Nos altos e baixos da vida, vemo-nos por vezes forçados a olhar para o abismo. O abismo da incerteza, do medo, da dúvida, da insegurança. Da falta de amor-próprio. Mariana Ventura já encarou o abismo de frente. Olhou-o nos olhos e mostrou-lhe que, mesmo nos momentos mais difíceis, acreditar em si foi a fenda de luz que iluminou a escuridão. Porque num caminho de passos que fazem a estrada do que somos, regressar ao zero pode parecer a ausência de tudo. No entanto, são muitas as vezes que se revela precisamente o oposto. Porque nessa ausência, cabe a esperança de tudo o que sonhamos. “A minha vida precipitou-se ao levar-me ao nada. Mas foi do nada que consegui ressurgir. Foi difícil, tive que pedir ajuda – o que também foi um ensinamento, porque estava habituada a fazer tudo sozinha, a querer ser sempre a super mulher”, contou a fundadora da marca Little Miss Love à ACTIVA online.
Embora tenha iniciado a sua carreira na comunicação, Mariana sempre se fez de muitas camadas e paixões. Hoje, põe tudo o que é em prol dos outros, numa marca criada à sua imagem, onde faz peças de joalharia com simbologia e onde trabalha com cristais, ervas e se dedica a ser terapeuta espiritual. Chegar aqui, ao lugar que é seu, foi um caminho sinuoso, onde Mariana Ventura se teve que redescobrir e aceitar. O primeiro passo foi perceber que o trabalho onde estava não a completava e o segundo foi enfrentar o mundo defendendo esta decisão. Desde este ponto de partida, lutou por si e renasceu. Fez frente à ansiedade que a acompanha, ganhou coragem para sair de uma relação tóxica que lhe roubou a auto-estima, tornou-se no exemplo que quer ser para a filha, Maria, de quatro anos, e na mulher que sabe exatamente quem é o que nasceu para fazer.
Numa conversa sobre mudanças que nos transformam, mas, sobretudo, sobre coragem, Mariana Ventura, de 39 anos, mostrou-nos porque é que esta frase de Dalai Lama – “Não meças o teu sucesso pelo que tens, mas por tudo aquilo de que tiveste de abrir mão para estares onde estás” – é tão correta e lhe assenta como uma luva.
Em criança, o teu maior sonho era…?
Ser atriz de musicais. Adoro cantar, tive aulas de canto muitos anos… Este sonho ficou de parte porque, por volta dos meus 15 anos, comecei a ficar com muitos problemas de auto-estima – comecei a bater-me e a tentar vomitar. Os castings tornaram-se um peso e, com os nervos, comecei a congelar em cima do palco. E eu tinha um peso normal, mas isto foi nos anos 90, no boom das modelos super magras. Nesta altura, pedi ajuda à minha mãe e deixei de ir a castings, fiquei só com o teatro e com a música. Na altura tentei entrar no Conservatório, não entrei por cinco décimas e isso ditou o resto da minha vida.
Ditou, por exemplo, que acabasses por estar do outro lado, a trabalhar com grandes nomes da arte em Portugal, mas na parte da comunicação.
É verdade, acabei a trabalhar no sonho deles.
E como é que se luta pelo sonho de alguém quando esse mesmo sonho toca no nosso?
Houve momentos agridoces. Mas trabalhar neste meio deu-me a certeza que, apesar do meu sonho, isto não era para mim. Nunca quis ser famosa, sempre quis ser atriz de teatro, mas trabalhar nesta área fez-me perceber que ainda bem que isto não me aconteceu. É um meio difícil, que não tem nada a ver comigo e que iria fazer mossa numa miúda que, na adolescência, tinha uma estrutura emocional muito frágil. Há meandros, neste meio, muito complicados, tens que abdicar de muita coisa que és tu.
Atenção que adorei trabalhar em comunicação, adorei as pessoas que conheci e este meio tem muita coisa boa. Mas a realidade é que este não era o meu caminho. E está tudo bem. Trabalhar aqui fez-me fazer as pazes com o meu passado. Se não consegui alcançar o meu sonho, ia lutar para ajudar os outros a fazê-lo. E isso é um privilégio, é um orgulho. Hoje continuo a acompanhar as pessoas com quem trabalhei, sigo a sua carreira e é bonito ver essas pessoas a singrarem.
E quando é que este trabalho deixa de fazer sentido na tua vida?
O meu trabalho sempre me realizou imenso. Sempre fui workaholic, aliás, tive um burnout em 2012 quando saí do Rock in Rio. Nessa altura saí da agência onde trabalhava, a Lift, porque estava com um esgotamento. Só consegui dormir oito horas seguidas dois meses depois, tal era o meu estado. Mas a tomada de consciência foi acontecendo, e vários fatores contribuíram para isso.
Depois da Lift, convidaram-me para ir para a L’Agence e eu fui. Na altura, já tinha percebido com o burnout que tinha que abrandar, porque eu só trabalhava, não tinha tempo para ninguém, nem para nada. Mas o momento em que se deu o clique verdadeiro foi quando percebi que queria ser mãe, com tempo para o ser. E ser publicista não me permitia ter esse tempo. Também queria deixar a minha marca, deixar algo feito por mim que me fizesse ter orgulho. E a verdade é que quando estive na L’Agence, voltei a entrar muito rapidamente no ritmo frenético de antes. E dava tanto no meu trabalho, que comecei a ficar vazia. A dada altura comecei a ir para o trabalho sempre a chorar, chegava à porta do prédio da agência a limpar as lágrimas. Era fácil perceber que já não queria estar ali.
Mas ter essa lucidez, de perceber que o caminho já não se faz por ali, é libertador ou dá medo?
No meu caso foi pânico total. Tinha contas para pagar e, embora não quisesse trabalhar mais em agência, eu não sabia o que ia fazer a seguir. E isso assusta. Mas sabia que tinha chegado o fim, falhar com os outros para mim é uma não premissa e sabia que não ia fazer um bom trabalho, se continuasse. Estava vazia.
Mas já tinhas noção que querias tentar uma coisa tua, em nome próprio?
Sentia que passava por aí, mas havia um trabalho muito grande a fazer de reconstrução pessoal. Eu tinha que me permitir falhar – e isto é tão importante, mas a sociedade não nos deixa. Enquanto mulheres, parece que temos que fazer o triplo do esforço, temos uma carga em cima de nós muito maior. Além disso, também tinha que admitir que não sabia o que queria fazer. E isto é encarado como uma fragilidade pelos outros. E tu deixas-te levar por isso. Ninguém entendia porque queria deixar a minha carreira, sobretudo porque trabalhava diretamente com figuras públicas e os outros achavam que a minha vida era incrível. Eu cheguei a duvidar de mim própria, foi um processo difícil. Tive que ter grandes doses de gentileza para comigo, neste período. E a verdade é que eu não estava feliz, portanto, não podia continuar na assessoria de imprensa, não podia perpetuar a minha infelicidade.
Apesar dessa certeza, percorreste um caminho de muitas dúvidas?
Sim, muito questionamento. Sabia que queria usar a minha criatividade e comecei por fazer velas de soja, porque não queria iniciar um negócio que impactasse negativamente o ambiente. Comecei a fazer feiras, não dava dinheiro nenhum e aí surgem as dúvidas, os medos… Tive muitas vezes um euro para ir comprar arroz para misturar com atum, houve alturas em que as contas da luz se acumularam… Ser empreendedor em Portugal sem teres dinheiro, é uma miragem.
Ainda assim, houve algum momento em que te arrependeste da tua decisão?
Não, porque apesar de todas as dificuldades, estava mais feliz. Ganhava pouco, mas a leveza que sentia, o facto de estar alinhada comigo… Nada paga termos paz de espírito. Nunca tive medo de trabalhar, por isso, só precisei de ter um bocado de fé. E às vezes falta-nos essa fé em nós mesmas. A sociedade incute-nos tanto esta coisa de termos que ser bem-sucedidas, termos grandes carreiras. Mas o que é ser bem-sucedido? Para mim, é fazer uma coisa que me deixa realizada. E se as coisas correrem mal, vou à luta, como sempre. A realização pessoal não é aquilo que a sociedade espera que eu seja, é aquilo que eu quero ser.
A noção de sucesso, de êxito, ainda está muito ligada a um trabalho com algum estatuto?
Está. Mesmo na área do empreendedorismo, onde há pessoas que têm necessidade de se mostrarem empreendedores super bem sucedidos. E isso é uma não questão, porque nós passamos as passas do Algarve – a carga fiscal é muito grande e as contrariedades são muitas. A nossa sociedade não está feita para tu ganhares ao dia ou à semana. E eu ganho ao dia. É uma gestão muito grande.
E quando é que se dá o salto para o momento de agora, onde encontraste a tua voz num negócio teu, com joalharia e um lado mais espiritual muito marcante?
Sempre tive um lado espiritual e esotérico muito presente, mas a vergonha que sentia ao falar disso não me permitia explorar esta minha faceta, que hoje coloco ao serviço dos outros. Tive que trabalhar muito o meu amor-próprio para conseguir chegar a um momento onde não tenho vergonha de falar sobre o que faço. Desde pequena que sou mediúnica, mas tinha muita vergonha, porque é muito fácil ser julgada ou ridicularizada. E eu só queria ser “normal”. Mas percebi que tinha que assumir este meu lado, porque só quando acontece essa aceitação é que entro no meu caminho. Porque foi aí que tudo começou a acontecer naturalmente.
A aceitação de quem és, como base de tudo…
Sim. É o ponto de partida. Ter feito terapia quando tive o burnout ajudou-me muito neste processo. Mas o ter sido mãe foi o ponto de viragem. A Maria mudou-me. Tornei-me ainda mais espiritual e levou-me a perceber que mulher e que exemplo quero ser para a minha filha. É uma grande responsabilidade educar uma menina. Por isso é que tenho sempre muito presente esta premissa. Tenho aprendido muito e nestes anos de mudança percebi que, quanto mais alinhada estiver com aquilo que sou e quanto mais coragem tiver para mostrar quem sou – que é, na realidade, O grande medo – mais sucesso se tem. Costumo dizer que a Little Miss Love sou eu, não há dissociação, porque tive que me conhecer, tive que perceber quem eu era. Porque a dada altura estava perdida. E isto foi a minha viagem. E o que ela me mostrou foi que, quanto mais sincera fores contigo, mais centrada estás no sítio que é para ti. É um processo onde tens que encarar o medo de frente, onde perdes pessoas, onde muitas duvidam de ti e da tua capacidade – inclusive a tua família. O meu pai, por exemplo, não acredita no que eu faço. Aceita, mas é totalmente cético.
Isso é uma mágoa?
Não, está tudo certo. Já fiz o meu processo de aceitação. Já não tenho vergonha de quem sou. Mas sei que há olhares de lado – afinal sou mãe solteira, empreendi o meu próprio trabalho e sou terapeuta espiritual. Mas orgulho-me muito de tudo isto. E o que faço é pela Maria, para ela crescer com a certeza de que pode ser exatamente quem é, sem sucumbir à pressão do que é suposto.
Ao percorreres o teu caminho estás a desbravar caminho para ela?
Sem dúvida. Para ela, para as filhas dela… Porque a nossa sociedade tem que se tornar mais empática, mais compreensiva, tem que aprender a aceitar. Falhamos muito na aceitação de sermos nós próprios. É mais fácil e confortável rotular e por-nos dentro de caixas porque desligamos o botão das emoções. Há um grande desvinculo do nosso lado emocional, mesmo as relações são muito racionais. A sociedade tem que ser mais coração, tem que saber olhar para os sentimentos. Temos que chegar a esse equilíbrio.
Saberes escolher-te, com esta empatia de que falas, é o teu maior legado?
Acho que sim, mas é uma escolha diária, num processo que não acaba. E hoje ajudo pessoas a escolherem-se a si próprias. A minha missão é espalhar amor neste mundo, é ajudar as pessoas a reconhecerem o amor dentro delas, ajudar as mulheres a reclamar o seu poder de volta e ajudar homens e mulheres a encontrarem-se. As pessoas querem ser vistas e ouvidas, mas não temos o hábito de saber ouvir realmente o que os outros sentem. As pessoas têm tanta vergonha acumulada, vivemos numa sociedade tão castradora… Carregamos bagagens de culpa que não fazem sentido. E é curioso porque cada vez chegam a mim mais pessoas que não são particularmente espirituais, mas todas querem encontrar o seu caminho. Fazer este trabalho acarreta uma grande responsabilidade. E hoje vivemos num momento em que a espiritualidade está ao rubro, mas temos que saber distinguir aquilo que é a espiritualidade pop, como lhe chamo, de uma espiritualidade de crescimento e consciente. Não quero que as pessoas fiquem vinculadas a mim, quero que elas consigam voar. Por isso é que dou ferramentas a quem me procura. Toda a gente consegue voar se tiver a sustentação certa.