Talvez vocês não conheçam o nome de Djamila Ribeiro. Brasileira, formada em filosofia política e escritora premiadíssima, é ainda coordenadora do projeto Feminismos Plurais, que reune livros sobre raça e género escritos por pessoas negras. Mas o peso do seu curriculum não se reflete na sua escrita, ou seja, não temos aqui um manual pesadão sobre feminismo mas um livro de ‘memórias’ ou, à boa tradição anglo-saxónica, uma partilha de experiências de vida.
Em forma de cartas a sua saudosa avó Antônia, que representa o foco e o carinho da infância, o livro revisita a vida de Djamila, partindo da infância e adolescência, mostrando como era crescer numa sociedade racista e como era ser uma mulher negra nas relações, na maternidade, na academia, no trabalho.
Como era ser uma menina preta (palavra sua, atenção) num bairro maioritariamente branco, do racismo e da violência sentidas quotidianamente enquanto crescia. “Preparar para a vida, quando se trata de uma criança negra, é ser brutalizada o suficiente para aprender a lidar com o mundo.”
Na adolescência, não havia referências negras para uma adolescente não-branca. “As revistas adolescentes da época pareciam confirmam que eu era feia. As musas teen que estampavam as capas eram todas brancas. Nas entrevistas, eles eram sempre perguntados sobre como era a ‘garota ideal’, se loira ou morena. A alternativa ‘negra’ nunca aparecia, o que parecia gritar na nossa cara que eramos feias”.
Apesar de tudo, Djaimila reforça o poder da família ao proteger as suas crianças e especialmente as meninas. “Eu sabia que podia vislumbrar um futuro que não incluísse um parceiro. Eu sabia que podia gritar com um namorado possessivo e nunca mais vê-lo. Meu pai queria para mim e para a minha irmã homens melhores do que ele fora.”
Encontrar companheiro, ter uma filha e recuperar com ela muitas das tradições regras, sentir a solidão da maternidade, voltar a estudar, recuperar os sonhos de criança, todos esses desafios aparecem no livro.
Este é um livro importantísismo para todas as mulheres negras, que aqui encontram espelhadas tantas das suas lutas. E perguntam vocês, o livro também é interessante para quem não é uma mulher negra no Brasil? Claro que é. Primeiro, porque neste mundo global, a luta de uma deve ser a luta de todas. Depois, porque lá no fundo leitor não tem género nem cor. A alma que lê não é branca nem preta, e as angústias de Djamila sentimos todas, em Portugal como no Brasil, mulheres como homens, pessoas brancas e pessoas negras. Portanto, leiam esta jóia antes que desapareça do radar, e guardem-na para os vossos filhos.