CLAY é o novo projeto da Cultural Affairs – responsável pelo Vhils Studio, Underdogs Gallery, Iminente e Ephemeral Ethernal – que cruza a tradicional azulejaria portuguesa com a criatividade da arte urbana. Falámos com Pauline Foessel, Head of Curatorial da CLAY, sobre esta nova iniciativa.

Como surgiu a ideia deste novo projeto?
A ideia da CLAY surgiu de forma bastante orgânica a partir da nossa experiência em arte pública. Sempre procurámos criar projetos que permitam às obras viver para além das paredes das instituições — obras que permanecem na rua, que fazem parte do quotidiano e que deixam uma marca na paisagem. O azulejo pareceu-nos uma extensão natural dessa abordagem: duradouro, poético e profundamente enraizado na cultura visual portuguesa. Ao mesmo tempo, muitos dos artistas com quem trabalhamos têm vontade de explorar novos formatos e meios. A CLAY oferece essa oportunidade, ao criar uma ponte entre arte contemporânea, design e tradição.
A ideia é dar uma vida nova à arte do azulejo como forma de reavivar uma tradição tão portuguesa?
Sim, mas não só. Não pretendemos replicar ou preservar a tradição de forma nostálgica. Queremos ativá-la. A CLAY consiste em envolver a tradição cerâmica como um material vivo, em constante evolução, e convidar artistas contemporâneos a reinterpretá-la através da sua linguagem visual. É uma forma de homenagear o passado, projetando-o no presente e no futuro — tanto do ponto de vista estético como funcional.
Mas também se trata de abrir novos caminhos para os artistas. Acreditamos que os artistas visuais podem e devem atuar para além do circuito tradicional de arte. Trabalhar com azulejos permite-lhes expandir a sua prática para o design, a arquitetura e o espaço doméstico. A CLAY oferece um novo modelo de receita, mais sustentável, que permite criar peças duradouras e tangíveis, que se tornam parte da vida e dos espaços das pessoas.
Tradição e inovação — é isso que caracteriza a CLAY?
Sem dúvida. Essa tensão está no centro do projeto. A CLAY é o ponto de encontro entre tradição e visão contemporânea. Trabalhamos com várias técnicas: algumas mais industriais, utilizadas na criação de padrões e edições; outras mais próximas do saber tradicional, aplicadas em obras por encomenda e executadas por profissionais com gerações de experiência. Ao mesmo tempo, colaboramos com artistas que trazem novas ideias, ferramentas digitais e referências culturais diversas. Isso gera um diálogo poderoso — não apenas entre passado e presente, mas também entre disciplinas, materiais e formas de pensar e criar.
Qual o principal desafio em trabalhar com o azulejo?
Um dos grandes desafios é traduzir o universo do artista — muitas vezes complexo, em camadas ou em grande escala — para um formato modular e repetível. É uma nova limitação que exige experimentação. Há também um desafio técnico: as cores comportam-se de forma diferente na cerâmica, e trabalhar com vidrados, texturas e relevos é um processo completamente distinto de pintar numa tela ou criar digitalmente. Mas é isso que torna tudo tão estimulante. Obriga os artistas a sair da sua zona de conforto e leva a resultados inesperados.
JonOne AkaCorleone Kruella d’Enfer
Qual o critério na escolha dos artistas? Até agora quais os que colaboraram?
Começámos com artistas que já conhecemos bem, com quem já colaborámos e que confiam em nós para aceitar este novo desafio. Mas cada um teve de desenvolver algo que nunca tinha feito antes. Não queríamos que simplesmente transpusessem o seu trabalho para o azulejo. Convidámo-los a criar composições ou padrões originais, enraizados na sua prática, mas pensados especificamente para o meio cerâmico.
A primeira coleção inclui artistas como o Vhils, cuja relação com a matéria e a superfície é essencial, e outros como JonOne, AkaCorleone ou Kruella d’Enfer, que trazem sensibilidades completamente diferentes. O que os une é a vontade de explorar, de se adaptar e de desafiar os seus próprios limites.
Daqui para a frente, vamos convidar artistas a responder a temas abertos — como geometria, natureza ou comida, por exemplo — para incentivar interpretações diversas e expandir o leque de colaborações.
Quais as principais plataformas/suportes/formatos a usar na divulgação deste projeto?
Apresentamos o projeto tanto online como em formato físico. Na semana passada, realizámos uma apresentação intimista para 50 convidados no estúdio do Vhils, onde demos a conhecer a nova linha e a visão por detrás da CLAY. Foi uma forma de partilhar o projeto diretamente com a nossa comunidade e recolher reações iniciais.
Estamos também focados na divulgação através do nosso website e redes sociais, com especial destaque para a documentação do processo criativo. Uma série de vídeos mostra as técnicas envolvidas e as perspetivas dos artistas.
Esta divulgação será apoiada por:
• Um website dedicado, onde colecionadores, designers e o público em geral poderão explorar os azulejos e conhecer as histórias de cada artista
• Apresentações físicas em galerias, espaços de design e contextos culturais
• Parcerias arquitetónicas para fachadas, interiores e encomendas site-specific
• Conteúdos editoriais que cruzam arte, design e tradição, atingindo públicos nas áreas da arte, arquitetura e design
Como pode o público em geral ter acesso ao projeto?
O público poderá aceder à CLAY principalmente através do website, que funcionará como catálogo e plataforma de storytelling. Pretendemos também apresentar os azulejos em espaços físicos, através de showcases e integrações arquitetónicas. Caso alguém pretenda adquirir um azulejo como peça de arte ou encomendar uma parede inteira, a ideia é tornar estas peças acessíveis, mantendo a sua singularidade — e mostrar como a arte contemporânea pode habitar os espaços do quotidiano.
Vídeos: Fred Fabrik