“O animal que mais medo nos deve meter é o Homem”
“A minha ligação ao mar vem desde pequenina. Não só nasci em Cascais, o que inevitavelmente me liga ao mar, como passava os domingos a ver, fascinada, os programas na tv do Jacques Cousteau, além de que o meu pai fez carreira na Marinha, o que levou a que eu quisesse sempre andar em barcos.
Já mais crescida, o meu coração dividia-se. Queria seguir Ciência, isso era certo, mas estava indecisa entre Enfermagem e Biologia Marinha, e esta falou mais alto talvez por a associar mais à aventura que o mar nos inspira. Foi numa aula de Taxonomia, no segundo ano, que o percurso da minha vida se começou a traçar. O nosso professor incentivava-nos a desenhar as diferentes estruturas do animal que estávamos a observar e percebeu que eu desenhava bem e com bastante pormenor. Resultado, sugeriu que frequentasse um curso de ilustração científica, que me deu muito prazer. Ficou o bichinho.
A minha carreira na biologia marinha foi essencialmente na investigação na área das Pescas, algo que gostava muito porque envolvia matemática e modelação, tínhamos de criar modelos que nos permitem prever o que vai acontecer a um stock de peixes. Gostava do que fazia, mas comecei a fazer cada vez mais ilustrações e um dia convidaram-me para ir trabalhar no Oceanário como ilustradora e educadora marinha, e não resisti. Hoje em dia sou mergulhadora e videografa subaquática no Just Dive Academy, ilustradora – dá-me muito gozo a área da pedagogia, mas sempre ligada ao mundo subaquático, faço muito- s trabalhos ligados a ações de sensibilização e preservação das espécies, e até fundei, com colegas, a associação APECE, dedicada ao estudo e conservação de elasmobrânquios, animais como tubarões e raias. Uma das ações foi sensibilizar quem faz pesca desportiva. Eles apanham muitos tubarões, que são espécies ameaçadas, e conseguimos que, em vez de trazerem os animais para terra para tirar fotografias com um troféu morto, passassem a apanhar, medir, pesar e libertar. Perceberam que assim preservam a vida daqueles animais magníficos. São pequenas vitórias que compensam um pouco o aspeto geral, que é deprimente.
Já nos tempos de faculdade se ouvia falar na sobrepesca e fim de recursos, e eu tento sempre sensibilizar as pessoas, ‘não comprem petinga nem jaquinzinhos, é criminoso, não estão a dar tempo ao peixe para crescer e reproduzir-se’. Bacalhau, sardinha… são tudo espécies em perigo, entristece-me ver que há muito ainda por fazer. Temos mesmo de mudar de hábitos. Outra coisa que muita gente não tem ideia é a poluição sonora. No outro dia ouvi um podcast da revista americana Vox, em que um biólogo marinho contou como durante a pandemia o nível de hormonas de stresse nos tecidos das baleias na costa da Califórnia tinha diminuído substancialmente porque não havia tanta poluição sonora. Eu não tenho filhos, mas quem os tem deve com certeza querer deixar-lhes algo e nada melhor que um planeta lindo e diverso, em que se viva bem. Uma das experiências de mergulho mais inesquecíveis foi na África do Sul, no meio de tubarões brancos, um privilégio que eu não sei se as próximas gerações vão ter.”