Luís Represas está de volta com o álbum ‘Cores‘ (Universal), o primeiro desde ‘Olhos nos Olhos’ (2008). Neste trabalho, para além da composição de música e letras, Represas tomou em mãos a tarefa dos arranjos musicais e co-produção. Falámos com o cantor e compositor a propósito deste seu novo disco, que também conta com uma versão de Fausto – ‘Porque me Olhas Assim’ – e com letras de Margarida Pinto Correia, Pedro Rolo Duarte e da filha, Carolina Represas.
Com que cores se pintaram as influências musicais deste seu novo trabalho?
São muitas. Não há aqui influências propositadas. Sempre gostei de trabalhar com liberdade total para expor as influências que tenho reunido ao longo da vida. Elas revelam-se conforme as músicas e os arranjos vão sendo construídos, conforme vão pedindo que elas surjam. Aparecem influências musicais da América Latina, mas também aparece a África pelo disco dentro e uma portugalidade forte. Penso que não há uma preponderância de nenhuma em relação a outras.
O que vemos neste álbum de diferente em relação aos seus trabalhos anteriores?
A base dele é o quarteto com quem toco agora, a que se vão juntando outros músicos e instrumentistas. Fui também compondo os arranjos, à medida que as canções iam nascendo e as ia experimentando, não só com o quarteto, mas também com o Luís Fernando, que assinou a produção comigo. Íamos pondo em práticas ideias que ambos tínhamos para este disco. Há aqui uma abordagem muito mais de imaginário meu, que ponho em execução sem recorrer a outras pessoas – o que não quer dizer que não o volte a fazer no futuro.
A sua filha Carolina também assinou algumas das letras deste álbum. Como foi trabalhar com ela?
Este disco tem quatro letras assinadas por outras pessoas: há uma da autoria do Pedro Rolo Duarte, duas da Carolina e uma da Margarida Pinto Correia. Gosto de sentir o trabalho de todos os autores que têm colaborado comigo ao longo dos anos, como se fosse também um pouco meu. Acho que só assim posso estar 100% entregue à interpretação desses textos. Isso não se compadece de algum sentimento exterior que possa ter quando olho para o autor e a obra dele. A Carolina tem uma forma de trabalhar as palavras que me agrada há muito tempo, e este foi o momento em que a desafiei a escrever alguma coisa para este disco. O resultado foi surpreendente para mim e foi suficiente para agarrar nesses textos, assumindo-os como os de qualquer outro autor com quem trabalhe. O facto de ela ser minha filha não influenciou em nada a minha escolha; não a pressionei nem positiva nem negativamente.
Portanto, não foi apenas a escolha de um pai orgulhoso…
Nunca! Até porque estamos a falar do meu trabalho e do trabalho dela. Estas coisas não se compadecem de orgulho de pai. É claro que fico muito orgulhoso de que a minha filha tenha esse prazer em escrever, mas nunca lhe faria uma coisa dessas, ser essa a única razão para escolher uma letra dela. Eu não seria mau para ela a esse ponto (risos)…
E a si, enquanto autor, quais foram os temas que o inspiraram? O estado em que o país mergulhou e a necessidade de sair dele com alguma atitude positiva?
Este não é um álbum de conceito, mas os temas foram maioritariamente influenciados por aquilo que sinto neste momento. E se, por um lado, aquilo que sinto não é coisa boa, também sinto que temos que combater o cinzentismo, a uniformização e equalização de opções e de formas de estar na vida. Há que reagir a tudo isto, sob o perigo de aceitarmos, de ânimo leve, esta depressão para onde nos querem atirar. Tomara que todos pudéssemos controlar as situações, dar-lhes a volta , correr atrás daquilo que parece a utopia. Não podendo ser assim, podemos colaborar minimamente para que as coisas vão em boa direção. Temos muito para dar. Tenho admirado muito a atitude positiva e a perseverança dos músicos portugueses em continuarem a produzir, apesar das limitações e estrangulamentos cada vez maiores, em relação aos recursos para levarmos a cabo os nossos projetos.
Vê mais gente à sua volta com esse espírito positivo, ou as pessoas estão mais desanimadas agora?
Não podemos deixar que esse estado de espírito se instale mas, com o estado deplorável em que as coisas estão, em Portugal, temos que esgravatar e insistir mais neste ponto. Até porque há uma tendência muito grande em exacerbar ainda mais o pessimismo lusitano.
Porquê a escolha de um tema do Fausto para este disco – ‘Porque me Olhas Assim’?
É um tema de que gosto muito e do qual ando atrás há muitos anos. Temos uma ótima relação há muitos anos, desde 1977 – o Fausto produziu o segundo disco de Trovante. Há muito tempo que queria cantar este tema, que já conheceu várias versões por outros intérpretes, como a Cristina Branco ou o Camané. Fui atrás, não só da canção, mas muito mais de um Fausto que é comum aos dois, de uma estética que nos é comum. É muito engraçado porque sinto que, este arranjo, que está longe de todos os outros que foram feitos até agora, acaba por se aproximar muito mais do universo sonoro do Fausto.
O seu álbum anterior é de 2008. O que fez durante estes cinco anos de intervalo?
Esses cinco anos não aconteceram por acaso. Há um tempo natural entre o momento em que o disco anterior já foi completamente processado e aquele em que se começa a sentir a inquietação de compor coisas novas. Mas, nestes últimos anos, houve três trabalhos que me preencheram musicalmente: a edição e produção do disco e DVD gravado ao vivo no Campo Pequeno; o disco que fiz a meias com o João Gil e a participação na ‘Missa Brevis’, do João Gil. Só há um ano e pouco é que tive o tempo e espaço emocional para começar a trabalhar neste disco. Há uma enorme aprendizagem, quando se trabalha em outros projetos que não os nossos. Podemos desenvolver alguma distância em relação ao nosso próprio trabalho, para depois voltarmos a recuperá-lo, mas já com outra bagagem e outras referências.