1. Escrever à mão
Achamos que somos muito adultos e evoluídos até que, por qualquer razão, temos de anotar qualquer coisa num papel. Olhamos para aquilo e é a mesma letra de quando tinhamos 6 anos… ou pior. A falta de prática só fez com que quaisquer gatafunhos traçados num papel pareçam vindas de uma criança. Olhamos para aquilo e até nos envergonhamos. Mas afinal, numa altura em que se discute se as crianças devem aprender exclusivamente em computador, não é um panorama que vá mudar.
2. Memorizar números de telefone
Pense lá: perde o telemóvel. Tem de pedir um emprestado a alguém. A quem é que consegue ligar assim do nada, sem ajuda? À sua mãezinha? À sua filha? E a quem mais? Decorar números de telefone já passou à história. Ah, e também não memorizamos andares. Chegamos à rua da pessoa, ligamos e dizemos ‘desce’.
3. Seguir um mapa
Dantes, antes de se fazer uma viagem estudava-se o itinerário. Agora uma pessoa entra no carro e grita ao GPS: “Rua do Totó, nº3!” e ele que se amanhe. Dantes todos os carros tinham um mapa no tablier, a pessoa parava a meio, desdobrava aquela coisa e sublinhava as estradas, e o pendura ia com aquilo tudo aberto a girar as folhas e a tentar fazer sentido do quebra-cabeças. Agora digam lá, quem é que tem um mapa no carro? Dantes uma pessoa enganava-se no caminho, metia a cabeça fora da janela e caçava o primeiro transeunte: ‘O senhor desculpe, a Rua do Totó?’ e levava com aquela litania dos ‘Gatos Fedorentos: ‘vai sempre em frente, num bira, num bira, num bira…” Agora a pessoa engana-se no caminho, diz: “Espera aí que eu vou recentrar isto, ela já está toda destrambelhada” e torna a gritar ao GPS “Rua do Totó, nº3!”
4. Decorar datas de aniversário
Dantes uma pessoa lembrava-se pelo menos dos pais, dos filhos, dos avós, dos tios, dos amigos mais próximos, e com sorte de alguém que fizesse anos num dia mais exótico, como 25 de Dezembro ou 25 de Abril. Agora, o Facebook encarrega-se de nos lembrar até do dia de anos de perfeitos desconhecidos. Quando somos nós, recebemos 18462846 mensagens a desejar parabéns, ficamos comovidíssimos, respondemos com aquela lengalenga do ‘na impossibilidade de agradecer a todos’ etc, e nem nos lembramos que o mérito é do algoritmo. Experimentem desativar a vossa data de aniversário e já vão ver quantas pessoas vos dão os parabéns.
5. Bordar
Ou coser meias, ou, para os (as) mais dotados, fazer uma bainha. Claro que hoje há quem ainda saiba fazer ponto cruz, tricot ou croché, mas já não é uma ‘skill’ universalmente domada por todos (pronto, todas).
6. Escrever uma carta
‘Excelentíssima menina Maria Amélia: não há palavras que descrevam a emoção que vossa excelência me causou ao ter a caridade de responder tão carinhosamente a este vosso criado.” Está bem, ok, mesmo os nossos pais já não escreviam assim, mas ainda não há muito tempo compunhamos cartas de 3 páginas aos nossos amigos durante as férias. Ainda há quem ainda guarde sacos de cartas destas, sem saber bem o que lhes fazer. Hoje se levarem o SMS a dizer ‘já xgeui, bom tpo, bj’ já vão com sorte. Portanto, cartas já nem ao Pai Natal (agora quando muito fazem círculos nos catálogos de brinquedos, e os mais elaborados mandam links). Já agora, escrever um diário também já foi chão que deu uvas. E fazia-nos tão bem.
7. Mudar um pneu
A malta ficava empanada na estrada mas não se atrapalhava: sacava do macaco e aí vai disto. Em vinte minutos qualquer macho (enfim, a maioria das mulheres não sei se já dominava esta arte) digno desse nome tinha um pneu novinho em folha no lugar do estropiado e seguia viagem a limpar as mãos ao volante. Hoje: chama-se o seguro. O reboque. O ACP.
8. Fazer compotas
E sabonetes. Até porque muitas pessoas tinham árvores de fruto, e nessa altura não se desperdiçava nada. Alinhavam-se frascos de vidro com compotas de maçã, de ameixa, de laranja, e durante o ano toda a família se deliciava. Hoje: para quê a trabalheira. Vamos mas é ao hipermercado. Nem durante o Covid nos voltámos para o doce. Nós eramos mais pão.
9. Fazer contas de cabeça
Ora bem, deixa cá ver António, 45 mais 78 mais 94,5 dá quanto? Dantes qualquer mortal sabia fazer contas básicas de cabeça, o que dava jeito em qualquer altura da vida. Hoje o máximo que contamos é em múltiplos de 8 no ginásio. Fazemos cada vez mais cntas à vida, pois fazemos, mas sempre com ajuda.
10. Entreter as crianças
Levava-se os putos ao restaurante, ou naquelas intermináveis viagens de carro, e tinha de se aturar a prole a choramingar ou a perguntar de cinco em cinco segundos ‘ainda falta muito?’ A não ser que se deixasse a coisa escalar para motim doméstico, não havia remédio senão puxar pela imaginação, que era o que estava à mão: o jogo do STOP, o ‘quem adivinha o que estou a ver’, ‘estou a pensar numa coisa começada por A’, contar os carros azuis, fazer uma frase com 3 palavras diferentes, ou simplesmente lembrar-se de levar papel e canetas para os miúdos não se pegarem. Hoje atira-se-lhes o ipad para o colo e já está.
11. Meter conversa
Nem sempre queria dizer ‘engatar alguém num bar’, podia significar apenas a capacidade de estar no mesmo sítio que outro ser humano com cara de boa pessoa e começar uma conversa que muitas vezes levava a boas e duradouras amizades. Hoje se formos com outra pessoa num elevador durante 1 minuto e 10 segundos já ficamos desconfortáveis, quanto mais meter conversa. Herança do Covid?
12. Aborrecer-se
Hoje até há quem ande pela rua de olhos mergulhados no seu smartphone a chocar com o próximo e quem não aguente um semáforo e saque imediatamente do telemóvel… Perdemos a capacidade de observar o mundo à nossa volta, de olhar para as nuvens, de saber o nome das árvores, de descodificar a expressão dos outros, de passar uma tarde de verdadeiro aborrecimento. Stressamos porque temos a vida preenchida com mil e uma atividades, e quando não temos, stressamos porque não sabemos o que fazer. Habituamos as crianças a não terem um minuto desprogramado, a que haja sempre um adulto a dizer-lhes o que fazer, e não lhes ensinamos como o aborrecimento pode ser imensamente produtivo…