Foto: Rodrigo de Souza

Irina de Oliveira é bailarina solista na Companhia Nacional de Bailado (CNB), onde dança há 22 anos. Aos 40 e com dois filhos, fala-nos das alegrias e dos desafios da sua profissão.

Como e quando se apaixonou pela dança?  

Não me lembro de alguma vez não ter sido apaixonada pela dança. A sério! Desde que me lembro que digo que quero dançar. Como um verdadeiro amor, ao longo do tempo, essa paixão vai-se alterando, amadurecendo mas é um fogo que, pelo menos para mim, não se extingue.

O que considerou mais difícil na sua formação?

Ser uma miúda e lidar com professores(as) que não o são por vocação. Professores(as) que se esquecem do poder que têm as suas palavras e ações. A quem o privilégio de formar novos artistas era muitas vezes confundido com uma carta branca para poder despejar as suas frustrações e limitações próprias. Felizmente tive poucos desses e muito bons mestres, verdadeiros artistas, que enriqueceram o meu percurso, não só como bailarina mas como pessoa também.

O melhor e o pior de dançar em Portugal?

O melhor é sem dúvida poder fazê-lo perto dos que amo e sentir que estou a contribuir para a dança em Portugal. Poder constatar que temos talentos incríveis a surgir de vários pontos do país. Infelizmente, as saídas a nível nacional são escassas. A falta de apoios a companhias que já deram provas da sua qualidade ao longo dos anos, quer nacional quer internacionalmente, é chocante. Talvez por isso também considere que o pior seja ter que, ainda nos dias de hoje, lutar para que se reconheça a arte, em geral, e a dança – quase como a parente pobre dessa família – como uma profissão séria, um elemento imprescindível na identidade e na formação de indivíduos, no crescimento e identidade de uma nação. 

Foto: Ana Rocha Nené @cachondaproduction

Uma bailarina tem de obedecer a certos padrões do ponto de vista físico ou os padrões estão a mudar?

No bailado clássico há sem dúvida um padrão estético mais vincado. Já não estamos num extremo de magreza que se sobreponha à performance, mas há ainda uma figura de elegância e delicadeza que a maior parte espera encontrar quando vem assistir a um bailado clássico. Ainda assim, quer no clássico, quer no contemporâneo, o artista, a sua capacidade de movimento e de conseguir ‘tocar’ o público, fazem com que a sua figura passe para segundo plano. Quando termina o espectáculo – esperamos -, não é disso que o público se vai lembrar mas sim se conseguimos criar com as pessoas uma ligação, fazer com que se emocionassem, levá-las connosco nessa viagem.

Quão importante é a disciplina na carreira de uma bailarina?

Extremamente importante. Atrever-me-ia a dizer que é talvez o mais importante na nossa carreira. Somos todos humanos e obviamente há dias mais fáceis que outros, mas, dando apenas um exemplo: todos os dias começamos o dia de ensaios com a nossa aula de ballet diária. Não estou a falar apenas nos anos de formação. Estou a falar de toda a carreira profissional. Mesmo quando na noite anterior tivemos espectáculo e teremos novamente nesse dia. Independentemente de tudo, a aula é essencial. Fora todo o trabalho complementar de reforço físico ou recuperação que, como se poderá entender, tem que ser feito consistentemente.

Como lida com a pressão, física e psicológica?

Tendo a certeza que todos os dias sou honesta comigo e com o meu trabalho. Qualquer que seja o meu estado físico e anímico, dou sempre o meu melhor. Felizmente, ao longo dos anos, também me fui cruzando com mestres, colegas, fisioterapeutas, excelentes pessoas e profissionais que me ajudam a ultrapassar os momentos mais difíceis. Uma boa rede de apoio é uma mais valia em qualquer campo da nossa vida.

 Foto: Susana Pereira

Durante a sua carreira, houve algum espetáculo que a tenha marcado especialmente?

Felizmente tenho a sorte de ter, ao longo destes 22 anos na CNB, uma carreira preenchida por excelentes memórias. É impossível escolher um! Dancei grandes clássicos que me encheram o coração. Tive espectáculos que me levaram a ultrapassar limites físicos que acreditava que tinha, coreógrafos com quem criei peças de raiz que me fizeram crescer como mulher, coreógrafos que com a sua abordagem me permitiram explorar e obrigaram a sair da zona de conforto, o que no fim me permitiu viver novas experiências em palco. E tive também maravilhosos artistas que ao partilharem o palco e o momento, dançando e interagindo comigo, me marcaram para sempre.

Ter filhos é uma decisão difícil para uma bailarina?

Sim. Creio que para qualquer mulher é uma decisão que não é tomada de ânimo leve mas no nosso caso, que trabalhamos com o corpo, é ainda mais difícil. Tive uma colega que me disse, quando fiquei grávida do meu primeiro filho: “tens que estar preparada para nunca mais dançar.” Fiquei chocada mas depois percebi que ela tinha razão. Nós não sabemos como vão correr as coisas, quer na gravidez, quer no parto, quer até na recuperação para voltar à dança. O corpo passa por uma enorme transformação. E mais uma vez a disciplina é essencial para o regresso. Quanto à gestão de tempo, faço como todas as mães, o melhor que posso e consigo. O facto de ter uma excelente rede familiar permite-me estar mais descansada quando tenho espectáculos ou tournées, por exemplo, porque entre pais, tios e avós, há sempre alguém que pode ajudar. Não é fácil mas vale muito a pena! Não só os filhos vêem uma mãe que ama o que faz, como a bailarina/mulher está agora mais completa por ter sido mãe.

Quando decide uma bailarina parar de dançar?

Estou neste momento a recuperar da minha segunda gravidez. Ainda não sei se conseguirei recuperar a 100% (os 40 já não são os 30 do primeiro), mas estou muito focada a trabalhar para isso. Tive um professor – mais tarde fomos colegas – que sempre me cuidou muito e que me disse: “primeiro tens que estar em forma, mesmo, e só depois decidir se queres ou não parar”. Infelizmente já não está entre nós mas continuo a ouvir a sua voz e a seguir o seu conselho. Martha Graham, que foi bailarina e coreógrafa de renome internacional, tem uma frase muito bonita sobre este assunto: “uma bailarina morre duas vezes, a primeira quando deixa de dançar, e esta primeira morte é a mais dolorosa”. Acredito que quanto mais plena for a nossa carreira e a nossa vida, mais em paz estaremos na hora de parar, mas quando se ama o que se faz nunca é fácil.

Quais os seus planos para o futuro em termos profissionais?

Para já, o meu foco está na minha recuperação e no regresso aos palcos. O resto ainda não está definido.


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