
Sempre gostei de livros sobre como ser melhor mãe ou melhor pai. Deve ser a atração do abismo, até porque não tenho filhos. Muitas coisas ‘experimentava’ nos meus sobrinhos e algumas com cães também funcionam. Tanto com sobrinhos como com cães, muitas vezes a intuição era a ‘ferramenta ‘ (como se diz agora) mais útil. Mas tirei muitas ideias de coisas que fui lendo ao longo dos anos.
Esta semana, como ia entrevistar a autora, dediquei-me ao mais recente acrescento à literatura de parentalidade. É um livro original: não é um manual nem um livro de auto-ajuda para pais em desespero, mas um relato pessoal de uma experiência como mãe não-nórdica num pais tão diferente da ‘nossa’ cultura. E em ‘nossa’ incluo também a portuguesa – apesar de tudo, estamos mais perto dos ingleses do que dos dinamarqueses (infelizmente).
Já sabemos para o que vamos, porque quase toda a gente que se interessa por esta assunto sabe que os nórdicos têm fama de excelentes educadores. Eu só me lembrava de ter arrepios na espinha quando passei uns tempos em Estocolmo no meio de uma floresta onde havia uma creche, e todos aqueles miúdos quase bebés corriam pela floresta aparentemente sem supervisão e em pleno inverno. Nunca nenhum se perdeu e nunca vi nenhum adulto à procura de alguém.
Bem, os vikings. Claro que é abonatório da cultura nórdica. A autora, Helen Russell, mudou-se do Reino Unido para a Dinamarca, onde teve três filhos, dois dos quais gémeos. E como ‘em Roma, sê romano’, no caso, dinamarquês, educou os filhos à maneira nórdica. E aqui explica como.
Apesar de já irmos à espera que se dissesse bem dos nórdicos, os próprios (os nórdicos) conseguem sempre surpreender-nos, porque de facto ali faz-se tudo de maneira diferente, incluindo educar os
putos.
Por viking não se entende educar um pequeno troll que anda à cacetada a meio mundo e à mocada a outro meio, pelo contrário: a ideia é criar seres conscientes, respeitadores e livres. Como a autora resume a certa altura, “Os pequenos vikings têm liberdade. Com ela vem a responsabilidade e um grau de sutosuficiência que passei a respeitar.”
A Dinamarca é regularmente eleita o país mais feliz do mundo (acaba de ficar em segundo, este ano, só atrás da Finlândia, que é uma espécie de Meryl Streep dos Oscares da felicidade, já nem conta) e depois de se ler este livro percebe-se porquê.
Claro que um sistema de segurança nacional de betão também ajuda. Aliás, é o que está na base de toda esta educaçao ‘à viking’, que é muito bonita mas seria mais difícil de pôr em prática num país economicamente desfavorecido. A começar pela crença de que o mundo é um lugar bom.
Os pequenos vikings são diferentes de, digamos, os pequenos portugueses. “Comem de forma diferente. Aprendem de forma diferente. Brincam, vestem-se e até dormem de forma diferente. Cantam (A-Toda-A-Hora), correm, saltam, trepam, caem e levantam-se de novo, ao ar livre, horas a fio, todos os dias. Está frio, húmido, desconfortável – muitas vezes. Mas elas aguentam.”
Estou a imaginar os pais portugueses e o seu famoso – olha que tu cais – a lerem este livro. E aqui esmiúça-se tudo: como aprendem, brincam, se vestem, comem.
Para mim, mesmo já indo à espera, o capítulo mais libertador foi o da disciplina. Então, segurem-se: quando os pequenos vikings não querem fazer qualquer coisa, simplesmente não fazem. E se não quiserem ir à escola? Não vão. Respeita-se a vontade das crianças. Os pais não castigam, porque isso afasta as crianças, não gritam, porque idem, e não ficam furiosos. Os miúdos são encorajados a nunca criticarem ninguém: porquê – porque a opinião dos outros não lhes interessa nada.
Aliás, uma das mais importantes tarefas de um pai ou mãe é ensinar a imperfeição. Os pais nórdicos não elogiam, não explicam, e não mentem. Se querem que os miúdos vão cedo para a cama porque precisam de tempo para eles, dizem ‘Quero que vás cedo para a cama porque preciso de tempo para mim’. Se quiserem comer todos os doces que há na despensa (coitados, na maioria das vezes também só têm cenouras baby e pão de centeio), podem. A ideia é que a própria criança aprenda a regular-se.
Se há limites: há. Mas são postos com calma e lógica. ‘Não podes mesmo sair sem fato de neve porque senão vais congelar’.
É lírico? Helen esteve lá e diz que, na maior parte das vezes, funciona. Claro que a abertura dos pais é fundamental numa sociedade onde nada é tabu: “Aos 13 anos os dinamarqueses já abordaram tudo, desde os meandros da masturbação até aos direitos dos transgénero – em discussões francas e abertas.” Fez-me pensar na celeuma que deu no nosso país umas inocentes aulas de Cidadania…
Pronto, não vos conto mais porque todo o livro é interessante, cheio de histórias pessoais e muito fácil de ler. Era bom que servisse para inspirar alguns pais portugueses a educarem também eles um pequeno Viking. Enfim, não vou com muita esperança, mas nunca se sabe.
‘Como educar um viking’ – Helen Russell, Alma dos Livros, E17,51