As coisas pequenas são muito complicadas. O diabo está nas pequeninas coisas – mas os deuses também. Sendo certo que os aspectos grandes e abrangentes dão o pontapé de saída para que haja um início, um clique, para um projecto começar ou para que as pessoas se juntem, os detalhes insignificantes é que compõem a malha, a parede, os pontos, o tecido dessa ligação – ou o fim dela. Os pormenores determinam se a trama é resistente. Os diamantes podem ser a peça mais pequena de uma jóia, mas deles depende boa parte do seu valor. O número de fios num pano de algodão dita a sua qualidade. As térmitas, minúsculas, minam a madeira aos bocadinhos,e se não houver cautela, podem arruinar mobílias e estruturas. Um pequeno buraco de traça basta para perder um vestido precioso.
O tamanho e localização de uma casa são decisivos para que nos interessemos por ela, mas as especificidades – a vista de uma sala, os armários, o jardim, a atmosfera de um quarto – é que nos fazem pensar “quero mesmo viver aqui”. E se nos desapaixonamos da casa, é geralmente por um conjunto de pequenos incómodos que nos leva a tomar a difícil decisão de passar pelas maçadas de uma mudança: o aquecimento que avaria por mais que se faça, a falta de espaço, o fantasma no andar de cima (já ouvi casos desses!) uma divisão que teima em ganhar humidade, aborrecimentos com a canalização, vizinhança chata que vai acabando com a paciência até que tudo o que nos encantava naquele sítio já não compensa os aborrecimentos com que é preciso lidar.
Do mesmo modo, as primeiras impressões de uma pessoa (o aspecto, o perfil, o todo) permitem-nos considerá-la como potencialmente importante na nossa vida, dar-lhe uma hipótese, querer saber mais sobre ela, olhar outra vez; mas precisa-se do detalhe, das minúsculas coisas que tornam alguém único (a inflexão da voz, o olhar, o riso, os instantes partilhados, as piadas privadas, certos traços do rosto, a forma de andar, as frases, o toque) para escolher ficar e entregar-lhe as chaves da nossa existência.
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