“A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio.”
Fernando Pessoa
“De poetas e de loucos, todos temos um pouco.” A comprovar esse dito popular, parece estar decidido (e com sucesso) o chef Alexandre Alexandre Silva. Poeta na sensibilidade com que se arroja na cozinha e louco na criatividade com que apresenta soluções inauditas, no seu caso esta é uma combinação que resulta numa viagem sensorial de duas horas e meia num espaço… de loucos!
Catorze ou dezoito pratos, organizados em dois menus de degustação à escolha, sendo que não fazemos a mínima ideia ao que vamos quando lá entramos (esqueça, o menu está online mas não diz mais nada além disto) parece algo digamos… pouco sensato? Pois que “louvada sensatez” irá provavelmente pensar no final, não da refeição (esqueça por agora esse conceito), mas da experiência que lhe é proposta, em que não só o paladar, mas igualmente o olhar, o olfacto, a audição e o tacto são notificados a participar. Dizemos ‘presente!’ e entregamo-nos à aventura de corpo e alma, porque esta é a única forma de gozar a 100 por cento (ou a 360 graus como está na moda dizer) este plano pessoal do chef Alexandre Silva, um conceito de fine dining que tem como cenário um espaço elegante, sofisticado e original, a começar pela cozinha que é maior do que a zona de refeições e exposta sem pudor aos olhos de quem lá come, separada destes apenas por um balcão, ou seja, fazendo-nos sentir espectadores de um bailado clássico, em que tudo flui sem ruído nem desacordo.
Alexandre Silva, o mentor deste espaço e cometimento, não é um desconhecido, antes pelo contrário: no leme da cozinha do restaurante Bocca entre 2007 e 2012, foi vencedor da edição de Top Chef, da RTP1, em 2012. Segue para o Alentejo, onde inaugura o Alentejo Marmóris Hotel&Spa como chef executivo, lugar onde reside depois no restaurante Bica do Sapato, sendo que, a seguir, lança o seu primeiro negócio, o espaço Alexandre Silva no Mercado, no Mercado da Ribeira. Todo este itinerário permite-lhe dar azo à sua vontade de ensaiar, criar, labutar e dar espaço à imaginação, a que se alia o indispensável domínio técnico. O produto final pode ser apreciado no Loco, o seu mais recente projecto e o mais pessoal.
Que mais nos chama a atenção num espaço decorado ao detalhe? Bem… o que dizer de uma oliveira suspensa à entrada? Elemento primário da vegetação e da agricultura mediterrânea, é também símbolo de força e de vida, o que diz logo muito sobre o espírito que comanda este restaurante. A garrafeira, em losangos de ferro, faz questão de nos saudar à entrada, enquanto que, lá ao fundo, ergue-se uma parede de azulejos igualmente em losangos, a recriar o efeito da Casa dos Bicos, em Lisboa – os azulejos incorporam o projecto The Wall Project by MAVC, da arquitecta e artística plástica Maria Ana Vasco Costa e foram produzidos pelo Estúdio Caldas da Rainha em parceria com a Olaria João Coelho. As mesas, com tampos de madeira maciça, estão seguras em pés de madeira de oliveira, feitos pelo pai de Alexandre Silva.
O espaço é minimal qb e permite-nos estar à vontade sem deixar de permanecer ligeiramente vigilantes, o que é bom, quando se pretendem os sentidos despertos. Afinal, o que vamos encontrar? Um serviço rígido e protocolar? Não, nada disso, antes uma equipa que sabe receber-nos em sua casa e informar (ou não, consoante o cliente que tem pela frente) sobre o que vamos experimentando. E depois, nada de pratos. Se vai ao Loco comer, esqueça. Vai experimentar. Viajar. A refeição divide-se em quatro andamentos e cada prato é um momento, seja um snack, pratos principais, sobremesas ou petits-fours. O traço da nossa gastronomia nunca se perde, é antes como um pano de fundo, constante e subtil, em sabores como o grão, o presunto ou o bacalhau, mas reinventados, misturados, redimidos ou exaltados, sempre com recurso a produtos da época, orgânicos e frescos.
Destaque? Vários, mas é impossível não falar daquele que o chef baptizou como o momento do pão, esse elemento tão nosso, confeccionado nos fornos do próprio Loco, servido com azeite, quatro tipo de manteigas e (surpresa) com o tradicional molho do bife. Mais momentos surpreendente? De uma panóplia deles, e porque não vamos revelar tudo, destaque para o carasaue, um pão fino e crocante da Sardenha, que surge de repente suspenso sobre a nossa mesa, preso por fios, e o final, com o café, em que são servidas as mignardises que nos aparecem numa belíssima e enigmática mesa de costura, tão gira que só a queremos levar para casa.
A carta de vinhos apresenta vinhos exclusivamente portugueses, a maior parte dos quais praticamente desconhecidos do grande público, com cerca de 120 referências, onde também há lugar para o LOCO, um vinho com assinatura da casa. A carta não é estanque, antes dinâmica como a ementa que também se altera de acordo com a sazonalidade dos produtos ou a acção criativa do chef e da sua equipa.
As cervejas artesanais são responsabilidade da própria equipa e o café só podia não ser um café qualquer – é que o Loco tem o seu próprio blend, resultado da mistura de grãos oriundos da Etiópia, Ruanda e Brasil, em parceria com a casa de Café Bettina& NiccolòCorallo. E já ouviu falar de slow coffee? Pois bem, o Loco recupera a antiga técnica do café em balão, um ritual esteticamente apelativo, que demora o seu tempo, mas que mais parece um momento de teatro. Quando os olhos bebem, o café fica ainda mais saboroso, acredite.
Chega ao fim o jantar, mas não a memória. Olfactiva, gustativa, visual, toda ela faz com que aquela oliveira se torne o símbolo de um jantar que não será nunca um jantar qualquer. Afinal, onde há o sonho de um homem com a loucura para acreditar e experimentar sem medo, há sempre uma experiência viva.
Obrigada, chef!
MENUS
‘Menu
Descobrir’ 14 Momentos (4 snacks, 6 pratos, 2 sobremesas)
65€/70€
‘Menu LOCO’
A partir de 18 Momentos
80€/ 85
RESERVAS&CONTACTOS
Reservas
T.: 213 951 861
Email: reservas@loco.pt
Morada
Rua dos Navegantes nº53–‐B 1250–‐731, Lisboa
Horário
De terça a domingo,
Das 19h00 Às 23h00
reserva obrigatória