Clara Não, Ilustradora e ativista

Em que momento percebeu que tinha de ser uma voz ativa pela igualdade de género?
Desde a adolescência que senti que algo não estava bem. Sentia-me ‘a esquisita’ por não me identificar com estereótipos de género. Só quando fui para a faculdade é que comecei a ler os clássicos feministas e a perceber que, afinal, eu não era “esquisita”. Em 2015, comecei a produzir trabalho autoral sem cariz académico, com uma vertente mais sobre relações amorosas. O lado feminista já estava lá, mas eu ainda não me sentia à vontade para ser impertinente. 
Com o tempo ganhei coragem, tendo começado a fazer publicações feministas em 2017, salvo erro. Em 2018, saiu o meu Manifesto de uma Mulher Artista Independente, com 25 máximas, já que eu tinha 25 anos. Foi publicado pelo Público no dia seguinte.

Em que é que o feminismo de hoje é diferente do feminismo dos anos 60-70?
Bem, depende se estamos a falar em termos de fama do Feminismo dos anos 60-70 americano, com o “The Equal Rights Amendment”, ou do contexto português. Talvez seja mais relevante falar do contexto português, tão pouco referido comparando com o americano, porque o Feminismo existia antes e continuou a existir durante a ditadura Salazarista. De forma a contrariar o Feminismo e incutir os ideais patriarcais nas mulheres, o regime criou vários organismos do Estado: a Obra das Mães pela Educação Nacional, a Mocidade Portuguesa Feminina e o Movimento Nacional Feminino. Para quem se pergunta porque há mulheres machistas, é porque foram ensinadas neste tempo e passaram os ensinamentos de umas para as outras.
Em questões gerais, importa referir que a grande diferença entre o Feminismo dos anos 60-70 e o de hoje, é que agora se procura um Feminismo Interseccional, ou seja, totalmente inclusivo, que engloba questões raciais e a comunidade LGBTQIA+. Atente-se, igualmente, que tal não seria possível sem as conquistas feitas ao longo do tempo pela luta feminista.

Há mais igualdade na cultura?
Sinto que há sempre desigualdade. Há muitas mulheres na indústria, mas o movimento #metoo e as reivindicações de igualdade salarial ainda estão muito presentes. No âmbito da indústria musical, por exemplo, importa referir que, embora haja muitas mulheres com muita fama, é-lhes exigido um espectáculo completo, não basta cantar. Olhemos, por exemplo, para o quão foi gozada Dua Lipa por não dançar bem no passado… Aos homens não lhes é exigida essa performance. Não estou a querer dizer que deva ser exigida, mas antes a realçar a diferença de tratamento conforme o género.
Dentro das artes plásticas, há sim muitas mulheres. No entanto, também importa refletir na paridade de pessoas que participam em exposições. Não precisamos de exposições que sejam vendidas em termos de publicidade como “exposições de mulheres”. Precisamos de exposições que, naturalmente, tenham mais mulheres, só mulheres ou paridade, sem que sejam vendidas como uma exaltação das mulheres. Como os tempos avançam, começo a questionar-me se esse rótulo separa, mais uma vez, as mulheres da sociedade com poder de representação. 
Além disso, importa perceber para onde vai o dinheiro de quem compra obras. As obras de artistas mortos famosos continuam a valer muito mais, ou seja, maioritariamente homens. Demos, sim, importância à história criada por quem já não está cá, mas valorizemos as pessoas artistas vivas, que realmente precisam do dinheiro. 
Por último, é também relevante pensar em contexto de feminismo interseccional a presença da comunidade LGBTQIA+. Não falo apenas da inclusão em termos de exposições de artes plásticas, mas também de tentar garantir de que as representações teatrais e de TV de personagens que façam parte da comunidade, sejam representadas por pessoas que, para além de profissionais na área, conheçam essa vivência, ou seja, pessoas da comunidade.

Que livro todas as mulheres (e homens) deviam ler? 
O livro de crónicas de Roxane Gay intitulado ‘Bad Feminist’. Aborda Feminismo Interseccional, Privilégio e Racismo. Super completo e, como está dividido em crónicas, fácil de ler de forma intermitente.

O livro sobre igualdade de género que mais a marcou
Em termos pessoais, o que me marcou mais foi o ‘Notes to Self’, de Emilie Pine. Chorei a ler o livro. São notas pessoais autobiográficas que tocam em muitos aspetos do feminismo, sem rodeios, sem filtro.

Uma artista plástica que admire muito
Adriana Proganó, pela sua estética e pelas mensagens que vai deixando nas suas obras. De momento é a minha artista plástica contemporânea de eleição.

Um trabalho seu que gostava de destacar
A performance escrita que fiz num tecido enorme na minha exposição de 2021 no Artroom, em Lisboa. Senti que despejei ali o meu coração, as minhas preocupações.

A maior conquista das mulheres portuguesas
A nível histórico, foi o poder de voto. Ainda mais incrível foi ter sido em 1911. Carolina Beatriz Ângelo, médica, republicada e sufragista, reparou que conseguia dar a volta à lei, porque, indubitavelmente, era chefe de família. Carolina fez história. 

A conquista que é urgente reclamar
A igualdade de remuneração no trabalho. Em Fevereiro deste ano, em território nacional, a ACT (Autoridade para as Condições no Trabalho) notificou 1540 empresas que não praticam a igualdade salarial entre géneros. 

Uma citação que gostava de emoldurar?
Vou escolher o poema “Questões de Princípio” de Maria Teresa Horta:
Não me exijam
que diga
o que não digo
não queiram
que escreva
o meu avesso
não ordenem
que eu aceite
o que recuso
não esperem
que me cale
e obedeça.

Uma mulher inspiradora
Adília Lopes. Adoro como ela escreve sobre o dia-a-dia de uma forma tão crua, perspicaz e cómica.

A sua maior luta no dia-a-dia
Perceber que, por muito que ame as pessoas à minha volta, não me posso esquecer de me amar a mim também. E, se calhar, até zelaria mais pelo meu bem-estar se gostasse de mim mais 1%, não era preciso mais. Não me posso despedaçar para pegar em cacos meus e colar as pessoas de quem gosto, porque eu preciso de mim inteira e as pessoas que amo também precisam de mim inteira.

Uma injustiça que a deixou indignada 
Tiba al-Ali, mulher iraquiana, foi violada pelo próprio irmão. Os pais nunca a defenderam, escolheram proteger o irmão. Entretanto, Tiba-al-Ali mudou-se para a Turquia. Quando voltou ao Iraque para uma breve visita, o próprio pai assassinou-a, para manter a “honra da família”. O próprio pai. O próprio irmão. As pessoas não escolhem onde nascem. Não escolhem a família que lhes calha. Este é um caso extremo de misoginia que aconteceu há uns dias. 

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