Existe também a complicada arte de enganar com a verdade, que precisa de grande destreza mental e sangue frio. Temos ainda, claro, a mentira pura e dura, que pode ou não ser compulsiva, que nasce da necessidade, do desespero (estas são as “perdoáveis”) ou do propósito vil e firme de obter algo por meios sujos. Todas as modalidades, para “funcionar” requerem uma coisa: que quem mente esteja certo daquilo que diz como se fosse verdade e de preferência, que haja um fundo de verdade namentirola, mentirinha ou mentira horrível que se conta. Pessoalmente abomino a mentira, embora possa, por vezes, desculpá-la uma vez esclarecidos os motivos. Não volto a confiar, mas posso tentar compreender. Uma das razões por que a mentira me choca é que, embora eu não confie facilmente em ninguém, não sou tão desconfiada como muitos colegas jornalistas. Esta característica, por estranho que pareça, facilitou-me bastantes trabalhos: as pessoas sentiam que eu confiava nelas, que não as estava a tentar virar do avesso (um pouco na lógica good cop, bad cop) e acabavam por se abrir mais facilmente comigo. Não era algo propositado, mas acabava por ser uma técnica excelente. Contra mim, confesso que não o faço por bondade ou ingenuidade, mas simplesmente por não me debruçar demasiado sobre as pessoas, a não ser que haja realmente necessidade disso ou que o meu instinto de profiler dê sinal. Parto do princípio que por norma, as pessoas não contam mentiras só porque sim. E quando descubro que mentiram, que mentiram por mentir, que quiseram enganar-me com esse firme propósito, enfureço-me – não só pelo gesto, mas por saber que nada do que me digam a partir daí, ou mesmo outras coisas que me tivessem dito com toda a firmeza, com os olhos mais limpos e as intenções mais carinhosas, é garantia de ser verdade. Porém, pior do que a mentira, e do que todos os esquemas que se possam esconder atrás dela, é aconversa da treta. Os elogios cheios de peçonha e mel, as bonitas palavras para convencer ou para ficar bem no retrato, os propósitos elevados só para inglês ver, a transferência de culpa, a fiada de petas de quem ficou tão enredado nas suas próprias teias que já nem sequer acredita naquilo que diz, antes não faz ideia para que lado está a verdade, tantos são os disparates,a instabilidade, a fuga ao verdadeiro problema e a camuflagem do fundo sórdido da questão. A mentira é má, mas como uma lança, atinge um ponto específico que pode eventualmente ser sarado. Já a conversa da treta é como uma arma química – espalha-se por toda a parte, contamina tudo, destrói até aquilo que podia ser salvo. Um mentiroso ainda se tolera, um smooth talker é muito pior.
Autoria: Imperatriz Sissi