Florencia Bonelli nasceu na Argentina, na cidade de Córdoba, em 1971. Depois de um curso de Ciências Económicas, tudo parecia indicar que o seu futuro fosse na área da contabilidade pública, profissão que, garante a autora, exerceu com gosto. Porém, a leitura de um livro em particular fez com que a sua vida desse uma volta de 180°, tendo passado a dedicar-se inteiramente à escrita desde o final da década de 90.
Com mais de 20 anos de carreira, Florencia Bonelli tornou-se numa romancista de sucesso, vendendo mais 3,5 milhões de cópias em todo o mundo. Recentemente, esteve em Portugal para promover a sua última obra, “O Feitiço da Água” – lançada em abril, editada pela Planeta -, a propósito da qual deu uma entrevista à Activa, onde nos falou sobre amor, sobre a necessidade de descobrirmos as nossas paixões, e revelou qual é a única coisa que espera dos seus leitores.
Este livro, “O Feitiço da Água”, é a sua última obra publicada. Escreveu-a durante a pandemia? O facto de não se poder sair de casa afetou a sua rotina?
Comecei a escrevê-lo antes da pandemia e terminei-o já depois de ela ter começado. Foi um período difícil, foi complicado sentir que cortaram a nossa liberdade. Não poder viajar, sair, ir a um restaurante, o sentimento de restrição, foi complicado, mas na minha rotina diária nada mudou, porque escrevo em casa, não saio para trabalhar.
Que inspiração teve para este trabalho? Essa inspiração foi afetada durante o período da pandemia?
Quando terminei de o escrever a pandemia tinha começado há pouco tempo. Acabei o livro em maio [de 2020], cerca de dois meses depois do início da quarentena, mas como preciso de estar sempre a fazer alguma coisa, a trabalhar em algum projeto, comecei a pesquisa para outro livro, que estou a escrever neste momento, pelo que tinha a mente bastante ocupada com o meu trabalho. No entanto, as notícias de tudo o que se passava claro que me deixavam preocupada e angustiada. Ainda assim, e felizmente, a pandemia não me matou a inspiração.
Porque é que acha que as histórias de amor, principalmente as de amor proibido, são tão atraentes?
Acho que o amor é atraente, porque é a única coisa que dá sentido à vida. É o que o ser humano procura sem sequer se perguntar porquê. Precisamos de ser amados pelos nossos pais, pelos nossos amigos, precisamos de amor, é uma condição do ser humano. O porquê não sei, é um mistério, um dos tantos que nos rodeiam. Quando há uma história de amor, principalmente de um amor difícil, conflituoso, com muitas feridas, isso atrai-nos mais.
O ser humano gosta de ver como é que os outros resolvem os problemas, como conquistam os desafios. Mas acho que a questão central aqui é a importância que o ser humano dá ao amor. Fico contente que seja assim, porque insisto, é a única coisa que dá sentido à vida. Se pensarmos friamente sobre o que é a vida de um ser humano, ela não tem sentido. Nascemos, lutamos para alcançar várias coisas e morremos. Não encontro sentido [nisso]. Mas se nesse processo de nascer, chegar a ser alguma coisa e morrer formos amando e sendo amados, isso dá um sentido à nossa existência. É o que um ser humano tem de mais vital, mas é um mistério, nem sequer sabemos bem o que é que o produz. A ciência não explica muito bem o que é isto do amor.
Mas amor é uma coisa que todos sentimos…
Nem todos. Há pessoas que estão muito magoadas, rasgadas por dentro, que não sabem amar. Se calhar nunca ninguém as ensinou a amar. Para que uma pessoa saiba amar, tem que ser ensinada a fazê-lo. Acredito que se toda a gente soubesse amar não existia guerra no mundo.
A personagem principal do livro, Brenda – que guarda para si um amor proibido -, tem inicialmente um percurso de vida semelhante ao da Florencia. Há mais alguma coisa da Florencia nesta personagem?
A única coisa que partilho com a Brenda é que ambas estudámos ciências económicas e as duas deixámos esse lado das nossas vidas para seguirmos os nossos sonhos, ela na música e eu na escrita. Em tudo o resto diria até que somos opostas.
Que mensagens tenta transmitir através dos seus livros?
Eu não tento transmitir nenhuma mensagem. Quero que o leitor se entretenha a ler. Para mim a literatura é entretenimento. Quando eu compro um livro – e não falo de literatura académica, isso é uma questão à parte -, um romance, é para me entreter, é como quando me sento em frente à televisão e vejo uma série. A única coisa que pretendo é que o leitor se divirta e sinta tanta emoção a lê-lo como eu senti quando o escrevi. Não pretendo transmitir nenhuma mensagem e não quero doutrinar ninguém, [quando escrevo] nunca tenho o objetivo de colocar ideias na cabeça de ninguém. Quando a história nasce em mim preciso de me sentar e escrevê-la. Depois o que provoca no leitor é um vínculo entre ele e o livro, eu só quero que o aproveite e que passe um bom momento.
Costuma receber e-mails das suas leitoras?
Recebo de muitos e-mails, principalmente de leitoras de língua espanhola, mas também de brasileiras e portuguesas. São dois mercados que me surpreenderam muito, tanto o do Brasil como o de Portugal admiraram-me, porque [as leitoras] são tão apaixonadas como as argentinas, as colombianas as uruguaias e as espanholas. Nós [as que falamos espanhol] somos muito apaixonadas, românticas, e surpreendeu-me perceber que as brasileiras e as portuguesas são iguais a nós.
Que tipo de mensagens lhe costumam enviar?
Há uma palavra que se repete nos e-mails que me escrevem: emoções. Dizem-me sempre que sentem muitas emoções: felicidade, raiva, tristeza… O que mais me dizem é que passam por uma montanha-russa de emoções.
E gosta de receber esse tipo de mensagens…
Muito. Eu digo sempre que os leitores, neste caso mais as leitoras, porque 90% de quem me lê são mulheres, são a melhor coisa que os meus livros me deram. Nunca esperei isso. Quando publiquei o meu primeiro livro [“Bodas de Ódio”] há mais 22 anos nunca imaginei que criaria este vínculo e até amizade com quem me lê. E foi graças a essas pessoas, principalmente às da Argentina, que os meus livros se foram tornando populares, porque quando eu comecei a publicá-los a imprensa não se interessava por uma escritora de romances. Por isso foram elas que, de boca em boca, lhes deram popularidade.
Recuando 22 anos no tempo, a Florencia trocou a carreira de economia pela escrita. Como foi esse processo?
Tudo aconteceu por causa de um livro que encontrei em casa do meu marido e que se chama “The Sheik”, da autoria de Edith Hull [publicado em 1919]. Pedi autorização à minha sogra para o levar para minha casa – o livro era dela – e li-o em dois dias. Não conseguia parar de ler, e apesar ter o hábito da leitura desde criança, essa obra impactou-me de uma forma muito especial. Quando ia trabalhar colocava-o no colo para ir lendo. Fingia que trabalhava, mas estava a ler o livro (risos). Foi a partir daí que comecei a escrever. De facto, as coisas importantes da minha vida chegaram sempre através de livros.
Então foi algo natural?
Sim, foi. Uma noite, ao voltar do trabalho, durante o jantar, falei com o meu marido e disse-lhe que, depois de ler o livro que a mãe dele me emprestou, não conseguia deixar de pensar em várias ideias que me vinham à cabeça. E ele disse-me: “Escreve-as”. E foi assim que comecei a escrever. Voltava do trabalho todos os dias e sentava-me a escrever e depois de fazer isso durante um ano disse-lhe que não queria mais ir trabalhar, queria ficar em casa a escrever. E ele disse-me para seguir em frente com essa ideia. Foi ele quem me apoiou economicamente, para que pudesse fazer isto, porque senão, não poderia ter deixado de trabalhar. Afinal, continuavam a existir contas para pagar.
Como foi conciliar esses dois trabalhos durante um ano?
Essa foi uma altura de muita alegria, tudo o que eu queria era voltar a casa para escrever, mas ao mesmo tempo gostava muito do trabalho que tinha como contabilista pública. Trabalhava feliz, só que chegou um momento em que pesou mais a vontade de regressar a casa e sentar-me a escrever.
Quais foram as maiores dificuldades que sentiu ao entrar no mundo literário?
A maior dificuldade foi aprender a escrever, porque apesar de ao longo da vida irmos primeiro à escola e depois à universidade, a verdade é que não sabemos escrever bem. Não sei como é no caso do português, mas no espanhol sempre achei que temos muitas dificuldades com a gramática, sobretudo nós, os argentinos, que não falamos muito bem e isso faz com que escrevamos pior.
Por isso, acho que o maior desafio foi dominar a linguagem escrita e tornar-me uma profissional nisso. Para que isso fosse possível tive que estudar a linguagem e ainda hoje me dedico a esse estudo, nunca acabo de conhecer todos os mistérios da língua espanhola. Para uma pessoa se sentar a escrever é preciso saber fazê-lo. Posso até ter uma ideia, uma inspiração, mas se depois não consigo passá-la bem para o papel, para a contar a outra pessoa…
Sente que neste meio existem mais dificuldades para as mulheres do que para os homens?
Eu nunca senti isso. Na Argentina, neste tipo de obras, acho que em dez publicações mensais, nove são de mulheres, pelo que nunca senti que por ser mulher fosse mais difícil. Agora no meu país há todo um boom de escritoras, de romances e não só, de outros géneros literários. Acredito que talvez outras escritoras tenham sentido algumas dificuldades por serem mulheres, mas felizmente esse não foi o meu caso.
Considera-se uma mulher bem-sucedida?
Sim. Na Argentina sim, porque há 20 anos os livros de romance no meu país não existiam e deixar uma carreira de êxito como contabilista pública, onde tinha um bom ordenado, para apostar num mercado que praticamente não existia…. Olhando para a trajetória, desde essa altura até aos dias de hoje, em que tenho 3,5 milhões de exemplares vendidos, sim, posso dizer que me sinto bem-sucedida. Ainda assim, acho que posso sempre fazer melhor, quero sempre escrever uma história melhor e superar-me, dar às minhas leitoras histórias que as entretenham mais e contar-lhes coisas mais interessantes. Exijo bastante de mim.
Trocar uma carreira de êxito por algo totalmente novo foi um ato de alguma coragem…
Havia uma paixão que me movia e que eu não conseguia travar. É o que sinto que falta a muita gente, paixão por alguma coisa. Eu ficava até às duas ou três da manhã a escrever e precisava de me levantar às seis para ir trabalhar, mas movia-me uma força que eu não conseguia parar e isso é algo que não consigo explicar. Fi-lo com o coração, porque se tivesse pensado só com a cabeça não teria deixado o meu trabalho. Deixar um emprego onde me pagavam um bom ordenado e que era seguro por uma coisa que era atirar-me para o abismo… não o teria feito. A mente boicota as nossas paixões, começamos a ter medos, a ficar assustados. Mas reconheço que o apoio financeiro do meu marido foi fundamental para poder tomar esta decisão.
O que é que ainda sonha conquistar no mundo da literatura?
O objetivo que tenho é sempre o de escrever uma história melhor. Publiquei esta [O Feitiço da Água] e já estou a tratar de escrever outra, que quero que entretenha, porque aquilo que mais gosto é de imaginar as minhas leitoras felizes a ler. E isso é um desafio, porque depois de ter publicado mais de 20 livros, escrever uma nova história, ter novas ideias… esse é o meu grande desafio. Gosto que as minhas leitoras descubram coisas novas, que lhes interessem. Os meus livros não são só sobre amor, têm outros ingredientes – história, política, geopolítica, guerra. Para isso é necessário estudar e é algo que adoro fazer. Gosto tanto de investigar como de escrever. Quando se investiga para escrever um livro damo-nos conta do fantástico que é estudar. Quando íamos à escola, estudar era muito aborrecido, mas quando há uma paixão que nos incentiva a fazê-lo é diferente. E nunca se termina de estudar tudo, eu acabo sempre por pôr um limite, porque senão posso estar dois anos a fazer investigação para uma história e há um momento em que tenho que me forçar a parar e sentar-me a escrever, ou então não começo nunca.
Que conselho daria a outras mulheres que queiram começar agora uma carreira como escritoras?
Escreve apenas se tiveres uma paixão, uma história que te transborda. Sentar-se e escrever apenas porque se quer escrever não tem sentido. Se queres escrever profissionalmente, dedicar-te e viver disto, tens que ter paixão pelo que estás a fazer. E muito domínio da língua, porque um livro que se entrega a um editor tem que estar bem escrito, senão nunca será publicado. E quando se começa a escrever é importante pensar em duas coisas: a primeira é ter uma ideia de uma história e a segunda uma paixão que te mova a escrever. É essa paixão que passa para a obra e faz com que o leitor não consiga deixar o livro e queira sempre ler mais.
Analisando todo o seu percurso até hoje, se voltasse atrás voltaria a estudar ciências económicas? Teria feito tudo igual?
Sim, porque na verdade eu fui para a universidade estudar para conhecer o meu marido, ir a casa dele, descobrir o livro – “The Sheik” – e para depois ele me incentivar a escrever as minhas ideias (risos). Faria tudo igual.
Então se não se tivessem conhecido considera que a sua vida poderia ter sido diferente?
Sim, provavelmente. Ainda que acredite que se o meu destino era ser escritora, de uma forma ou de outra havia de lá chegar. No entanto, o meu caminho foi o de estudar ciências económicas e conhecê-lo, portanto, sim, faria tudo igual. O ponto fundamental aqui é ir atrás da nossa paixão. As pessoas estão sempre à procura de agradar a toda a gente e esquecem-se de olhar para dentro e pensar naquilo que de que gostam realmente.
Portugal poderia ser o cenário de um dos seus próximos livros?
Absolutamente. Na verdade, eu menciono Portugal no romance que estou a escrever atualmente, tenho uma personagem portuguesa e falo muito sobre a História de Portugal neste novo livro.