Rita Lee morreu esta segunda-feira, 8 de maio, aos 75 anos. Após a confirmação da notícia, por parte da família, coube à imprensa a tarefa hercúlea de resumir a vida e carreira da rainha do rock brasileiro, bem como de transmitir o legado desta figura revolucionária às gerações mais novas.
Nascida em 31 de dezembro do ano de 1947, em São Paulo, Rita Lee Jones de Carvalho começou por ser conhecida como a vocalista da banda Os Mutantes. Porém, foi o salto para uma carreira a solo que consolidou o seu estatuto de lenda.
Cantora e compositora, multi-instrumentista, atriz, escritora e ativista, participou em importantes movimentos culturais e sociais do país que a viu nascer, e antecipou tendências do rock, disco e pop, mantendo-se relevante por mais de cinquenta anos.
Música
Rita Lee foi apresentada ao Brasil na estreia do programa “O Pequeno Mundo de Ronnie Von”, da TV Record, em outubro de 1966, quando Os Mutantes fizeram a sua primeira apresentação num canal de televisão. A partir desse momento, a menina magra de cabelos compridos e franja pela altura dos olhos começou a destacar-se pela voz distinta e presença de palco.
A vocalista acabou por ser expulsa do grupo em 1972. “Depois de passar o dia fora, chego ao ensaio e deparo-me com um clima tenso. Até que o Arnaldo [Baptista, seu ex-marido] quebra o gelo, toma a palavra e me comunica (…) ‘Decidimos que a partir de agora estás fora D’Os Mutantes, porque queremos seguir na linha progressiva-virtuose e não tens calibre como instrumentista”, relembrou a estrela no livro “Rita Lee: Uma autobiografia”.
Como resposta, formou a própria banda de apoio, os Tutti Frutti, e lançou “Fruto Proibido”, um dos discos mais importantes da história do rock brasileiro.
Feminismo
Segundo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), a entidade brasileira responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das músicas aos autores e demais titulares, Rita Lee deixou um repertório de 324 obras musicais e 642 gravações registadas no banco de dados da gestão coletiva no Brasil.
Sem pudores, e desafiando a Ditadura Militar, usou a voz para abordar temas como a igualdade de género, a liberdade sexual e o empoderamento feminino em letras disruptivas para a época extremamente conservadora em que lançou a carreira a solo. Nas composições em coautoria o segundo marido, o baterista Roberto de Carvalho, gritava ao mundo que as mulheres gostavam, sim, de sexo, detalhando o amor tórrido do casal. Numa entrevista antiga, chegou a dizer que era como se deixassem o mundo espreitar pela fechadura.
Lee é a mulher que mais vendeu discos no Brasil, ultrapassando os 55 milhões de cópias vendidas, e também tem o título de artista mais censurada pelo antigo regime, que durou entre 1964 e 1985. Consciente de que estava à frente do seu tempo, recentemente, confessou gostar mais de ser conhecida como a “Padroeira da Liberdade” do que como a rainha do rock.
Moda
A rebeldia e autenticidade de Rita Lee ultrapassaram a música e transformaram-na num ícone de moda. No início da carreira, tinha um estilo boho, fazendo referência ao movimento americano iniciado pelos hippies nos anos 1960. Era ela que idealizava os figurinos extravagantes d’Os Mutantes e conseguia unir com mestria a essência das músicas com o conceito dos visuais, tanto nas capas dos álbuns como em cima dos palcos.
Ente os seus looks mais icónicos constam um vestido de noiva, que usou no Festival Internacional da Canção e na capa do disco Mutantes, de 1969; um macacão de rede transparente com estrelas de lantejoulas bordadas, que fez furor em 1970; e uma roupa de presidiária, que usou no primeiro espetáculo após ter sido detida pelos militares em 1976.
Com a mudança das décadas e dos ritmos musicais, passou a incorporar elementos do rock internacional no guarda-roupa, inspirando-se em David Bowie e Mick Jagger. Sempre expressiva, transitou do boho para o glam rock dos anos 1980 de forma fácil e divertida. As botas prateadas, furtadas da loja Biba, em Londres, já na era Tutti Frutti, são exemplo disso.
Mais recentemente, era conhecida pelo cabelo vermelho, cortado pelos ombros, peloos óculos de sol com lentes coloridas e pelas roupas relaxadas, que existiam algures entre o feminino e o masculino. Evoluiu sem perder a essência que conquistou os fãs, fazendo questão de expressar personalidade através da moda até ao fim.
Em setembro de 2021, o Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, realizou uma exibição para homenagear o legado de Rita Lee na moda. A Samsung Rock Exhibition Rita Lee contava com 42 figurinos usados pela cantora ao longo da carreira, incluindo as famosas botas de plataforma da Biba.
Na sua autobiografia, escreveu que a sua maior alegria foi ter feito muitas pessoas felizes e que, quando morresse, cantaria para Deus: “Obrigada, Senhor. Finalmente sedada”. Quanto ao epitáfio, decidiu que deveria ser o seguinte: “Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa”.