O que é preciso para nos animar naquela altura do ano em que só nos apetece esquecer que o mundo existe? Pois: uma boa saga familiar, de peferência histórica. Este já não é o primeiro livro acerca dos Melzer: o primeiro foi o ‘bestseller’ ‘A vila dos tecidos’, que se tornou precisamente um bestseller mundial devido a vários fatores-chave que fazem um bom livro-para-fugir-ao-mundo – personagens interessantes, um terrível segredo, e, sobretudo, uma escrita capaz de prender um leitor durante mais de 500 páginas, o que nos tempos que correm é obra.
Bem: no primeiro livro (e preparem-se porque ainda há mais alguns a seguir a este) conhecemos Marie, uma orfã que no princípio do século XX vai trabalhar para a mansão de uma família que tem uma fábrica de tecidos. Marie, como todas as heroínas, tem um passado triste que ela própria desconhece, e acaba por se relacionar tanto com os criados da casa como com a família, feita de pais, duas irmãs e um irmão, que se tornam a pouco e pouco a família de Marie.
Agora já estão vocês a dizer: mas isto é igual ao ‘Downton Abbey’. Parece, mas é muito diferente. De facto o tema é o mesmo, e muita gente ainda há-de pegar nele: a relação entre o upstairs-downstairs que já fez correr muita tinta (e muita série). Mas a saga da ‘Vila dos tecidos’ dá-nos um conjunto de relações entre as personagens e uma complexidade interior que as séries não dão. Marie funciona com o elo entre o andar de cima e o andar de baixo, mas também descodifica e encena vários tipos de relação: de amizade, de dependência, de amor.
E claro que, como em todas as boas sagas, também não pode faltar um segredo. Há um segredo, sim senhores. Quanto ao dito segredo, as opiniões de quem já leu dividem-se: há quem diga que é muito previsível, há quem diga que achava que era outra coisa. Mas não vamos aqui dar spoilers.
Bem, chegamos então ao segundo volume, ‘As filhas da vila dos tecidos’. Marie continua o foco da história mas desta vez encontramos a família mergulhada nos dramas da Primeira Guerra. A mansão dos Melzer transforma-se num hospital militar e as filhas da casa, ajudadas pelos criados, tornam-se enfermeiras. Mas a guerra não é apenas vista de fora: vai chegar dramaticamente à vida da família e trazer sofrimento (e alguém que aparece determinado a conquistar Marie).
Num tempo em que a condição feminina começava a mudar, este é também uma saga que espelha essas mudanças, principalmente no segundo volume em que a guerra faz explodir muitas convenções. Mas os dois volumes, juntos ou separados, são acima de tudo uma boa leitura para um inverno que se adivinha difícil.
E a história não acaba aqui.
‘As filhas da vila dos tecidos’ – Anne Jacobs, Planeta, E19,90