
Ninguém sabe muito sobre a Coreia do Norte. Ao que consta, nem os norte-coreanos sabem muito sobre a Coreia do Norte. Por isso temos um fascínio (eu pelo menos tenho) quase mórbido pelo que se passa lá. Por estes lados, só o José Luís Peixoto (em ‘Dentro do segredo’, leiam que vale a pena) nos deixou um relato do país mais fechado do mundo.
Por isso é particularmente interessante chegar-nos este ‘A irmã’, um livro de alguém que conhece bem as duas Coreias, o estudioso e especialista em história e política coreana Sung-Yoon Lee. Mas não é um relato fácil de ler, principalmente porque aterroriza qualquer pessoa normal.
Aqui temos, à boleia do retrato de uma jovem mulher, o retrato de uma das ditaduras mais cruéis de sempre. A maioria de nós tem a ideia do ditador norte-coreano Kim Jong-un como uma figura um bocado estranha. O autor do livro, Soon-Yoon Lee alerta-nos para a necessidade de levarmos este país e estas pessoas a sério. Numa ditadura altamente masculina e totalmente dominada por homens, aparece de repente uma rapariga bonita, jovem, fotogénica e muitíssimo segura de si. Quem é?
A sétima e última filha de Kim Jong-il (pai do atual líder Kim Jong-un), com apenas 37 anos, não é apenas uma espécie de Relações Públicas do irmão, Kim Jong-un, mas tem poder efetivo, real e total. Segundo o autor do livro, tem mesmo poder nuclear. Como defende Sung-Yonn Leen, a bonita irmã do ditador não é uma ‘doce princesa’ mas uma ‘crime boss’, chefe do crime. Propagandista, administradora interna e responsável pela política externa do regime totalitário do irmão, a ‘princesa’ aparece aqui como alguém abençoado com uma preciosidade que falha a Kim Jong-un: a inteligência.
A árvore de família ajuda a perceber as complicadas ramificações da família, e o autor explica também como chegaram ao poder e reclamaram legitimidade para a sua ‘dinastia’, desde que o primeiro Querido Líder, Kim Il-Sung, era um soldado do exército russo nos anos 30 até serem considerados uma verdadeira família real onde o poder é hereditário. Educados como deuses e deusas, Kim Jong-un e os irmãos ficaram altivos, arrogantes e exigentes. Foram educados na Suíça mas mantiveram a distância e os privilégios, portanto aparentemente essa ‘saída’ não lhes trouxe nenhum tipo de realismo, empatia ou humildade.
Inteligente e dedicada, a irmã do ditador dirige o seu próprio departamento de propaganda desde 2012, reforçando a Censura sobre o povo, e está mesmo à frente das relações internacionais do seu país. No livro, a ‘princesa’ é retratada como uma pessoa implacável, fria e desrespeitosa quer com o seu povo quer com os líderes internacionais com quem já privou.
Parece ainda pior que o irmão, e pode ser o próximo Cavalo de Tróia da Coreia do Norte, ou seja, nem os líderes internacionais conseguem negar-lhe privilégios que nunca concederiam ao irmão.
Aparentemente também, os dois irmãos dão-se bem e a ‘princesa’ tornou-se uma espécie de herdeira não-nomeada, caso alguma coisa corra mal antes dos filhos de Kim Jong-un serem adultos.
A política internacional não tem corrido bem à Coreia do Norte, principalmente desde o acordo falhado com Donald Trump em 2018 – Kim Jon-un prometia fechar uma das centrais nucleares da Coreia do Norte em troca dos EUA abolirem todas as restrições à Coreia do Norte desde 2016. Trump obviamente recusou o acordo e voltou para a América, deixando o lider coreano a braços com um acordo falhado no Vietname.
Enfim, convenhamos que não deve ser fácil sobreviver naquele país mesmo quando se é irmã do líder. Esta não é, como já se disse, uma história tranquilizadora num mundo cada vez mais instável. Mas fiquem com um dos livros mais interessantes deste ano, que vos vai explicar como é que, em vez de uma ‘princesa do povo’, nasce uma princesa do terror.
‘A irmã: a história extraordinária de Kim Yo-jong, a mulher mais poderosa da Coreia do Norte’ Sung-Yoon Lee, Vogais, E19,95