Porque não estão nas ruas?” A pergunta é legítima. Tina Sabounati, 41, há mais de seis meses em Portugal, questionava como conseguíamos sobreviver, considerando os nossos rendimentos, os preços das casas e de tudo o resto, e indigna-se perante o nosso encolher de ombros. “Se não lutam pelos vossos direitos porque é que haviam de lutar pelos direitos dos outros?” Nesta área, a ativista germano-iraniana não tem telhados de vidro. Em Lisboa, fundou a Associação da Comunidade Iraniano-Portuguesa e nos últimos meses, tanto em nome da Associação como em nome próprio, tem-se desdobrado numa séries de eventos, entre protestos, petições, palestras, qualquer que seja a iniciativa que sirva para, cá ou lá fora, chamar a atenção para a causa do povo iraniano e a violência que sobre ele comete a República Islâmica. “Apesar de todos os nossos esforços, tem sido um desafio conseguir que as pessoas, especialmente os políticos, nos ouçam. O primeiro-ministro, António Costa, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros não têm sido muito prestáveis e escondem-se atrás da União Europeia.” ‘Mulher, Vida, Liberdade’, o slogan de uma ‘campanha’ que beneficia da vasta experiência de Tina Sabounati na área do marketing, uma mais-valia na hora de passar a mensagem e atingir o seu objetivo: ‘que a comunidade internacional finalmente aja em conformidade com as suas palavras’. A culpa existe, por não estar no Irão a lutar, mas conforta-a saber que cá fora é livre para contar a verdade e que as suas ações dão alento a quem arrisca a vida lá dentro. E a Diáspora tem feito as suas conquistas. “Agora temos uma coligação de oposição que pode servir de interlocutor com os governos internacionais.” A morte da jovem iraniana Mahsa Amini às mãos da ‘polícia da moralidade’, em setembro do ano passado, ateou a chama do ativismo que há muito deflagrou no coração de Tina Sabounati. O racismo de que foi alvo durante a infância na Alemanha – para onde escapou com os pais – foi a sua primeira causa e dele continua a fugir, protegendo agora, com unhas e dentes, o seu filho, Nima, de cinco anos. Foi também por ele que escolheu Lisboa e com ele sonha um dia voltar ao Irão. “Acredito que vamos ganhar.”
Mudou-se para a Alemanha quando tinha cinco anos, lembra-se de Teerão?
Mais o último ano em que lá estive. Estávamos em guerra – nasci durante a guerra Irão-Iraque. Lembro-me do apartamento, da rua onde estava sempre com a minha melhor amiga. Tenho boas memórias, mas muitas delas foram ofuscadas pela guerra. Lembro-me de estar muito tempo no bunker, das bombas. Só mais velha é que percebi que estava tudo cá e que tinha algum tipo de trauma.
Lembra-se do dia em que deixou o Irão?
Os meus pais apenas disseram que íamos de férias. Lembro-me de achar estranho estarem todos a chorar.
E como recorda o campo de refugiados?
Foi difícil, principalmente porque via como a minha mãe estava a sofrer. Para as crianças era diferente, porque havia outras crianças, brincávamos. Claro que estranhei, e não tinha os meus brinquedos. A minha mãe conta que ao princípio estava sempre a perguntar pelos meus brinquedos. Em criança não temos tanta consciência de que estamos a deixar o nosso país. Só em adulta é que tive sempre aquela sensação de nunca me sentir em casa.
E o seu pai?
Foi connosco para a Alemanha, mas voltou por causa do serviço militar. A ideia era ir só resolver umas coisas e buscar algum dinheiro, mas não percebeu que quando nos candidatamos ao estatuto de refugiados, se voltarmos ao país de origem já não podemos regressar. Os meus pais achavam que se tivessem dinheiro não teriam de ficar no campo, mas não funcionava assim. Eles não falavam a língua e ninguém lhes explicou convenientemente. O meu pai não voltou e eu cresci com a minha mãe e o meu irmão, que na altura só tinha 9 meses.
Deve ter sido ainda mais difícil para a sua mãe…
Ver os meus pais a abrir mão de tudo foi incrivelmente difícil. A minha mãe fazia parte da classe alta iraniana e foi para a mais baixa das classes sociais alemãs. Estudou finanças e trabalhava no banco Melli, o banco estatal iraniano, mas quando foi para a Alemanha nenhuma das suas habilitações eram reconhecidas. Teve de aceitar todo o tipo de trabalhos. Depois acabou por correr bem, mas até lá foi financeiramente difícil.
A minha mãe ainda sente falta do Irão, mesmo depois de 35 anos na Alemanha. Pensou voltar o ano passado, mas depois aconteceu o que aconteceu, o meu ativismo tornou-se ainda mais intenso e agora é impossível ela voltar, não é seguro.
E a Tina já voltou ao Irão?
Ia lá todos os verões para visitar familiares. Quando estou no Irão, sou a estrangeira, a alemã, mas lá sinto-me bem. Na Alemanha, sempre senti que tinha alguma coisa a provar e no Irão não.
Como foi crescer na Alemanha?
A Alemanha não é o sítio mais fácil para os estrangeiros. Mas a minha mãe sempre fez questão de que me desse com os alemães, para aprender a falar a língua sem sotaque, ela pensava a longo prazo.
E entrou logo para a escola?
Estive seis meses num infantário e depois fui para a escola, sem falar alemão. Era numa zona privilegiada.
Sempre tive de trabalhar muito para estar ao mesmo nível. Mesmo os professores não me avaliavam da mesma forma. Se houvesse lixo no chão, eles mandavam-me apanhar, e muitas outras coisas do género. Foi por isso que me tornei ativista contra o racismo.
Quando começou a usar a sua voz?
No liceu. Os alemães adoram dizer que não temos um problema com racismo, mas temos… E é muito específico. Na altura em que eu estava a crescer a cor não era tanto o problema, era mais o país. Um negro da América era diferente de um negro de qualquer país africano. Ou se fosse um ‘castanho’ do Brasil não havia problema, mas se fosse do Médio Oriente… Na minha infância os iranianos ainda tinham uma cotação alta – é horrível dizer isto – comparativamente aos marroquinos ou turcos. Porque na memória das pessoas ainda estavam os tempos do Xá.
Na altura, não havia assim tantos estrangeiros nas escolas – na minha, com 3 mil alunos, éramos 10. A Alemanha tem um sistema de ensino diferente. Depois do primeiro ciclo encaminham-se os alunos para escolas diferentes, são os professores que escolhem. Só o gymnasium permite aceder à universidade. E a maior parte dos estrangeiros não são encaminhados para o gymnasium. O sistema é o mesmo para alemães e estrangeiros, mas é preciso entender que o ponto de partida é muito diferente, não começam todos ao mesmo nível.
Mas a Tina conseguiu…
Eu tinha apoio, a minha mãe dava muito valor à educação e era muito rígida em relação a isso. E tive o apoio da minha professora no primeiro ciclo. Depois do primeiro ano, todos os miúdos do campo de refugiados, menos eu, ficaram retidos. Ela achou que era só uma questão de insistir na língua. Falou com a minha professora de tempos livres e enquanto os outros miúdos brincavam havia uma senhora que ficava comigo a ler livros – e até hoje estou-lhe muito agradecida porque passei a adorar livros. Mas na escola havia muito bullying – embora na altura não lhe chamássemos isso. Quando parti a perna, no cartão que a escola enviava para casa a dizer ‘rápida recuperação’, os miúdos escreviam ‘fica em casa, não voltes’. E quando voltei empurravam-me nas escadas.
E tudo isso fez com que nascesse em si uma ativista…
Aos 16 anos, fiz um ano de intercâmbio com os EUA e lá, na Carolina do Sul, frequentei uma escola em que mais de 85% dos alunos eram afro-americanos. Foi aí que compreendi verdadeiramente o fenómeno da discriminação racial e comecei a levantar a minha voz. Quando regressei à Alemanha, comecei a dar workshops e a trocar ideias com os meus professores. Depois, na universidade, fiz parte de grupos de estudantes.
Porque trocou o Direito pelo Marketing?
Fui para Direito porque tinha uma visão idealista do que um advogado pode fazer que não corresponde minimamente à realidade. O direito é muito corporativista, mesmo quando queremos trabalhar com direitos humanos… Além disso, eu precisava de fazer dinheiro, porque a certa altura a minha meia irmã – a minha mãe voltou a casar-se – veio viver comigo. Por isso entrei no mundo dos eventos e quando tinha 24 anos uma grande agência de marketing desportivo ofereceu-me emprego. Fui rapidamente promovida e aos 30 já era gestora sénior. O marketing desportivo é futebol, boxe, fórmula 1, eu era a única mulher. Tornei-me muito dura. Por vezes, ficamos iguais aos homens e porque é que precisamos de ser iguais a eles? Acabei por me despedir.
Porque se despediu?
Passava a vida a viajar, era muito duro. As pessoas pensam que é só glamour, porque passamos a vida com as estrelas do futebol, mas todos conhecemos a FIFA… É importante sentirmo-nos em paz com o que fazemos e a certa altura começou a haver incompatibilidade entre os meus valores e o que eu estava a fazer. Depois de me despedir, vivi tempos muito difíceis, estava a passar por um burnout e encontrava-me numa má relação. Durante um ano lutei contra a depressão – e é por isso que uma das minhas causas é também a saúde mental. Na comunidade iraniana ninguém fala de saúde metal. E também não se fala de trauma transgeracional – a minha avó foi obrigada a casar-se aos 11 anos! Tantas coisas aconteceram na minha vida, sou uma pessoa forte e resiliente, mas a saúde mental foi a única coisa que me conseguiu deitar abaixo.
E como foi parar à África do Sul?
Fui lá durante o mundial de futebol de 2010, e adorei. Pela primeira vez em muito tempo senti-me melhor. Costumo dizer que a África do Sul salvou-me. Era para ser três semanas, foram três meses e depois regressei, candidatei-me a um visto e fiquei. Abri a minha própria agência de marketing desportivo.
Depois engravidou…
A certa altura decidi que queria começar uma família, mas eu e o pai do meu filho separámo-nos no início da minha gravidez. Primeiro pensei em ter o Nima nos EUA, mas a questão da raça voltou a surgir. A África de Sul fez de mim uma guerreira – há muita violência contra as mulheres e continua a haver muitos problemas de racismo. Os meus amigos negros costumam dizer que eu faço mais barulho que eles, mas eu também cresci com a questão do racismo. Posso não ser tão escura e nunca saberei exatamente como se sente um negro, mas conheço uma parte. O pai do meu filho é sul-africano, negro, e o meu filho também. Quando estive nos EUA, percebi que jamais deixaria o meu filho crescer ali. O Nima nasceu na Alemanha, mas eu também já não me consegui voltar a adaptar.
Porquê?
A Alemanha é um excelente país para fazer dinheiro, mas não é um país para se ter qualidade de vida.
Quando o Nima tinha três anos, tivemos alguns incidentes, chamavam-lhe nomes nos transportes públicos, por exemplo… E eu não quero que ele sofra o que eu sofri. Para ele vai ser ainda mais difícil.
E porque escolheu Portugal?
Sempre adorei Portugal. Falei com alguns amigos – jogadores que tinham vivido em vários países e eles disseram-me para não ir para Espanha, Itália ou França. Que se eu tivesse de escolher entre os países do Sul, Portugal era a escolha mais acertada, que cá também havia racismo mas que não era comparável.
É difícil ser mãe solteira?
Sim. A minha prioridade é o meu filho e, embora todos os pais tendam a pôr os interesses dos filhos à frente dos seus, provavelmente eu faço-o em demasia.
Entende melhor a sua mãe agora?
Durante a infância questionava porque é que não tínhamos ficado no Irão. Mas quando falo com familiares que estão lá, há uma tristeza… A minha mãe saiu do Irão poucas semanas antes de eu ter de começar a usar o hijab obrigatório. Só posso estar agradecida de ter tido esta oportunidade. Agora, percebo melhor por que se fazem tantos sacrifícios.
Continua a trabalhar em marketing?
Antes de vir para Portugal comecei a focar-me mais no empoderamento feminino. Mas desde a morte de Mahsa Amini que não tenho conseguido trabalhar. O que aconteceu a Mahsa provocou algo em mim, até aqui não sabia o quanto ainda estou conectada ao meu país de origem.
E como se envolveu no ativismo em Lisboa?
Já estava cá quando tudo aconteceu e sentia que tinha de fazer alguma coisa. Vi um poster a anunciar o protesto de Lisboa, fui e perguntei aos organizadores o que podia fazer para ajudar. Tenho um mindset diferente do deles, cresci na Europa e o meu objetivo é conseguir que os europeus compreendam o que está a acontecer no Irão e que os governos deixem de legitimar o governo iraniano. Esta é a diferença entre a minha abordagem e a dos iranianos que acabaram de chegar. Tenho experiência em marketing e sei como passar a mensagem, falar com a imprensa e tive a sorte de conhecer pessoas que me puseram em contacto com alguns políticos. Comecei a fazer posts no Instagram e as pessoas no Irão começaram a enviar-me mensagens – eram mães de prisioneiros, pediam ajuda, queriam que eu fosse a voz delas… Mas eu não sou influencer, não tenho esse alcance… Comecei a falar com outros ativistas, organizámos protestos e a imprensa começou a interessar-se. O movimento cresceu, mas ainda sinto que estamos a falar com as paredes. As pessoas ainda acham que é só sobre o hijab, que tudo pode voltar ao normal. Eles mataram mais de 500 pessoas, e 20 mil, sobretudo jovens, estão na prisão. Esperam mesmo que voltemos atrás?
E o suposto fim da polícia da moralidade?
Fizeram uma declaração a dizer que a polícia da moralidade tinha sido desmantelada e de repente políticos e jornalistas estavam a ligar-me a dizer que tínhamos ganho. E eu pensei, ‘estão a falar a sério’? Agora ainda é pior. Quem não usa o hijab não pode comprar determinadas coisas, por exemplo, estão a envenenar as raparigas na escola… Lamento dizer, mas estou tão desiludida com os media, estou a fazer o vosso trabalho! Não deveria ter de ser eu a postar todos os dias no meu Instagram notícias sobre o que está a acontecer no Irão e a desmascarar fake news.
A mensagem não está a passar?
Deixe-me dar-lhe um exemplo que para mim foi bastante esclarecedor. Num jantar falava com alguém – português – que considerava um aliado, sobre a possibilidade de se expulsarem os diplomatas que apoiam a República Islâmica. A pessoa voltou a dizer o mesmo de sempre, que não era assim tão fácil, e eu voltei a dar o exemplo da Rússia. Por fim, a pessoa respondeu: “Mas não podemos comparar, é a Ucrânia que é aqui mesmo ao lado.” E nesse momento lá estava o racismo que sempre combati.
E as pessoas precisam de perceber que muitos dos problemas que existem no Médio Oriente e na África foram provocados pelos EUA e pela Europa. Especialmente no Irão, estamos onde estamos por causa da interferência de outros países.
Refere-se à revolução de 1979?
Também. Claro que sob o Xá as coisas não eram maravilhosas, não faço parte do grupo de pessoas que glamouriza o Xá. Era um sistema totalitário, as pessoas queriam democracia, algo que já tinha começado com Mohammed Mossadegh. Mas para mim é demasiada coincidência: o aumento dos preços do petróleo, as notícias sobre as economias americanas e britânicas estarem à beira do colapso. As pessoas acham que a revolução foi delas, mas foi feita com interferência externa. E depois a França faz voltar Khomeini. No momento em que ele se senta no avião, na sua primeira entrevista, perguntam-lhe ‘o que é que sente quando pensa no Irão’ e ele responde ‘nada!’. Nessa altura toda a gente devia ter percebido que ele não queria saber.
O ocidente não está a fazer a sua parte?
Depois do 11 de Setembro, os EUA e a Europa usaram a guerra contra o terrorismo para invadir uma série de países no Médio Oriente. Sempre se falou na necessidade de combater o terrorismo, a República Islâmica patrocina a maior parte dos terroristas e está a cometer ela própria atos de terrorismo. Estamos só a pedir que classifiquem o Corpo de Guarda Revolucionário Islâmico como grupo terrorista. E a Europa está a dizer que não?! Destruíram a Síria, o Afeganistão, o Irão, em nome do combate ao terrorismo para quê? Isto mostra que era uma mentira. Os portugueses, os alemães… estão descansados, mas têm de saber que os seus governos estão a negociar com estas pessoas… Todos queremos uma boa vida, uma economia boa, mas acredito que os humanos cuidam naturalmente dos outros humanos e não querem que eles sofram. Se eu perguntasse na rua às pessoas se preferiam pagar mais um euro de gasolina ou continuar a ver meninas a serem envenenadas nas escolas, o que escolheriam? Tenho a certeza que escolheriam a primeira hipótese.
Quais são as suas expectativas?
As mulheres no Irão sempre lutaram pelos seus direitos e o governo vai fazendo algumas concessões, mas agora elas não querem o regime, querem igualdade, e os homens estão com elas. Neste momento é uma revolução pacífica, não usamos armas e não temos a força militar do nosso lado. As pessoas estão a fazer greves, a levar a economia da República Islâmica à beira do colapso, e isto é o que se pode fazer internamente. Externamente, nós dependemos dos governos internacionais. Se, por exemplo, o acordo nuclear com o Irão (JCPOA) for avante [e as sanções terminarem], eles terão dinheiro outra vez, e poderão pagar aos estrangeiros que integram o Corpo da Guarda Revolucionária, libaneses, iraquianos, afegãos, etc. Se eles não lhes puderem pagar, eles não vêm e será mais fácil as pessoas conseguirem uma mudança a partir de dentro.
Os iranianos não pedem intervenção externa, não queremos intervenção militar, não queremos dinheiro. Estamos só a pedir que parem de negociar com o Regime Islâmico.
A solidariedade internacional é só fachada?
A ministra dos Negócios Estrangeiros da Bélgica cortou o cabelo e agora foi reunir com o homólogo iraniano. Por isso, há muita hipocrisia.
O que acontecerá se/quando o regime cair?
O plano é ter um regime interino e assim que a oposição for libertada haver eleições. Há um documento escrito pela Diáspora em colaboração com as pessoas do Irão. Será uma transição gradual para a democracia. Até pode ser uma monarquia constitucional, mas ainda assim uma democracia. O que está a preocupar as pessoas é o exemplo da Primavera Árabe, mas nós queremos afastar-nos da religião, queremos um sistema secular. As pessoas têm de parar de nos comparar com o resto do Médio Oriente, porque somos muito diferentes dos árabes. A nossa cultura é diferente, as nossas raízes não têm por base o Islão, mas o que conseguiu a República Islâmica nestes últimos 44 anos foi fazer com que as pessoas acreditassem que o Irão era só isso, um país fundamentalista, com religiosos loucos, e não é assim.
Tem medo que o assunto perca força?
Estão todos à espera que a revolução morra. Mas desta vez isso não vai acontecer, a Diáspora não o vai permitir. No momento em que deixarmos de falar sobre o assunto, os que estão na prisão serão mortos. A República Islâmica está a criar a sua própria Internet para controlar as pessoas, compraram a tecnologia de reconhecimento facial e vão encontrar e perseguir todas as pessoas que estavam nos protestos, no Irão e fora dele. Já há ameaças de morte feitas à Diáspora…
Sente que corre risco de vida?
Fui aconselhada a não viajar para o Médio Oriente e para a Turquia. Tenho um passaporte alemão e eles adoram raptar as pessoas que têm dois passaportes porque usam-nos como moeda de troca. Um ativista iraniano/alemão/americano foi raptado no Dubai com 61 anos – nunca tinha regressado ao Irão desde que saiu, aos 7 anos. Fazia uma viagem de negócios à Índia e fez escala no Dubai. Acabaram de o condenar à morte.
Penso na minha segurança, especialmente por causa do meu filho. Estou consciente que o meu nome está lá fora, mas genuinamente acredito que vamos ganhar.
Alguma vez se sente culpada de não estar lá a lutar?
Acho que é um problema comum a toda a Diáspora. Não conheço nenhum iraniano que não se sinta culpado. Mas também quero dizer aos meus compatriotas iranianos na Diáspora, aqueles que não estão a fazer nada, que deviam ter vergonha. Mesmo que pensem que não estamos a ajudar, não se esqueçam de que as pessoas do Irão veem o que estamos a fazer e isso dá-lhes força.
Os homens estão nesta luta?
É um movimento liderado por mulheres. Há sempre mais mulheres a protestar porque o mundo está feito para os homens, especialmente no Médio Oriente. Embora no Irão os homens também sejam oprimidos, não podem usar calções, ouvir música… Não são livres. Não estaríamos aqui se não fossem as mulheres, mas os homens também sacrificaram muito – a maior parte dos que foram executados e detidos são homens. Em Portugal são mais mulheres, mas é também porque os media gostam dessa narrativa. É mais fácil do que falar novamente na morte de homens no Médio Oriente – isso já não é novo.
Qual é o seu maior sonho?
Que o Irão seja livre, que o próximo governo seja realmente democrático e que finalmente consigamos encontrar a paz e viver no nosso país como é suposto vivermos. Adorava voltar durante pelo menos alguns anos, para regressar à minha cultura e para o meu filho poder conhecê-la – neste momento, o facto de ter tido um filho com um homem não muçulmano dá direito a pena de morte. Mas também sou europeia – não vou mentir –, acho que dividiria o meu tempo. Também sonho com o dia em que não haverá problemas de racismo dentro do Irão, porque aí também há um longo caminho a percorrer.