Este livro nasceu de uma experiência que já todas nós tivemos: pensar em alguém através de um objeto que lhe pertenceu. A autora visitou a casa da escritora Karen Blixen (autora do famoso ‘África Minha’ ou ‘A festa de Babette’) e aquilo que mais a fascinou não foi a vida da autora, os seus quadros e a sua secretária, mas as panelas de cobre na cozinha. “Tentei imaginar o modo como aquela mulher pequena e magra as teria manuseado, como se tinha sentido, em que teria pensado.”
Os nossos objeto dizem muito sobre nós e encerram muito da nossa história, mas nunca pensamos nisso. Que a história das mulheres pode ser contada através de coisas como um bidé, um soutien, um batom, também nos parece lógico, mas aqui nos contam tudo sobre artefactos, digamos assim, mais originais, e tão estranhos como um fémur pré-histórico, um dildo de vidro do século XVI ou um anel de uma socialite (e vocês alguma vez ouviram falar em esmagadores de polegares? Eu nunca).
É um livro muitíssimo interessante e através do qual aprendemos imenso, precisamente porque parte do dia a dia para a História, do particular para o geral, daquilo que se passa na casa de cada uma para a influência na vida de todas, da forma como viviam as nossas antepassadas à forma como vivem as nossas filhas. É uma viagem do concreto – um objeto – ao abstrato – a ideia que o mundo tem daquilo que é ser-se mulher.
Por isso os objetos funcionam como uma espécie de portais, ou seja, através deles podemos aceder a um mundo paralelo: neste caso o passado. Toda a gente se lembra da famosa frase do livro ‘O Mensageiro’, de L.P. Hartley, “O passado é uma país estrangeiro. Lá fazem tudo de forma diferente”.
E é verdade. Mas o passado também tem muito a ver com o presente, e podemos facilmente identificar-nos com as vidas destas mulheres, contadas através dos seus objetos, tal como Annabelle Hirsch pensou em Karen Blixen como pessoa, e não como autora famosa, quando olhou para as suas panelas.
E assim partimos numa viagem imaginativa, ao mesmo tempo didática e pessoal. A viagem começa num fémur sarado da Pré-história (considerado o primeiro vestígio da civilização humana porque prova que já cuidávamos dos mais fracos, o que nos define enquanto espécie) e termina numa trança de cabelo (sendo que ao longo da História o cabelo feminino foi, e continua a ser, um campo de batalha intenso). Pelo meio ficam as tapeçarias de Bayeux, um espelho de marfim, uma touca de freira, um espartilho de metal, os carimbos de Madame de Pompadour, uma esferográfica de Greta Garbo, um leque de cartões de baile, uma pílula contracetiva, uma cassete VHS do filme ‘Gargante Funda’, e muito muito mais.
Em resumo, um dos livros de História mais interessantes e originais que podemos ler, com o bónus de se focar na história das mulheres, tantas vezes esquecida, ignorada e desprezada.