Ao escrever os famosos ‘Monólogos da Vagina’, Eve Ensler quis dar voz às mulheres, ‘emprestando-a’ a este nosso órgão sexual. Mas se calhar precisamos é de um diálogo com ela, até porque ainda há muito desconhecimento e vergonha em falar dela ou olhar para ela, como compreendeu Teresa Almeida.
Candidata ao doutoramento na Universidade de Newcastle, Reino Unido, está a desenhar uma aplicação a que chamou Labella e que pretende familiarizar-nos com os nossos órgãos reprodutivos: aprender a localizá-los, a entender as suas funções, o significado de expressões como ‘pavimento pélvico’ e a exercitar a musculatura que os compõe com exercícios Kegel. Falámos com a designer.
Como é que uma especialista em design de tecnologias se interessa por saúde da mulher?
O meu trabalho de doutoramento enquadra-se no tema ‘A Saúde digital e o bem-estar’, onde o objetivo é aplicar as tecnologias à área da saúde da mulher. Começou por ser um projeto para a incontinência, de cuidados preventivos, usando os exercícios Kegel para o músculo pélvico. Decidi desenhar um kit com vários materiais e fazer depois workshops com mulheres de várias idades para os testar. Comecei pelas adolescentes. A grande surpresa foi perceber que estas raparigas nem sequer tinham noções corretas sobre o seu corpo. Algumas nem sabiam por onde se urinava – pensavam que era pela vagina.
Fizemos mais três workshops com mulheres mais velhas, que acabaram por ser muito divertidos. Percebemos que muitas tinham vergonha em dizer ‘vagina’ em voz alta e outras palavras relacionadas com os órgãos sexuais, ou nunca tinham olhado para a sua. Curiosamente, a palavra que causa mais embaraço é o termo clínico, como se continuasse a ser uma palavra proibida. Usam imensos eufemismos para dizer ‘vagina’. Os workshops acabaram por ser interessantes para perceber que, em geral, não sabemos muito mas até gostaríamos de saber mais. Claro que encontramos muita informação na Internet, mas grande parte dela não é acessível nem apelativa. Pensei que seria interessante criar uma ferramenta digital que fornecesse conhecimento básico de uma forma mais acessível e divertida, com uma linguagem biológica mas familiar e que faria sentido fazer algo mais abrangente. Afinal, não se pode fazer um trabalho sobre exercício pélvico se as pessoas nem sequer sabem que têm músculos pélvicos.
Achamos que as mulheres do Reino Unido estão mais à vontade para falar destas coisas…
É mito, é a mesma coisa que em Portugal. No Reino Unido até existe um especialista de saúde e que ensina e aconselha as raparigas por volta dos 15 anos a usarem um espelho de mão para poderem ver a zona genital e os órgãos que a compõem. Mesmo com esse acesso a informação, têm muitas dúvidas e conceitos errados. Nas aulas de educação sexual, há sempre muita vergonha de abordar os temas.
Que funções terá a Labella?
Usa-se o telefone como se fosse um espelho de mão. A app vem acompanhada de umas cuecas, que devem ser vestidas e que acionam o ecrã seguinte na app – uma ilustração do períneo, a zona entre a vulva e o ânus. A imagem convida a tocar no ecrã, que dará mais informação, clínica ou mais informal, explicando que órgão é aquele e para que serve. Depois de mostrar a parte externa, passa à musculatura pélvica (interna). Nessa altura, a app convida a tocar no períneo (no ecrã) e mostra uma animação que simula a contração e relaxamento num movimento de Kegel. Quis arranjar uma alternativa aos modelos anatómicos que existem, que são muito abstratos, de modo a explicar-lhes o que se sente ao fazer os exercícios Kegel.
A Eve Ensler escreveu os ‘Monólogos da Vagina’. A Teresa está a tentar pôr-nos a dialogar com ela?
Sim, poderá ser… A ideia do espelho que incluímos da aplicação foi inspirada no espelho da Branca de Neve, como se falássemos com o nosso reflexo, connosco próprias. Tudo acontece através da interação: apesar de ser a tocar no telefone, também se pode tocar no corpo – uma das mensagens é ‘It’s ok to touch’ (estás à vontade para tocar), para perceber o que é o quê. Indicamos uma técnica para encontrar os músculos do pavimento pélvico.
Ainda estou a aperfeiçoar a aplicação. Mas interessa-me que tenha um design simples de entender, que não assuste como os que se veem na Internet, e seja divertido (com animação, por exemplo). O modelo é neutro em termos de cores. No futuro, poderá até expandir para pessoas transgénero – não é só quem nasce mulher que tem de cuidar da sua saúde mas toda a gente que tenha esta anatomia.
Quando poderemos ver esta app no mercado disponível para download?
Ainda estou a ver oportunidades de financiamento para desenvolver mais a Labella. Ainda não tenho parceiro comercial mas já há bastante recetividade. [Há dois meses] estive numa conferência na Califórnia onde fizemos uma demonstração. Havia muita gente interessada em saber onde a podiam encontrar, de professoras de ioga a um pai que queria fazer o download para a filha. É fabuloso perceber esse interesse. Há procura, há mercado, e várias ideias que ainda podem ser exploradas.