O designer português chega para a entrevista vestido com as suas cores de eleição: preto e branco. Estar na moda, diz, “é não precisar de seguir tendências e poder criar o seu próprio estilo, combinando peças de forma inteligente”. E ele sabe do que fala. Com 47 anos, 25 de carreira, conta com quilómetros de passerelle e tecidos cortados, folhas e folhas de croquis de perder a conta e muitas, muitas horas de viagens. Atualmente, Miguel Vieira é também marca de vestuário infantil, joias, óculos e peças de mobiliário, contando com uma vasta rede de fábricas subcontratadas. O sucesso é tal que quando chegou à China já alguém tinha registado a sua marca. Homem de trabalho, com a garra do norte, já foi operado 15 vezes, superou um cancro, e continua a persistir em levar o nome de Portugal mais longe. “Tento retratar o meu país da melhor forma possível…” O orgulho pelas origens está literalmente tatuado no corpo do criador, com a frase ‘fabricado em Portugal’. “Eu preciso dos portugueses e os portugueses de mim”, confessa, e por isso, apesar das oportunidades que teve, nunca deixou o ateliê em São João da Madeira. Mas nada fazia prever este talento para a moda. Em criança, os seus sonhos passavam por ser astronauta ou bombeiro: “Era um miúdo muito traquina, que gostava de karts e futebol”, conta. O primeiro passo foi entrar para um curso de controlo de qualidade, com a decisão de se especializar na área têxtil. Depois do curso, começou a trabalhar numa empresa que reproduzia modelos que vinham do estrangeiro. O segundo passo decisivo deu-se quando desafiou a mesma empresa a desenhar as próprias peças – e dois anos depois Miguel Vieira criava a sua primeira coleção feminina com marca própria.
Talento e trabalho A humildade é um dos principais traços do criador, que faz questão de sublinhar que a sua equipa de trabalho “veste a camisola”. Diz não ser “mais do que ninguém”, mas os números refletem o seu êxito: 80% das suas coleções são exportadas. Foge da crise através da aposta na internacionalização e na definição de um mercado de luxo que privilegia “materiais nobres”. A fórmula do sucesso? Para Miguel Vieira, o mais importante (e também o mais difícil) é construir o ADN da marca, uma identidade forte que a distinga de todas as outras. Só depois pode surgir a diversificação: lingerie, óculos, joias, sapatos e até mobiliário. A coleção de moda infantil, lançada há dois anos, era outros dos seus “grandes objetivos”. Primeiro surpreendeu o mercado e depois conquistou-o: o preto nas peças para criança foge das cores mais tradicionais, como o rosa e o azul. Miguel Vieira diz que sempre zelou pela sua total independência: “Queria ter uma coleção de autor e não depender de ninguém. Hoje, visto meninos, homens e mulheres da cabeça aos pés. Acho que só me falta mesmo a maquilhagem.” O dia do desfile está longe de ser “o dia mais importante ou o mais cansativo”, faz questão de referir. O processo criativo começa muitos meses antes, quando numa folha em branco esboça um tema aplicável a produtos tão diferentes como um vestido, um sapato ou um móvel. Gerir este processo é uma tarefa árdua, sendo por vezes necessário “arregaçar as mangas e esquecer que existem feriados ou fins de semana”.
Um conquistador Com uma visão global de mercado, Miguel Vieira diz que quando cria uma coleção tem em conta que as suas peças têm destinos tão diferentes como Japão, África ou Paris. Assim, tem o cuidado de escolher materiais que se possam adaptar a qualquer parte do mundo. Tem a sua mala sempre pronta a partir, hoje está connosco no Portugal Fashion, mas prepara-se para daqui a dias apresentar o desfile na Serbia Fashion Week. Mais uma semana de moda a juntar a outras que fazem parte do seu currículo, como a Semana de Moda de Paris, Barcelona, São Paulo… Marca presença nas feiras mais importantes do setor, onde dá as suas peças a conhecer, e conta que a sua marca acaba de entrar no Harvey Nichols em Londres, um dos grandes armazéns de luxo da cidade. O ‘padrinho’ de jovens designers nunca baixou os braços e deixa como conselho a quem quer construir uma carreira no mundo da moda: “Ser designer não é uma fachada, é uma profissão muito árdua, tão ou mais do que profissões ditas menores, como ser trolha, carpinteiro ou pintor”, diz, acrescentando: “Devem ir para o terreno, deixar o computador, pois não vale a pena estarmos a desenhar se depois não sabemos os problemas que vão ter na máquina de costura. O caminho passa por saber costurar, fazer moldes, cortar, pregar um sapato ou até saber fazer um móvel. Isto é que é a grande aprendizagem.” Como criador, põe um pouco de si em cada projeto com o símbolo das ‘asas Miguel Vieira’, confessando ainda uma paixão por arquitetura e por grandes edifícios. Talvez por isso mantenha o sonho de criar um hotel que reflita a sua imagem de marca, com uma loja, mobília, fardamento, tudo desenhado por ele. Armani e Bulgari já o fizeram… A terminar um ano de comemoração dos seus 25 anos de carreira, Miguel Vieira diz que ainda vai no princípio de uma longa escadaria. Se ainda há muitos degraus a percorrer, ele saberá como chegar ao cimo com o talento que todos lhe reconhecem.
CORTE & COSTURA
O que ainda não sabia sobre Miguel Vieira:
– Bebida favorita: Champanhe – Prato preferido: Cozido à portuguesa – Clube: Futebol Clube do Porto – Treinador:José Mourinho – Vício: Tabaco – Peça de roupa preferida: Blazer – Designer de eleição: Tom Ford