a melhor maneira de estudar? E acaba por ser uma forma de ajudarmos várias comunidades, sem qualquer custo.
Diz-se muito mal dos pais e mães mas acho que as pessosas hoje se preocupam imenso, interessam-se imenso, querem informar-se, querem mesmo ser melhores, não é?
Sim. E ouvem-me. É muito diferente de ir ao Google, onde há imensa informação e nos perdemos completamente.
O que mais preocupa os pais hoje em dia?
A desmotivação dos miúdos, a apatia, o desinteresse, o não saberem lidar com a frustração. Ouço as mesmas queixas dos professores. Mas se estamos sempre a castigá-los, ainda se desmotivam mais. Se eles já estão tristes por não conseguirem boas notas, chegam a casa e ouvem ‘só isso? Nunca vais ser ninguém!’, chegam à escola e ouvem ‘só isso? Nunca vais conseguir ser ninguém!’, eles pensam: nunca vou ser ninguém. E desistem. Sou psicóloga há quase 25 anos, há quase 25 anos que ando a dizer aos pais ‘não castiguem, incentivem’. É uma batalha que tenho desde que comecei.
Então o que há a fazer?
Acho que neste momento os pais estão mais atentos. Mas têm de perceber que têm as suas próprias feridas para curar, e enquanto não curarem as suas feridas não podem curar as dos outros. Se temos uma ferida de abandono que trazemos da infância e o nossso filho nos responde mal, achamos que não gosta de nós. E não é, é só ele que não sabe lidar com a situação.
Os pais têm pânico de que as crianças fujam ao seu controlo?
Têm. Mas é normal que os adolescentes o façam, estão a testar limites, nós fizemos a mesma coisa. Mas se estivermos bem resolvidos, vamos perceber que aquilo não é nada contra nós. A maior parte dos pais dizem ‘ele tem de me respeitar, mas grita comigo!’ e eu pergunto, ‘Mas também não grita com ele?’, ‘Claro que grito! Mas é diferente’. Não, não é. Se gritamos com eles na infância, eles vão gritar connosco na adolescência. Os nossos filhos são o nosso espelho.
Então como é que se reage a isso?
Não castiguem, incentivem! Sejam criativos, incentivem a brincadeira. Outra das maiores queixas é que eles estão sempre no telemóvel. Eu não deixo. Mas dou alternativas. Ontem o meu filho Vicente, que tem 12 anos, passou a tarde a fazer um desenho. Ok, somos a primeira geração de mães a ter de lidar com o vício do telemóvel. O que é que havemos de fazer? É fácil: dar alternativas aos miúdos. Ontem trouxe barro e eles ficaram a fazer enfeites de barro para a árvore de natal. Não podemos tirar-lhes o telemóvel e deixá-los no vazio, porque esse vazio fomos nós que criámos. Ontem tive uma menina com 3 anos que já é viciada no tablet! Outro miúdo deixou de andar porque esteve um ano sem ir à escola, só a jogar na playstation. E a mãe dizia-me ‘mas como é que eu o posso obrigar a ir à escola? Isto é preocupante! Tenho pais que já atiraram a playstation pela janela… Portanto, as comunidades ajudam muito a que as pessoas consigam lidar com problemas por vezes bastante sérios, e que percebam que não estão sozinhas. Nem os pais nem os adolescentes se sentem únicos, e às vezes só precisam de ideias.
E aos miúdos, o que mais os preocupa?
Aos miúdos, o que mais os preocupa é as notas, o stress e a ansiedade, que os bloqueia nos exames. Por isso treinamos muitas formas de lidar com o stress e aconselho-os muito a fazer desporto, que ajuda muito.
Como pais, somos exigentes ou deixamos fazer tudo?
Os pais exigem muito aos miúdos mas depois tratam-nos como bebés. Um miúdo de 20 anos dizia-me há uns tempos ‘Não tenho conta bancária nem posso ir sozinho de transportes para a universidade, porque os meus pais não confiam em mim. Também não sei cozinhar, a minha mãe tem medo que eu me queime’. Isto é grave. Com 20 anos és um adulto. Esta super-proteção destroi a autoestima aos miúdos. Não os deixam ver telejornais com medo que tenham pesadelos. Mas faz parte! Se eles têm de faltar às aulas, têm de sentir que não conseguira, se for preciso têm de chumbar, porque isos é crescer. Castigam-nos mas não os deixar lidar com as consequências nem coma frustração nem com as responsabilidades…
Mas já disse que os ‘seus’ pais a ouviam...
Ouvem-me e mudam muita coisa. Portanto as pessoas estão abertas a aprender e a mudar. Eu tenho 3 filhos, a Francisca com 18, o Vasco com 16 e o Vicente com 12, e eles acordam sozinhos, não ajudo nenhum deles nos trabalhos de casa e muito menos faço resumos por eles! Estamos a criar – já criámos – uma geração de dependentes que não sabem fazer absolutamente nada. Os nossos pais eram super tiranos e mandavam em nós. Agora, são os filhos que mandam em nós! Nós que tivemos pais tiranos não podemos ter filhos tiranos. Mas não é a castigá-los. Quando eu digo ‘ponham limites’, isso pode ser feito sem castigos.
Como?
‘Se tiveres média de 12, fazemos uma viagem’. É dar incentivos e responsabilidades. Porque senão, não os deixamos crescer! Estão deprimidos porque não têm regras. E têm tudo o que querem ao segundo. Não têm de se esforçar por nada. Mas por outro lado, quando se consegue cativar um miúdo, ele entrega-se verdadeiramente.
Continuam a ser as mulheres que pedem ajuda?
Continuam. Nisso ainda não mudámos. Em todos os grupos e cursos que faço, só tenho mães. Porque os homens têm mais vergonha de pedir ajuda, têm menos sensibilidade (a maioria ainda é adepta do ‘o meu filho tem de fazer como eu quero e acabou. Se eu digo que é assim, é assim’) e para eles mudar de atitude é uma hipótese que não se põe. Às vezes digo às mulheres que podem trazer os maridos e não pagam mais por isso, a ver se consigo cativá-los. Mas ainda é difícil. Isso entristece-me muito. Mas devagarinho tenho esperança que as coisas mudem.