
Era aquilo a que se costuma chamar uma candidata improvável: brasileira, 59 anos, absolutamente desconhecida do público americano. Claro que só era improvável porque estamos a falar de público americano. Em Portugal, Fernanda Torres é bastante conhecida e no Brasil, é uma estrela absoluta. Filha de ‘realeza’ artística (os pais, Fernanda Montenegro e Fernando Torres, ambos atores e produtores) Fernanda conta que a mesa de jantar era onde os pais ensaiavam. Não houve como escapar: pisou os palcos ainda adolescente e nunca mais parou.
Depois de anos a fazer comédia em televisão, foi convidada por Walter Salles para um ‘drama familiar’: a adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva, onde conta a história da família, marcada pelo desaparecimento do pai às mãos da ditadura brasileira, e especialmente da mãe, que segurou sozinha uma família de cinco filhos, formou-se como advogada e se reinventou como defensora dos direitos indígenas. Desde a sua estreia no Festival de Veneza, onde teve uma ovação de pé que durou 10 minutos, ‘Ainda estou aqui’ conquistou o mundo.
O filme e a sua protagonista tomaram a América pelos colarinhos e não largaram mais. A primeira surpresa foi o Globo de Ouro. Tão surpresa que nem a própria vencedora levava discurso preparado. A partir daí, foi convidada para tudo o que era talk-show e entrevista. E de perfeita desconhecida passou a namoradinha também da América, que ficou, para usar uma bela palavra portuguesa, embasbacada perante uma criatura que era não só obviamente culta, inteligente, elegante e calorosa como trazia do Brasil um à-vontade irresistível (um mero cruzar de perna tem graça e nos lembra que uma das maiores atrizes dramáticas como ela também tem traquejo intensivo de comédia). Embora Fernanda Torres se tenha esforçado sempre por desviar os holofotes para cima da sua personagem, a extraordinária Eunice Paiva, ficou claro desde o início que a América queria era mais Fernanda.
E as coisas aconteceram com a emoção e a intensidade de uma onda. Depois de uma catadupa de outros prémios e homenagens, a segunda surpresa foi a nomeação para o Óscar de Melhor Atriz. Aliás, há quem diga que as outras duas nomeações – para Melhor Filme e Melhor Filme Internacional – vêm ‘apenas’ dar sustentabilidade e apoio à nomeação de Fernanda (porque muito raramente uma atriz ganha se o filme onde estiver não for também indicado para Melhor Filme).
A nomeação pôs cinéfilos e espetadores a discutir as ‘chances’ de Fernanda e a ‘onda’ aumenta a cada dia que passa. Revistas e jornais como como o ‘Washington Post’ dizem que Fernanda pode muito bem ser a vencedora, mas há quem ache que Demi Moore, nomeada por ‘The Substance’, tem mais hipóteses. Ponto 1, é americana, ponto 2, todos a conhecem, ponto 3, está há muito tempo à espera deste dia.
Além disto, Fernanda Torres não foi nomeada para prémios que costumam ser vistos como ‘precursores’ do Oscar, como os SAG (Screen Actors Guild) ou os Bafta.
A favor de Fernanda estão alguns outros pontos como: a Academia não é muito dada a filmes de terror como ‘The Substance’, pode aproveitar agora para repor justiça materna face a uma das piores oscarizadas de sempre (Gwyneth Paltrow em vez de Fernanda Montenegro, há 26 anos), e, claro, Fernanda Torres é mesmo a melhor de todas. Quanto à justiça, não é coisa que tenha alguma vez preocupado a Academia, mas esperamos para ver.
E mais do que tudo isto, a própria Fernanda Torres tem levado o filme aos ombros e conquistado os americanos com a sua simpatia e afabilidade. Quando Ariana Grande pediu para a conhecer no Festival de Veneza de Santa Bárbara, Fernanda não só avançou de braços abertos como fez o ‘toss toss’ (movimento de cabeça que Ariana criou para a sua personagem em ‘Glinda’) o que foi visto como um cumprimento à atriz mais nova e lhe valeu o respeito de todos. “Quase morri de emoção!” afirmou Ariana. Escusado será dizer que o encontro viralizou em todas as redes sociais.
E a ‘onda Fernanda’ avança. Depois do Festival de Santa Barbara foi entrevistada para a Interview pela atriz Jessica Chastain – que se desfez em elogios – e pela Vogue Americana. Ganhou ainda os Gold Derby Awards, onde ‘Ainda estou aqui’ recebeu também os prémios de Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro. O filme está em exibição em 700 salas de cinema nos Estados Unidos, o que tem levado muito mais pessoas a saber do que se fala quando se fala em Fernanda Torres.
Outro ponto a favor da atriz brasileira é a autêntica campanha que os fãs brasileiros estão a fazer em seu favor. Importa dizer que a votação para os Óscares já começou e tudo isto pode influenciar o júri. A votação para os Óscares é feita pelos membros da Academy of Motion Picture Arts and Sciences. Embora as nomeações sejam feitas pelos elementos de cada ‘ramo’ (os atores escolhem os atores, os realizadores os realizadores, etc) quando se trata de escolher os vencedores todos podem votar. Mas não é obrigatório.
A Academia tem à volta de 10 mil e quinhentos membros, entre os quais 50 brasileiros (e nestes conta-se a própria mãe de Fernanda Torres, Fernanda Montenegro). Pode parecer pouco, mas os brasileiros em geral têm invadido as redes sociais da Academia apoiando a sua estrela. E neste momento todo o apoio é crucial, já que as votações (todas online) já começaram e terminam já no dia 18. Mas só a 3 de Março ficaremos a saber se o Brasil conquistou mesmo os Estados Unidos.
Em Portugal, quer Fernanda receba ou não o Óscar, as sucessivas salas de cinema esgotadas mostram que ela também já ganhou o nosso coração.