O mais irritante nos livros para miúdos são duas coisas: ou têm uma ‘agenda’ ou são daqueles líricos sobre estrelas do mar e arco-íris e assim. Os primeiros querem sempre resolver um problema e vêm todos cheios de boas intenções. Ou são sobre a separação dos pais ou o medo do escuro ou não quererem tomar banho ou embirrarem com a sopa. Os segundos acham que uma ciança só porque é criança há-de ser kitsch.
E agora vocês estão a pensar que vos vou dizer: estes livros não são nada assim.
Enganam-se. São. Mas também são a prova de que se pode ser prático ou lírico e saber-se o que se faz.
Comecemos pelos práticos, que querem reolver algum problema da vida dos putos.
O problema da chegada de um irmão – Precisamente para não se tornar um problema, em ‘Tudo aconteceu antes de chegares’ uma criança conta ao irmão (que ainda está na barriga da mãe) tudo sobre o que o espera, para não ser apanhado desprevenido. Os desenhos são muitíssimo divertidos para um adulto: não sei se para uma criança funcionam, mas depois vocês me dirão. O livro também pode ser lido com crianças que não estejam à espera de um irmão (mas esperem pela pergunta no fim: porque é que eu também não…) e consegue esse feito raríssimo num livro para crianças que é um texto absolutamente adequado a idades mais pequenas (e não moralistóide). Ah, e ganhou o Prémio de Melhor Livro na Feira Internacional de Bolonha.
Segundo problema: como aturar pessoas francamente insuportáveis, em ‘O livro das pessoas mazinhas’. A autora foi Prémio Nobel, mas isso não a impediu de escrever para crianças. De qualquer maneira, é um assunto que diz muito a todos os seres humanos não mauzinhos, sejam crianças ou adultos. Afinal, quem não tem uma ‘pessoa mazinha’ na sua vida?
Parecendo que não, é um assunto tabu porque os adultos teimam em tentar convencer as crianças que o mundo é cor de rosa e os adultos são uns santos, e aqui se assume que, pronto, não são, o que deve ser um alívio para os pobre miúdos, muitos dos quais sem dúvida que se deviam sentir sozinhos com os insuportáveis do mundo à perna. Além disso, os coelhinhos de Pascal Lemaitre são do mais fofo que há.
Ok, vamos aos líricos. ‘Vê o lado bom’ pode ser um complemento às pessoas mazinhas porque nos ensina a, enfim, pensar noutra coisa. Com a ajuda de uns ‘óculos mágicos’, podemos afinal descobrir que nada é assm tão mauzinho. Enfim, perdoa-se o lado de influencer pelos desenhos, que valem pelo livro todo.
‘Roda-viva: a menina e o círculo’, de Sandro William Junqueir, teve origem no espetáculo do mesmo nome que estreou no Teatro da Malaposta e ainda vai estar em cena (no Teatro Luis de Camões, em Lisboa, de 6 a 7 de dezembro) que combina circo, dança, desenho e música. Quando li ‘Carolina é uma colecionadora de sonhos’ temi o pior, porque isto para uma criança não significa nada. Mas o livro tem uma poesia surrealista a que é difícil ficar insensível. Se é para as Carolinas pequenas, assim em formato de livro e poesia, não sei. Mais uma vez, vocês me contarão a vossa experiência. Mas para os pais da Carolina, este poema ilustrado é um doce de natal.
O livro das pessoas mazinhas Toni Morrison e Pascal Lemaitre – Nuvem de Letras, E16,95
Tudo aconteceu antes de chegares Yael Frankel – Cultura, E13,30
Vê o lado bom Clare Helen Welsh e Ana Sanfelippo – Ed. Lilliput, E14,95
Roda-viva: a menina e o círculo Sandro William Junqueira e Rachel Caiano – Caminho, E11,90