PATRÍCIA SANTOS PEDROSA
Arquiteta, professora (Arquitetura, UBI), investigadora (CIEG, ULisboa), ativista.
Co-fundadora e presidenta da associação Mulheres na Arquitectura

Em que momento percebeu que tinha de ser uma voz ativa pela igualdade de género?
Comecei a ter consciência das desigualdades e das agressões sofridas pelas raparigas e pelas mulheres muito cedo. Por um lado, através dos comentários como “uma menina não se porta assim”, “não faças essas coisas que são de rapaz”, que me empurravam permanentemente para o meu lugar nos estereótipos de género definidos e que chocavam comigo e me agrediam. Por outro lado, a primeira vez que na rua, ainda criança, ouvi um homem dizer que me fazia não sei o quê. Senti-me infinitamente violentada e tive nojo do meu corpo que, na minha cabeça de criança, era culpado do que me tinha acontecido. Só muito mais tarde saí do armário enquanto feminista e percebi que em todas estas situações (e em muitas outras) nada estava errado comigo (conosco). Que era e é o contexto sexista em que vivemos que se atravessa em todas as esferas das vidas das mulheres, em qualquer idade e contexto, e nos atinge de modos mais ou menos visíveis, mas sempre violentos. Como as injustiças sempre me perturbaram, agir tornou-se o único caminho.

Por que sentiu necessidade de fundar a associação Mulheres na Arquitectura?
A Mulheres na Arquitectura surgiu em 2017 para responder à consciência que 9 mulheres tinham de que nem a profissão tratava de igual modo mulheres e homens, nem as cidades e a arquitetura estavam pensadas e construídas tendo em conta as necessidades, aspirações e direitos de mulheres, raparigas e meninas. Ou seja, nós aprendemos a projetar, projetamos e construímos os espaços em que habitamos pensado num suposto neutro, um falso neutro, que, na verdade, reproduz uma ideia de indivíduo que exclui parte significativa da população. É nessa linha cruzada, entre espaço (arquitetónico ou urbano) e direitos das mulheres, que nos colocamos.

As mulheres têm de ser duas vezes mais competentes que os homens para serem consideradas para um posto?
A matriz de avaliação que as mulheres estão sujeitas, nas suas vidas pessoais e profissionais, é muito mais dura e exigente do que a que avalia os homens; o chamado duplo padrão. Quando observamos os nossos percursos, surge muitas vezes a perceção de que nunca somos ou fazemos o suficiente. Porque fomos sociabilizadas para uma enorme autocrítica, por um lado, mas também porque sabemos e vamos experimentando um contexto que nos diz que precisamos fazer mais, fazer melhor ou não estamos à altura. Se juntarmos isto à persistente carga, em horas e energia, que a esfera dos cuidados nos exige, percebemos porque, por exemplo, as questões da saúde mental das mulheres são um assunto fundamental. E a ficção romântica de que somos supermulheres é só um modo de a sociedade patriarcal nos empurrar para a exaustão e aplaudir o nosso cansaço.

As mulheres continuam a ser mais escrutinadas nos seus cargos que os homens?
Desde um ponto de vista empírico, e porque um estudo aprofundado na área da arquitetura ainda está por realizar, eu diria que sim. As narrativas profissionais que vamos ouvindo, de diversas gerações, indicam, por defeito, que as mulheres ainda estão debaixo de maior e mais duro escrutínio. E esto acontece por parte dos pares, dos outros profissionais com quem trabalhamos ou clientes.

Que livro todas as mulheres (e homens) deviam ler?
São seguramente muitos e a escolha é muito difícil. Talvez escolhesse A Criação do Patriarcado (The Creation of Patriarchy, 1986), da Gerda Lerner, porque voltei a ele recentemente e porque é importante para percebemos onde estamos e de onde vimos neste longo processo coletivo onde as mulheres são e foram contruídas como “a outra” e seres de segunda linha.

Que livro sobre igualdade de género que mais a marcou?
As vozes das mulheres trazem-nos, quando viscerais, muito para aprendermos sobre a condição das mulheres e a luta pelos seus direitos. Eu proporia as Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, de 1972. É um mergulho intenso e duro no que éramos, o país e a violência patriarcal, mas que ainda continua profundamente relevante e atual em algumas partes. As 3 Marias levam-nos a uma dimensão de liberdade e opressão sobre nós, os nossos corpos e a nossa existência que continua a inquietar-me.

Uma artista plástica que admire muito
O trabalho da Paula Rego tem uma violência que reconheço como parte da existência e das experiências de vida das mulheres. Faz-me sentir ao espelho do que somos e da sociedade patriarcal em que vivemos. A dureza do que nos conta é a dureza que muitas de nós sentem ou sentiram em algum momento. Descarna e expõe a agressividade sofrida pelas mulheres e que insistimos socialmente em polir e esconder.

A maior conquista das mulheres portuguesas
A maior conquista das mulheres portuguesas foi a democracia e o 25 de Abril de 1974. As mulheres estiveram profundamente envolvidas na luta antifascista, das estudantes às operárias, com elevados custos para elas e para as suas famílias. A democracia trouxe, finalmente, o direito de as mulheres serem cidadãs por inteiro.

E aquela que é urgente reclamarmos?
A luta que precisamos continuar a travar é a concretização e ampliação dos direitos das mulheres que a democracia implicou. Mas, como vimos noutros contextos, não tomar por garantido nenhum direito. Quando se instalam os conservadorismos no Poder os direitos das mulheres são dos primeiros a sofrerem ataques, como temos visto, por exemplo, com o direito à interrupção voluntária da gravidez.

A citação para emoldurar
Porque a autonomia é fundamental para se ser, viver e se transcender, e apesar de aparentar ser óbvio, não o é, escolho a Virginia Woolf: “a woman must have money and a room of her own if she is to write [sing, act, design, be, etc.]”. A Room of One’s Own, 1929

 Uma arquiteta inspiradora
É muito difícil escolher só uma, talvez a Lia Antunes, mas todas as mulheres com quem tenho trabalhado na MA são inspiradoras: lutadoras, generosas, inteligentes e integras. Todas as jovens mulheres com quem me cruzo no ativismo e no ensino são uma enorme fonte de inspiração: capazes, questionadoras, obstinadas e enormemente lutadoras.

A sua maior luta no dia-a-dia
Lutar pelos direitos das mulheres e das raparigas, construir redes de apoio e luta e procurar não baixar a guarda e resistir sempre. Lutar todos os dias pelo nosso direito a existir com dignidade, com direitos e sem medo pode ser desesperante e frustrante, mas não desistir é fundamental.

Uma injustiça que a tenha deixado indignada
É difícil escolher uma quando todos os dias existem milhares de mulheres, raparigas e meninas violadas, agredidas, excisadas, casadas à força, assassinadas, prostituídas, traficadas, silenciadas, forçadas a serem o que não são para sobreviveram.

Palavras-chave

Mais no portal

Mais Notícias

Black Friday 2024: descubra como obter 100% de cashback

Black Friday 2024: descubra como obter 100% de cashback

Amadora BD: Mafalda e muita companhia sob o tema da Humanidade

Amadora BD: Mafalda e muita companhia sob o tema da Humanidade

Estudo científico coloca nova hipótese para explicar a associação entre comer menos e o aumento do tempo de vida

Estudo científico coloca nova hipótese para explicar a associação entre comer menos e o aumento do tempo de vida

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Villa Lena: um retiro criativo na bela região da Toscana

Villa Lena: um retiro criativo na bela região da Toscana

Em “A Promessa”: Laura revela a Miguel o motivo para se casar com Tomás e a reação é inesperada

Em “A Promessa”: Laura revela a Miguel o motivo para se casar com Tomás e a reação é inesperada

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Teatro O Bando - 50 anos a representar nas asas da fantasia

Teatro O Bando - 50 anos a representar nas asas da fantasia

Avião supersónico XB-1 bate novo recorde

Avião supersónico XB-1 bate novo recorde

Na aula de canto

Na aula de canto

Letizia estreia vestido de noite com cristais

Letizia estreia vestido de noite com cristais

Ícone: poltrona Lisboa desenhada pelo designer japonês Keiji Takeuchi

Ícone: poltrona Lisboa desenhada pelo designer japonês Keiji Takeuchi

Festival de caminhadas no Alentejo: Toda a região na ponta dos pés

Festival de caminhadas no Alentejo: Toda a região na ponta dos pés

José Mourinho casou a filha numa luxuosa festa em Azeitão

José Mourinho casou a filha numa luxuosa festa em Azeitão

TPC: Frei Luís de Sousaaa

TPC: Frei Luís de Sousaaa

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Quem tinha mais poderes antes do 25 de Abril: o Presidente da República ou o Presidente do Conselho?

Citroën AMI: nova versão, inspirada no 2CV, chega em 2025

Citroën AMI: nova versão, inspirada no 2CV, chega em 2025

A VISÃO Se7e desta semana - edição 1650

A VISÃO Se7e desta semana - edição 1650

Sinais vitais da Terra mostram nova fase

Sinais vitais da Terra mostram nova fase "crítica e imprevisível"

De Nova Iorque para Lisboa, o que traz o Tribeca Festival

De Nova Iorque para Lisboa, o que traz o Tribeca Festival

Como saber se a sua password do Portal das Finanças está comprometida e como a alterar

Como saber se a sua password do Portal das Finanças está comprometida e como a alterar

Guia de essenciais de viagem para a sua pele

Guia de essenciais de viagem para a sua pele

Soundbar Arc Ultra é a nova 'máquina sonora' da Sonos

Soundbar Arc Ultra é a nova 'máquina sonora' da Sonos

Letizia rendida à cor que é a tendência deste outono

Letizia rendida à cor que é a tendência deste outono

Regulamento 'Miúdos a Votos' 2024-25

Regulamento 'Miúdos a Votos' 2024-25

William mostra o seu lado mais divertido e desportista numa ação com crianças e adolescentes

William mostra o seu lado mais divertido e desportista numa ação com crianças e adolescentes

Robô Atlas ‘recebe’ cérebro de Inteligência Artificial

Robô Atlas ‘recebe’ cérebro de Inteligência Artificial

VOLT Live: Rafael Monteiro, COO da XPeng Portugal, explica os planos para a marca

VOLT Live: Rafael Monteiro, COO da XPeng Portugal, explica os planos para a marca

Tesla revela Robotaxi autónomo, que deverá começar a ser produzido até 2027

Tesla revela Robotaxi autónomo, que deverá começar a ser produzido até 2027

Porque é que a seguir a grandes incêndios aumenta o risco de inundações com grandes chuvadas

Porque é que a seguir a grandes incêndios aumenta o risco de inundações com grandes chuvadas

Júlia Pinheiro emociona com discurso sobre o casamento da filha

Júlia Pinheiro emociona com discurso sobre o casamento da filha

Douro aterra em Bruxelas para se posicionar como espaço de cibersegurança

Douro aterra em Bruxelas para se posicionar como espaço de cibersegurança

Amadora BD:

Amadora BD: "Todos os personagens e histórias presentes nas exposições encerram valores humanos"

Aproveite mais, limpe menos. Quando a loiça deixa de ser um problema

Aproveite mais, limpe menos. Quando a loiça deixa de ser um problema

Mary da Dinamarca deslumbra num vestido assimétrico de veludo

Mary da Dinamarca deslumbra num vestido assimétrico de veludo

Desfile de famosos na ModaLisboa

Desfile de famosos na ModaLisboa

Victor Ambros e Gary Ruvkun são os vencedores do Nobel da Medicina

Victor Ambros e Gary Ruvkun são os vencedores do Nobel da Medicina

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

Do discurso à ação: o que trazem as novas regras do mercado voluntário de carbono?

Do discurso à ação: o que trazem as novas regras do mercado voluntário de carbono?

Wiimer lança iniciativa Dots of Change para apoiar organizações da economia social e ambiental

Wiimer lança iniciativa Dots of Change para apoiar organizações da economia social e ambiental

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

Han Kang, Nobel de Literatura: A nossa humanidade

Han Kang, Nobel de Literatura: A nossa humanidade

Dona Ermelinda faz parte da sua vida!

Dona Ermelinda faz parte da sua vida!

Em “Senhora do Mar”: Alex tenta arranjar aliado contra Joana mas falha o plano

Em “Senhora do Mar”: Alex tenta arranjar aliado contra Joana mas falha o plano

Manchas escuras? Como cuidar das hiperpigmentações do corpo, mesmo na pele sensível

Manchas escuras? Como cuidar das hiperpigmentações do corpo, mesmo na pele sensível

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites