Jessica Silva: “Sou aquilo que sonhei ser”

Jessica Silva: "Sou aquilo que sonhei ser"
Jessica Silva: “Sou aquilo que sonhei ser”

Não nasceu com a bola nos pés mas é como se o cilindro fosse um prolongamento do seu corpo, tal é a intimidade que tem com o esférico. O pé esquerdo forte traça-lhe o caminho direito numa carreira que, durante muitos anos, pertencia aos homens. As mulheres jogavam à bola, sim, mas não de um modo profissional. Jessica faz parte de uma geração de miúdas que alcançou o sonho de ser jogadora de futebol. Em 2023, as raparigas já podem sonhar com uma carreira no futebol. Graças, também, a ela.

Foi num encontro com um animado grupo de crianças vencedoras do concurso escolar “Tu podes ser o que Quiseres” que estivemos à conversa com a atleta. Jessica Silva, em colaboração com a icónica boneca Barbie, promoveu uma iniciativa cujo intuito passou por destacar a importância da representatividade feminina, inspirando as futuras gerações a sonharem. No fundo, com este projeto a futebolista e a Barbie pretendem que as crianças consigam projetar aquilo que querem ser quando forem crescidas, sem terem quaisquer limitações.

Jessica Silva: "Sou aquilo que sonhei ser"
Foto: D. R.

No concurso “Tu Podes Ser o que Quiseres” lançou-se um desafio a alunos e alunas dos 3º e 4º anos das escolas do país. Para participar bastava fazerem um poster, com quatro figuras femininas relevantes no desporto, e em que, pelo menos uma, fosse portuguesa.  A turma vencedora teria a oportunidade de disfrutar de um dia com a jogadora, na Cidade do Futebol, para uma sessão didática. E foi o que aconteceu. Os alunos da Escola EB Campo de Besteiros, do 3º ano, T08, viajaram até ao vale do Jamor e tiveram oportunidade de conversar, jogar e interagir com a Jessica. A atleta respondeu às mil e uma questões que lhe fizeram e, principalmente as meninas, sentiram-se inspiradas pelo percurso da futebolista que, atualmente, alinha como extremo pelo Benfica e pela seleção nacional.

Jessica, “Tu conseguiste ser tudo aquilo que querias ter sido”?

Sim. Na verdade, ter-me tornado jogadora de futebol profissional foi um sonho alimentado quando cresci. Nunca senti que teria oportunidade para ser jogadora de futebol profissional, mas nasci a gostar de jogar e isto foi evoluindo. Quando me apercebi que podia ser jogadora alimentei esse sonho e tornei-me profissional, que era o meu grande objetivo e, neste momento, sou aquilo que sonhei ser.

Antes de seres jogadora profissional, nunca puseste em causa que não o poderias ser?

Lá está…o futebol cresceu bastante graças ao trabalho que foi feito e que está a ser feito. Mas, sim, era impensável uma menina crescer a dizer que queria ser jogadora de futebol, como acontece com os rapazes. Os miúdos crescem a terem e a verem as referências na televisão e eu não tinha essas referências. Portanto, isso foi um sonho que fui alimentando, porque o futebol também começou a crescer. Assim que percebi que podia ser jogadora profissional trabalhei para conquistar esse sonho.

Tinhas uma ídolo no futebol?

Não. Só com 13, 14 anos é que comecei a ver na televisão. Vi o “Mundialito” que é o Algarve Cup, uma competição disputada aqui em Portugal pelas melhores seleções de futebol feminino do mundo. Lembro-me de ver a Edite Fernandes, a Carla Couto, a Ana Borges, com quem ainda jogo, que eram as minhas referências. Isso alimentou e cativou o meu sonho. E disse ‘Eu quero ser como elas‘. Na verdade, vi alguém próximo, aqui em Portugal, que era profissional, e fez-me acreditar e querer ser como elas. ‘Eu quero chegar à seleção nacional’. Foi graças a essas referências que me ajudaram a criar esta realidade que agora é a minha realidade.

Se tu existisses quando tu tinhas 13 anos, serias uma inspiração para ti mesma?

Sim, a verdade é que sim. Orgulhosamente posso dizer, metendo um bocadinho a modéstia dentro do bolso, que sim. A minha carreira foi toda construida à base de muito trabalho e, naturalmente, toda a gente dizia que eu tinha talento e uma aptidão diferenciada para a prática do futebol. Mas o talento não é suficiente e a verdade é que à parte disso tive também alguns obstáculos, nomeadamente as lesões, o facto de estar longe da minha família, de ter que sair de Portugal para poder ser jogadora de futebol, por exemplo. Ou seja, eu olho para mim e para o meu percurso e vejo, de forma orgulhosa, porque realmente houve muito trabalho e muita ambição, que foi tudo muito bem alinhado na minha cabeça. Independentemente dos obstáculos, nunca desisti. Nunca virei a cara aos desafios que a vida me foi proporcionando. Sinto que agora há miúdas e miúdos que olham para mim e para a minha carreira de uma forma diferente. Com olhos de ver, porque é muito fácil ver quando há conquistas, quando há presenças em grandes competições, mas atrás disso estão muitas batalhas perdidas e muitos jogos perdido. É interessante ver que as pessoas reconhecem que há todo um percurso e todo um trabalho atrás dessas conquistas.

De que é que tu abdicaste para chegares até onde chegaste?

Abdiquei de muita coisa, sobretudo de estar ao lado da minha família. De estar ao lado dos meus irmãos. Nós somos seis. Uma mãe trabalhadora. Uma avó que nos ajudou bastante para que pudessemos ter leite e pão em cima da mesa e um dos meus maiores desafios foi afastar-me e estar longe da minha família. Dos filhos todos eu era a que dizia que iria viver com a mãe para sempre e fui a primeira a sair. Esse foi o meu primeiro obstáculo. Tive que sair de casa muito cedo. Tive que estar fora do colo da minha mãe e dos meus irmãos.

E depois, à parte disso, não estar com os amigos…estar longe daqueles que nós amamos. Na verdade para um jogador de futebol, para onde quer que vá leva a família e nós, enquanto mulheres, não temos essa oportunidade, mas, pronto, cá estou eu…

Sentes que, enquanto mulher, também nesse campo, estás a desbravar caminho?

Sim, claro. Até me custa falar em sacrifícios e em coisas que abdiquei. Que realmente abdiquei. Mas foi algo que fiz com gosto. Talvez faça mais sentido dizer “quem corre por gosto não cansa” porque quero muito quando tiver a minha filha, se ela quiser ser jogadora de futebol, não ter que passar pelas dificuldades e desafios externos ao futebol que eu tive que passar. Quem diz a minha filha diz qualquer mulher, qualquer criança, qualquer miúda que cresça e que queira jogar futebol. Este é o meu papel. Digo muitas vezes, não estou nisto de forma singular, gosto de olhar para a minha carreira e tento, de certa forma, passar uma mensagem e ajudar a que mais miúdas cresçam e queiram ser jogadoras. Vão à luta e não se sintam intimidadas porque há mais homens a fazê-lo.

Em relação à Barbie. Tens uma irmã gémea, brincavam com a boneca?

Sim, tínhamos Barbies. Lembro-me perfeitamente da primeira Barbie que tive. Mas eu fazia maldades às Barbies porque sempre gostei mais de bolas de futebol, porque não tinha oportunidade de as ter. Mas, Barbie está muito presente na minha vida, e na vida de qualquer criança. Para mim, é importante sentir que a Barbie se alinha a estas causas e se alia a uma mensagem em que quebra alguns preconceitos e estigmas. O facto de ter criado mais de 200 profissões é realmente algo bonito e nem toda a gente tem essa perceção. Por isso é que esta iniciativa do “Tu podes ser o que Quiseres” é boa para elucidar e consciencializar as crianças e toda a gente.

E a Barbie como inspiração de beleza? Como mulher a jogar num desporto maioritariamente masculino, há sempre a ideia de que as jogadoras de futebol não ligam muito ao aspeto e aos padrões de beleza…

É um estigma…

Como é que é a Jessica Silva nesse campo?
A Jessica é um jogadora q.b. de vaidosa e acho que qualquer mulher pode ter alguma vaidade, uma vaidade saudável, digamos assim. Eu acho que desconstruo essa ideia de que as desportistas não têm cuidados de beleza. Isso não é verdade. Eu sou um bocadinho a imagem disso. Gosto de cuidar de mim. Sou vaidosa, q.b.

Hoje assistimos aqui a uma série de miúdos que são teus fãs. Tu serves de inspiração para estas crianças. Tens essa consciência? Que tipo de cuidados tens no dia a dia tendo em conta essa influência?

Tenho noção que agora as miúdas olham para mim. Mas eu, de uma forma natural sempre fui uma pessoa que sempre soube estar, sempre tive cuidado com a mensagem que passava. Nunca houve alguém a dizer-me o que fazer. Desde muito cedo que soube o que queria e o que estava a fazer, os cuidados que tinha que ter, o que era certo, o que era errado. Sempre fui uma pessoa muito sensata e isso facilitou o caminho que tive que percorrer até perceber que haviam crianças, miúdos e miúdas, a olharem para mim. Gosto muito de sentir o carinho destas crianças e tento retribuir tentado estar próxima.

Quando uma criança chega perto de ti e te diz “Eu quero ser como tu” o que lhe dizes?

Fico orgulhosa. Mas, ao mesmo tempo, tento aproximar-me e dizer-lhe “tu podes“, “tu consegues“, “Tens que te esforçar, tens que trabalhar, mas tens que te divertir”.

Que sonhos é que te faltam realizar?

Vou sonhando…há muitas coisas que quero conquistar, quer com o meu clube, quer com a seleção nacional. Quero ganhar um título pela seleção. Isso seria realmente uma conquista mirabolante e acredito que isso pode acontecer. Fora do futebol, tenho um sonho que é o de ser mãe. Eu vou ser mãe.

Mas isso só depois do fim da carreira, não?

Não é bem assim. Já há jogadoras que deixaram as carreiras para serem mães, mas há também um conhecimento de causa diferente. Já há leis que protegem as mulheres. Já não é possível os clubes acabarem contratos só porque uma jogadora está grávida. Agora, é possível continuar uma carreira depois de ser mãe. Há lesões que obrigam a paragens mais longas que uma gravidez. Naturalmente, é algo que vai ser muito planeado mas que eu quero que aconteça. Não sei se vai ser durante a carreira ou se vai ser depois, mas vai acontecer.

Jessica Silva: "Sou aquilo que sonhei ser"
Foto: D. R.

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