Muito menos importa a leitura que os outros possam fazer, por sua vez, dos nossos julgamentos. Se parece errado, se temos uma sensação desagradável, por alguma razão é. E é arriscado (ou mesmo perigoso) deixar que nos convençam do contrário, com as velhas desculpas “que motivo mais superficial para antipatizar com alguém“, “não é por aí que se avaliam as pessoas” ou “que antipático/ fútil/disparatado da tua parte“. Há um grande perigo em abafar as nossas primeiras impressões, que são as mais isentas, ainda não toldadas pela convivência ou outros factores que se vão avolumando. Ser “simpático”, “tolerante” ou “polido” é um erro que se pode pagar caro.
Porque são os traços fúteis, as pequeninas coisas, que nos dizem imenso das pessoas: do seu background (ou pedigree, se quisermos) da sua educação, das suas convivências, valores intrínsecos, personalidade e experiências de vida. Por muito que alguém possa querer fazer-se passar pelo que não é – copiando modos, gostos adquiridos, formas de vestir ou hábitos – são as pequenas preferências, os minúsculos tiques de linguagem, os hábitos insignificantes que as traem. E esses não se conseguem ocultar completamente porque estão demasiado enraizados, assentes em alicerces que quanto mais se escavam, mais medo metem.Logo, há que prestar atenção de início não ao que a pessoa mostra, mas ao que ela revela sem querer. E o que se revela sem querer pode deixar escapar muita coisa: de um snobismo inofensivo e ingénuo (querer parecer mais do que se é) a problemas realmente graves. Muitos dos grandes males advêm de um desejo furioso de “subir na vida” e em todo o caso isso não costuma ser um bom indicador mas enquanto se tratar de, por exemplo, ter maneiras menos que impecáveis à mesa, não é realmente grave: formalidades podem ser aprendidas. Valores e preferências enraizadas ..isso é outra coisa. E frise-se antes de mais que há por aí pessoas “simples” que são muito bem formadas, ainda que não sejam cultas ou sofisticadas. Vir de um meio “humilde” não implica necessariamente vir de um meio ordinário, nem ter hábitos “de bairro” – salvo seja.
Por muito democrático, equalitário ou ” espírito livre” que se queira ser, por muito que se viva e deixe viver, é preciso aceitar factos: há gostos que as pessoas bem formadas não têm, vocabulário que não utilizam nem mortas, raciocínios de malandrice e pulhice que não fazem, fronteiras que não lhes passaria pela cabeça ultrapassar, questões de gosto e de moral que não lhes são indiferentes e comportamentos/posturas/gostos que pessoas de valores não toleram: seja por serem moralmente ou socialmente duvidosas, seja por revelarem uma proveniência ordinária ou hábitos (desculpem lá o termo) reles. E se a pessoa à nossa frente, por muito requintada, sofisticada ou inocente que pareça, revela simpatia por tais coisas…algo não bate certo. Se alguém não vê mal absolutamente nenhum em, digamos, apresentar-se assumidamente em público com “senhoras” de aspecto suspeito com a desculpa “eu não julgo por aí; o hábito não faz o monge” perdoem a superficialidade, mas não estamos perante nenhum Bom Samaritano que não gosta de julgar. Se revela, com ar guloso, achar bonito tudo quanto é visual rasca numa mulher e não guarda isso para os momentos privados, tenham paciência mas não se trata aqui de uma pessoa que não percebe nada de moda. Eu convivo lindamente com pessoas que não entendem nada disso, mas uma coisa é “moda” ou “ter estilo” ou mesmo borrifar-se para isso tudo, outra muito diferente é ter decência. E por decência já não falo de “bom ar”, mas no sentido literal do termo. Se convive maioritariamente com pessoas que não se coadunam com o perfil que pretende fazer passar, algo não está certo. (Diz-me com quem andas….). Um “mau gosto” aparentemente inofensivo pode ser um indicador de personalidade viciosa e rasteira e quanto a isso, meus amigos, não há lições que valham – a vontade vai sempre inclinar para esse lado. Outras pequenas coisas como a elasticidade moral, já mencionada recentemente – como uma infinita tolerância a esquemas ou trampolinices para ascender socialmente são igualmente perigosas. Porque quem condescende, quem não impõe limites e não se respeita a si próprio, nunca saberá o que é respeitar os outros. Mas mais do que isto tudo, são as pequenas contradições em que as pessoas caem de início, como por exemplo “eu não vou ligar a fulano para dar os parabéns” e depois anunciar que afinal o fez com a maior naturalidade, sem explicar sequer por que mudou de ideias. Quem mente nas pequenas coisas, não é de confiança nas grandes. E embora ninguém esteja livre de contar uma mentirinha de vez em quando, mentir em coisas parvas, sem importância nenhuma só porque sim, é um STOP bem grande.
O que nos impede, então, de cortar a convivência pela raiz, quando ela ainda é recente e pessoa não nos faz falta? O que é que nos leva a dar segundas chances? Por vezes, a curiosidade em saber mais, porque o jogo de aparências de facto engana (“mas é uma pessoa tão bonita, parece ser tão santinha, será que não foi só má impressão?”, etc). Noutras, é a culpa social. A mania do século que nos foi imposta, de não julgar ninguém, cada um é como é, etc. Tudo bem, há que tratar todos com respeito, cada um é como é e não vamos mandar para um Gulag as pessoas que não são como nós, mas podemos escolher levantar-nos da mesa e não conviver com elas sem mais desculpas, sem mais análises e sem remorsos. Até porque, vão por mim – gente assim não tem remorsos de se aproximar dos outros com segundas ou terceiras intenções, nem de fazer o piorio se lhe der jeito. Sermos os bonzinhos de serviço nunca é boa ideia. E a vida ensina que por vezes é preferível passar por antipática (o), preconceituosa (o), extravagante ou francamente parva (o) a cair nas garras de gente sem escrúpulos. Assim como assim, a opinião de quem não é honesto não interessa mesmo. Venha a antipatia, any day.
Autoria: Imperatriz Sissi