As feiras são eventos que desempenham um papel significativo nas comunidades. Isto porque destacam a cultura local, exibindo, produtos artesanato e tradições únicas de cada região. Exemplo disso é a Feira Feita, que junta artesãos-autores com produção exclusiva na Área Metropolitana de Lisboa (AML).

A mostra visa não só apoiar e divulgar quem produz dentro da AML, mas também valorizar a importância de preservar os ofícios e o saber-fazer da malha urbana. A quinta edição decorrerá nos dias 18 e 19 de novembro no mercado de Arroios, entre as 10h e as 19h, com entrada livre.

De destacar o crescimento do evento, a começar pelo maior número de workshops. O público terá a oportunidade de participar em 20 diferentes, mediante inscrição prévia com valor associado, podendo conhecer diferentes locais onde se pode fazer e aprender um ofício. Além disso, contará ainda com mais bancas do que nunca: oitenta artesãos-autores marcarão presença, sendo que metade deles são estreantes. É o caso de Raquel Poço, o rosto e alma por detrás da Raquel Poço Jewellry.

Nas vésperas do arranque da Feira Feita, conversámos com a joalheira portuguesa sobre tudo, desde o caminho sõlido que tem trilhado no mundo da joalharia de autor à importancia de iniciativas como esta para mostrar o que de melhor se faz  na capital.

________________________________________________Um começo improvável

Como é que alguém que vem da área da saúde acaba na indústria do design de joias?

Aconteceu tudo muito naturalmente. Comecei por licenciar-me em Fisioterapia, trabalhei como Fisioterapeuta e fui muito feliz a fazê-lo. Acabei por ter uma lesão na coluna que me impediu de continuar a trabalhar na área de Fisioterapia que eu mais gostava (Neurologia) e, na altura da minha recuperação, descobri o método do Authentic Pilates (pilates com aparelhos), que me ajudou bastante e adorei tudo o que me fazia sentir.

Recuperei a minha vida e, após alguns meses de baixa, resolvi que, se não conseguia ajudar as pessoas na doença, poderia ajudar na saúde. Foi assim que resolvi tirar a formação de Pilates do Authentic Pilates. Posteriormente comecei a trabalhar num dos Estúdios e, como conseguia gerir o meu tempo e a minha agenda, fiz um curso de joalharia como passatempo. Durante o curso, comecei a fazer peças para usar e as pessoas à minha volta gostaram.

O que a motivou a lançar uma marca em nome próprio?

Quando decidi ter uma marca, confesso que não pensei em nada sério. Só queria ter uma página de Instagram para colocar as minhas peças e, para isso, precisava de um nome. Foi aí que resolvi fazer um logótipo com o meu nome. Sempre sem pensar no que poderia acontecer a seguir. Afinal de contas, era feliz a trabalhar como professora de Pilates e a ter tempo para fazer aquilo de que gostava (joalharia).

Antes disso, alguma vez se tinha imaginado como empreendedora?

Não, nunca pensei muito no que queria para futuro. Como sempre trabalhei na área de que gostava, não tinha necessidade de querer fazer outra coisa ou ser empreendedora. Fico feliz que tenha acontecido tudo de forma tão natural.

Teve medo de dar esse salto profissional? Se sim, como o ultrapassou?

Foi tudo muito orgânico. Quando fiquei de baixa pela gravidez da minha filha, tinha mais tempo e resolvi que queria fazer uma sessão fotográfica “a sério” e lançar uma loja online. Aqui, também sempre sem pensar muito no que isto iria dar. A minha filha nasceu, fiz o primeiro shooting e lancei a loja online em plena pandemia. Vendia peças ocasionalmente e, quando chegou o momento de voltar a trabalhar, depois da licença, decidi arriscar e levar a joalharia mais a sério. Claro que tive muitos medos — e continuo a tê-los —, mas, na altura, senti que podia arriscar e assim foi. Fico feliz por tê-lo feito.

________________________________________________A identidade da Raquel Poço Jewellry

Pode falar-nos um pouco sobre a sua filosofia de design e o que torna as suas peças únicas?

Gosto que as minhas peças sejam imperfeitas, com um aspeto inacabado. Costumam ser simples e intemporais, o que faz com que maioria possa ser usada no dia a dia, mas também numa ocasião especial. Gosto que as minhas clientes se sintam mais bonitas e especiais com as minhas peças.

Quais são as principais fontes de inspiração para o seu trabalho?

Inspiro-me em tudo o que me rodeia, no quotidiano. Natureza, mar, formas e texturas de tudo o que se possa imaginar. Adoro tudo o que é trabalho manual e acabo por ir buscar inspiração a outros ofícios, desde a cerâmica, à tecelagem.

Como é o processo criativo de desenvolver uma coleção de joias?

Não é sempre igual. Às vezes, imagino uma peça, ou sonho com ela. Outras vezes, experimento com formas e tamanhos, permitindo sempre que a ideia inicial seja alterada, como, por exemplo, uma ideia que tenho para um colar, que de repente se transforma num brinco. Muitas vezes, volto a coleções antigas e crio peças novas com pormenores diferentes.

Como escolhe os materiais utilizados e quais são as considerações éticas/sustentáveis envolvidas nessa escolha?

Normalmente, trabalho com prata 925 e prata 925 com banho de ouro. O meu fornecedor de prata só trabalha com prata reutilizada e também reutilizo sempre a prata que uso, acabando por não haver desperdício. Também trabalho com ouro, muitas vezes ouro do cliente que transformo numa peça personalizada.

O nosso packaging tem certificação FSC® / FSC Misto 70%. A marca FSC® garante que todos os materiais provêm de uma floresta FSC®, onde não há madeira cortada além da que a floresta pode produzir. Isso significa melhor proteção da fauna e da flora, e que todos os silvicultores têm formação adequada, usam equipamento de segurança e recebem um salário digno.

Quais são os maiores desafios de trabalhar na área das joias de autor?

Agora que começo a fazer algumas peças em ouro, tenho tido alguma dificuldade em arranjar fornecedores que pratiquem valores apetecíveis para quantidades pequenas. Os valores são melhores para quantidades grandes e, para mim, neste momento, ainda não me faz sentido.

Neste campo, sinto mais os desafios por ter uma marca pequena e não por ter uma marca de jóias de autor. Os desafios passam sempre por toda a dificuldade que encontro em querer chegar a todo o lado e não conseguir. Se por um lado adoro criar peças novas, por outro lado, tenho tantas tarefas da marca que, por vezes, nem tenho tempo para me dedicar a essa parte de que tanto gosto. Hoje em dia, é difícil chegar a muita gente através das redes sociais, o que acaba por ser frustrante. É o querer crescer como marca e não conseguir.

________________________________________________Tudo sobre a Feira Feita

Eventos como a Feira Feita podem ajudar a contornar alguns desses desafios?

A Feira Feita é muito importante, por ser uma forma de dar a conhecer o trabalho dos artesãos da zona metropolitana de Lisboa, sem custos de participação altíssimos e com marcas/trabalhos de qualidade. É muito difícil manter uma marca em Lisboa, por tudo o que implica, desde os valores das rendas, às ajudas inexistentes. Acabamos por ser, muitas vezes, tudo o que está por detrás de uma marca/imagem (o que não se vê). Somos quem faz as peças; quem gere as redes sociais; quem faz a contabilidade; quem gere fornecedores, etc.

Ao conseguirmos chegar a mais pessoas, vão ajudar-nos a crescer como marca e a ter, a longo prazo, capacidade para contratar pessoas para as várias necessidades da marca.

Que expectativas tem para a sua primeira participação no evento?

Estou ansiosa para participar no Mercado. Só me falaram bem da edição anterior e quero muito perceber como correrá. Também tenho vontade de conhecer os outros projetos bonitos que vão lá estar.

Qual é a importância da produção local para a sua marca?

Para mim, é importante apoiar outras empresas nacionais e dar trabalho a outros artesãos portugueses. É o que tento fazer: tenho um senhor que me faz a cravação das pedras; outro que faz gravações à mão; uma menina que me ajuda no atelier a fazer stock; e outra menina que me ajuda na minha loja e é o meu braço direito. Grande parte dos meus fornecedores são de Portugal.

Colabora com outros artesãos-autores da área metropolitana de Lisboa?

Fiz uma colaboração com a Ramos Cerâmica, sendo que lançámos um colar e uma caixinha para guardá-lo. Fez todo o sentido, porque adoro o trabalho da Patrícia [Ramos, fundadora] e achei o resultado muito bonito. As nossas peças encaixaram na perfeição.

Com a nova loja [na Rua do Sacramento a Alcântara, 64], tenciono colaborar com mais artesãos, até porque tenho um espaço para fazer workshops e planeio dinamizar o espaço, convidando vários artesãos. Já temos um workshop marcado no próximo dia 8 de dezembro com a marca Luna (wood carving) e a ideia é a pessoa fazer um prato para colocar as suas peças de joalharia/chaves, ou também poderá fazer uma saboneteira. Fica a sugestão para quem tiver interesse.

Para a minha loja também colaborei com a Tosco. A mesa de exposição das minhas peças foi feita pela Joana e as montras foram feitas pelo Gustavo e Tiago da Bosque Concepts — artesãos da área metropolitana de Lisboa. Brevemente farei uma colaboração com a Grau cerâmica, muito diferente do que já fiz. Fiquem atentos para ver o que sairá daqui.

Como dá para perceber, adoro tudo o que é manual. Adoro muitas áreas diferentes e quero muito usar o meu espaço para poder partilhar o trabalho de vários artesãos.

Como vê a evolução do mercado de joias de autor na capital?

Julgo que a tendência é aparecerem cada vez mais marcas de joalharia de autor. É muito interessante ver o trabalho de outros artistas e perceber que há linguagens tão diferentes. O que criamos acaba por ser fruto da nossa visão, forma de estar na vida e gostos pessoais. E há público para todos. Felizmente, as pessoas têm gostos diferentes e usam várias marcas.

Num cenário ideal, o que reserva o futuro para a Raquel Poço Jewellry?

No início deste ano tive um sonho, o de abrir uma loja /atelier ao meu gosto, onde tivesse uma área de trabalho para mim e que tivesse espaço para fazer workshops e partilhar trabalhos de outros artesãos. Apaixonei-me por uma loja e está quase, quase como a idealizei. Está a ser um investimento grande e estou ansiosa para que fique tudo pronto. Isto para dizer que estou a acabar de concretizar um sonho e não pensei muito no que gostaria para o futuro. Antes de mais, gostava de ter muitas visitas nesta nova loja, em que cada pormenor e peça de decoração tem a minha essência. O próximo passo será que a minha marca cresça para fora de Portugal.

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