Anastasia Steel é uma estudante universitária em vésperas de se licenciar, inocente e virgem, que vai entrevistar um jovem, atraente e obscuro magnata. Daí nasce um fascínio mútuo que vai resultar em escaldantes sessões de sexo sadomasoquista e a descoberta de um passado sombrio. Eis, por alto, o enredo de ‘As 50 Sombras de Grey’, editado em Portugal pela Lua de Papel. A primeira edição, de 15 mil exemplares, esgotou em uma semana e entrou diretamente para o primeiro lugar do top de vendas.
Do papel para o cinema
A autora deste fenómeno é E.L. James, pseudónimo de Erika Leonard, uma inglesa de 49 anos, mãe de dois adolescentes, fã dos livros da série ‘Crepúsculo’, pelos quais confessa ter-se sentido inspirada a escrever. Foram dois anos de escrita quase obsessiva, que intercalava com um emprego a meio tempo como produtora televisiva. Já em miúda queria escrever “histórias que apaixonassem os leitores”, diz. E está a caminho a adaptação cinematográfica, que está em fase de pré-produção e que vai ser feito pela mesma equipa técnica de ‘A Rede Social’.
Nesta fase discutem-se acaloradamente o elenco do filme e avançavam-se nomes de bons candidatos ao papel de Grey: Michael Fassbender (‘Sacanas sem Lei’, ‘300’), Chris Pine (o Capitão Kirk da versão de 2009 de ‘Caminho das Estrelas), Ian Somerhalder (da série ‘Diários do Vampiro’, que já se mostrou muito interessado) e Ryan Gosling. Quanto ao papel feminino de Ana, o primeiro nome sugerido foi o de Kirsten Stewart, a Bella de ‘Crepúsculo’, mas consta que a própria E. L. James terá comentado que “seria muito estranho”. Outros rumores apontavam as relativamente desconhecidas Lucy Hale e Emilia Clark. Até o escritor Bret Easton Ellis, autor de ‘American Psyco’, se propôs a escrever o argumento para o filme.
“É um jogo de criatividade e fantasia”
Mas… porquê tanto fascínio e falatório com um livro que fala de práticas de bondage, dominação e sadomasoquismo (BDSM)? Numa altura em damos a emancipação feminina como garantida, o que é que ainda leva as mulheres a fantasiarem com um homem dominador que as faça entrar em êxtase? “É um jogo de criatividade e imaginação, onde podemos fazer todas as coisas contrárias ao que aceitamos no dia a dia”, analisa o psicólogo clínico Joaquim Quintino Aires. “E quanto mais a fantasia é irreal ou menos aceitável, mais forte é essa experiência de criatividade. O facto de a dominação existir na fantasia erótica não significa que, na vida real e fora do espaço de partilha íntima do casal, ela seja sequer minimamente permitida. É uma forma de completar a vida com coisas que, de outra maneira, não permitiríamos e não vejo mal nenhum nisso.”
As práticas BDSM não são consideradas desvios sexuais, pelo menos por grande parte da psicologia moderna. “Não existe norma padrão da sexualidade; esta é apenas uma variante. Este tipo de relações tem regras muito específicas e que nada têm a ver com agressões terríveis. Implicam respeito pelo parceiro e poder parar-se a tempo, se for preciso, com uma palavra de segurança. Desde que não prejudique a saúde física e mental de nenhum dos dois adultos…” Além disso, num mundo em que cabe à mulher tomar decisões e ações constantes quanto à família, trabalho ou relacionamento, a fantasia erótica, em que não é ela que decide, pode fazer todo o sentido e funcionar como escape. A literatura erótica também pode ser um bom aliado para incrementar a nossa sexualidade, observa ainda este psicólogo. “Já a série ‘O Sexo e a Cidade’ foi um fenómeno nesse sentido. Tornou as conversas sobre sexualidade entre amigas mais frequentes e até mais ricas, porque havia vocabulário e ideias a trocar, sem que ninguém as criticasse por isso.”
Mas estarão os portugueses preparados para ler e pensar sobre este fenómeno? “Somos muito púdicos! Os portugueses não estão à vontade para falar destes assuntos mas estão muito à vontade para os praticar, e praticam muito”, revela Quintino Aires. “Entre amigos, em público, afirmam exatamente o contrário do que praticam, mas são muito livres de o praticar às escondidas. Apesar de tudo, está a surgir um grupo de mulheres entre os 35 e os 45 anos – alguns dos meus colegas também notam esse fenómeno – com uma atitude diferente relativamente à sua sexualidade, em que verbalizam e partilham as suas fantasias e não se importam muito se as pessoas ficam escandalizadas com isso, embora não o façam para chocar.”