São popularmente conhecidas como ‘barrigas de aluguer’, mas a expressão nem é correcta face à Lei nacional, uma vez que não pode haver transação comercial e dinheiro envolvido numa situação semelhante. Mas o diploma que viabiliza a gestação de substituição foi ontem, dia 20, aprovado pelo Parlamento, com os votos a favor do BE, PS (que teve 2 votos contra), PAN e PEV e ainda 20 votos favoráveis do PSD. CDS e PCP votaram contra. A restante bancada social democrata dividiu-se entre uma maioria de votos contra e 8 abstenções, como noticia o Expresso.
Marcelo Rebelo de Sousa tinha vetado o documento em junho, apontando alguns vazios legais para os quais o parecer do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida tinha chamado à atenção. O BE introduziu, então, alterações que detalhassem mais o contrato entre a gestante e o casal beneficário – passa a ficar escrito, por exemplo, a quem cabe a decisão de abortar em caso de malformação do feto ou de risco de vida para a gestante.
Durante o debate, como refere ainda o Expresso, representantes do CDS e PCP justificaram o seu voto contra por acharem que, mesmo depois das alterações, algumas questões ainda levantavam dúvidas éticas e não estão devidamente enquadradas do ponto de vista legal.
Um dos primeiros pareceres favoráveis a esta lei foi apresentado, no início do ano, pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, desde que fossem observadas algumas condições essenciais:
# A mulher infértil pode ter ovários e não ter útero, ou não ter os dois órgãos mas tem que existir um diagnóstico clínico claro da impossibilidade de levar uma gravidez em frente.
# A mãe de substituição renuncia legalmente aos direitos e poderes próprios da maternidade. Já tem que ter pelo menos um filho
biológico seu.
# A maternidade de substituição não pode ser um negócio pago, evitando as ‘barrigas de aluguer’.
Para a edição de maio da ACTIVA, onde publicámos um artigo sobre a nova lei da procriação medicamente assistida e a gestação de substituição, falámos com Joana Freire, representante da Associação Portuguesa de Fertilidade, organismo que se bate há muito tempo para esta lei veja a luz do dia. “É um passo que precisa de ser dado a nível de evolução social. O projeto da gestação de substituição já existe há anos; tem estado na gaveta mas o ano passado conseguimos mexer-nos para o projeto ser votado. Parece-nos que esta proposta que o Bloco de Esquerda apresenta é muito bem consolidada.”
Como explica Joana, a lei da gestação de substituição beneficia “mulheres sem útero mas com ovários funcionais – por isso o material genético é todo do casal – e outras que não têm útero nem ovários e que, por isso, têm de recorrer a material genético de uma dadora. No meu caso, por exemplo, se for legalizada e eu alguma vez recorrer à gestação de substituição, uma das hipóteses é ser a minha irmã a gestante. Quando descobri que não podia ter filhos, falaram-me da hipótese de ser a minha mãe a gerar a criança, mas isso tornou-se impossível porque ela retirou o útero posteriormente.”
A aprovação da lei termina com “situações desagradáveis, em que os casais têm que ir para o estrangeiro como criminosos”, revela ainda. “Isto é um negócio lá fora e existem muitas burocracias para trazer as crianças.” Nos EUA, a maternidade de substituição é legal em alguns estados, e paga. “Os valores são altíssimos e não é qualquer casal que o consegue. A Índia já foi um destino de maternidade de substituição bastante pretendido, mas o controlo tem ficado cada vez mais apertado. O fenómeno tem vindo a crescer nos países de leste da Europa. No Reino Unido também é legal, mas apenas para residentes. Há muitos riscos envolvidos. As pessoas podem até ser presas porque cá é ilegal. Muitas vezes, a forma de contornar passa por o pai registar a criança e, mesmo que os óvulos sejam seus, a mãe tem que adotar os próprios filhos.”