Desconfio que a paisagem do Douro terá um efeito calmante num casal que, como tantos outros, reclamam umas horas de sossego, longe das manhãs loucas e fins de tarde à pressa. Tenho a certeza disso quando lá chego. Depois de mais de 400km, os últimos 16 de curvas e contracurvas que, a cada precipício, nos recordam do amor que temos à vida (e aos nossos lindos filhos!). Ainda deslumbrada com a beleza da estação ferroviária do Pinhão, encontro fascínio maior na paisagem que nos espera na Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, uma propriedade dedicada à viticultura e enoturismo em Covas do Douro, concelho de Sabrosa, com de 120 hectares e mais de 250 anos. É naquele Douro escoltado por pelotões de vinha perfeitamente alinhados que decido afogar temporariamente qualquer dilema que tenha teimado em viajar comigo.
São duas horas da tarde e a esplanada do restaurante Conceitus, da responsabilidade do chef duriense José Pinto (já lá vamos…) está cheia. Por uns momentos, receio que tenha levado a minha necessidade de alheação demasiado longe, parece que, à minha volta, ninguém fala a minha língua. Mas Maria Cardoso logo confirma que é a realidade, aqui mais de 90% dos hóspedes são estrangeiros, muitos brasileiros, americanos e nórdicos – e saem dois austríacos de regresso ao Porto, num helicóptero que levanta voo do heliporto, ali mais abaixo, onde também podemos encontrar um ancoradouro e apeadeiro. A responsável pela área de turismo leva-nos numa viagem pela história da Quinta, que em 1999 passou das mãos da família Burmester para o portfolio do grupo Amorim. O pequeno hotel rural de 11 quartos, a Luxury Winery House, abriu portas em 2005 e, por sua vez, é na sua história que vai desaguar uma Maria Cardoso recém licenciada em turismo e que, pode (e deve) agora colher parte dos louros. E que colheita! A Quinta Nova foi pela segunda vez consecutiva, eleita Luxury Country Retreat of The Year, pelo guia de luxo inglês Luxury Travel Guide, para a sua edição de 2017, cuja distribuição atingirá mais de meio milhão de pessoas em todo o mundo.
A Vila-realense Maria Cardoso é assim uma das mulheres fortes da Quinta Nova mas cujo ‘poder’ não transparece no seu discurso ou maneira de estar. A informalidade cuidada não é por acaso e é transversal a todas as pessoas com quem contactamos na propriedade. O exemplo, parece, vem de cima, de Luísa Amorim, filha mais nova de Américo Amorim e diretora da Quinta Nova. A sua gestão de proximidade e liderança pelo exemplo está bem enraizado no terroir deste projeto. “No início todas fazíamos tudo”, recorda Maria, que durante os dois primeiros anos fez da Quinta a sua morada principal. Exemplo de uma visão maior de negócio é também a filosofia de parceria que se mantém com outras propriedades vinhateiras, restaurantes e demais serviços, em prol do desenvolvimento da região como um todo. Não estranhe, por isso, se por ali alguém a abrir uma garrafa de uma quinta vizinha (e sem ter de pagar o serviço de rolha!). Tchim tchim.
Não sou uma especialista em vinho, sou uma apreciadora que, no seu amadorismo sem reservas, gosta ou não gosta do que bebe. E julgo que se tem de se gostar alguma coisa para aproveitar minimamente a experiência da Quinta Nova. Para apreciar o cheiro da adega, onde as últimas uvas chegam neste início de outubro, já no fim da vindima. Para dar graças ao copo de tinta amarela (trincadeira, como se diz no Alentejo) ainda em fermentação, que Sónia – outra mulher –, a enóloga residente, nos serve diretamente da barrica de inox. Da receção aos quartos, passando pela sagrada garrafeira patrimonial, o vinho testa a minha fé nos polifenóis e flavonoides, antioxidantes cujos benefícios defendemos na ACTIVA e me sinto na obrigação de comprovar. E é no Conceitus Winery Restaurant, através da ‘oração’ do devoto e simpático Rúben, que me converto de vez à ciência da harmonização de vinhos e descubro o par perfeito para os divinos ‘polvo em trouxa de legumes tradição’ e ‘naco de vitela com manteiga de estragão’ – tão poéticos que até rimam. Até eu não deixo de ir à roda escolher os meus pares (embora não tenha sido A Machadinha, mas sim As Pombinhas da Catrina que foram buscar inspiração à Quinta Nova): a minha escolha recai no Grainha Reserva Branco e Quinta Nova Reserva Tinto 2013.
Não bebo para esquecer, mas de tanta tranquilidade não há memória, como a que me desperta na manhã seguinte, num dos 6 quartos premium (com acesso à casa principal, decorado com mobiliário de época e com vista para o rio e sobre as vinhas). O silêncio é bom mas um completo estranho para uma mãe de duas crianças pequenas. Feitas as (re)apresentações, e já depois do pequeno almoço regional, continuo o meu voto de silêncio pelas vinhas adentro, num dos percursos pedestres disponíveis, de duração variável mas com taxa de esforço constante – excelentes para queimar as calorias extra, cortesia do chef.
A beleza envolvente é tanta que só apetece fotografar e partilhar. E se a paisagem dispensa qualquer tipo de filtro, suplica pelos emojis que hoje tanto recorremos para substituir as palavras. Fico sem tempo – ainda que eu quase que jurava que ali ele parava. Sou obrigada a regressar e recordo-me novamente das Pombinhas: “nós voamos com tal jeito, que não qu’remos já voltar”. E se ainda carrego na consciência algum peso a mais do leite creme morno de lúcia lima da noite anterior, torno a subir com a alma leve e o coração em paz, certa de que um dia voltarei (para um piquenique no pomar ou, quem sabe, para brincar aos enólogos, duas das muitas atividades possíveis na propriedade). Afinal, até ao lavar dos cestos é vindima.