Quando chegámos ao Mattë, restaurante lisboeta fundado em plena pandemia por Gustavo Neves, já o chef Habner Gomes nos aguardava atrás do balcão, um homem alto e encorpado mas tão gentil e autêntico no trato como na preparação dos pratos de alta cozinha japonesa – como viríamos a descobrir. A ideia era apresentar-nos o novo conceito de inspiração Kaiseiki (hoje considerada alta gastronomia japonesa mas que tem origens nas tradições simples dos monges budistas): uma barra para um máximo de oito pessoas onde Habner serve 12 momentos gastronómicos (para nós fez um espécie de versão resumida) intercalados com outros tantos bons momentos de conversa. O chef confirma as minhas suspeitas, quando sugiro que ele é uma espécie de confessionário – vêm-me à memória as cenas de filme em que ao balcão de um bar um cliente troca confidências por mais um scotch on the rocks. “Conheço muitas histórias”, confirma o chef.
Pois aqui não há scotch para ninguém e o wine pairing é comedido porque espera-nos uma longa tarde de trabalho. Mas não dispensamos as confidências, neste caso é menos monólogo e mais diálogo. Ficamos a saber que o Habner é natural de Minas Gerais, no Brasil, e que veio para Portugal aos 14 anos. “Nunca mais voltei”, diz sem qualquer vestígio de arrependimento na voz. “Gosto de Portugal”. Quando cá chegou, foi trabalhar com o irmão – que já se dedicava à cozinha japonesa – enquanto não começava a escola. E nunca mais parou. Aprendeu “com os melhores”, nos vários restaurantes por onde passou, e nunca mais parou. Pelo que percebemos é raro parar e ri-se quando falamos em férias. Diz que é fácil perder ‘a mão’ quando se afasta durante muito tempo do restaurante.
Confirmamos, é preciso ter mão. Ali na barra não se perde de vista a mão do chef: o rigor com que corta o peixe impecavelmente preparado e a graciosidade com que molda o arroz dos niguiris – “que devem ser consumidos à mão no tempo máximo de 20 segundos, para manter os 32 graus do arroz e a frescura máxima do peixe.” Os ingredientes portugueses e sazonais são estrela e do Japão chega tudo o que chef não encontra por cá – incluindo o molho de soja premium (que será usada criteriosamente pelo chef e por ele apenas), envelhecido durante 10 anos em barricas de saké. “Daí ser mais escuro e dar uma tonalidade acastanhada ao arroz”, explica o chef. É a relação de confiança de longa data que mantém com os fornecedores que lhe permite ter matéria prima única com impacto decisivo nos pratos que prepara.
O peixe, a maior parte dos Açores mas também do Algarve e de Setúbal, é rei. Na hora de particularizar a coroação é difícil escolher entre todos os que experimentámos. O enchareu com ovas de salmão selvagem e sansho num ussuzukuri (espécie de carpaccio); o salmonete com a pele ligeiramente braseada; o sarrajão num otsukuri (prato de sashimi); o atum (o-torô, chu-torô e akami) numa linda trilogia; o lírio numa incrível tempura – o frito nunca se sobrepõe ao sabor do peixe; o-toro, lírio, enchareu, robalo, pargo, sarrajão, goraz e chu-torô nos famosos niguiris; o goraz grelhado com arroz temperado com uni; e, por fim, caranguejo real num misô branco reconfortante. E, por não ser gulosa, trocava facilmente o Pudim de Gengibre (e é bom!) por mais uma tempura de lírio. Gostos não se discutem.
O que nós experimentámos será necessariamente diferente dos próximos que se sentarem à barra do chef Habner Gomes, no Mattë, tudo vai depender da disponibilidade de ingredientes – a promessa é de máximo reaproveitamento e mínimo desperdício (2%, dizem). Mas há qualquer coisa de muito gratificante em sentarmo-nos ao balcão e sermos surpreendidos pelos caprichos do chef e da natureza. Para previsível e rotineiro já basta o resto…
Os 12 momentos têm um valor de €125 por pessoa com a possibilidade de adicionar o pairing com vinho, champanhe ou saké. Também existe a possibilidade de refeição à carta (o chef garante que o seu Ramen é dos melhores). O Mattë fica na Calçada Marquês de Abrantes, 22, Lisboa. Encerra domingo e segunda-feira.
A experiência retratada neste artigo aconteceu a convite da marca e o texto reflete a opinião pessoal dos autores.
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