A egiptóloga explica-nos como eram as mulheres egípcias e porque se usava um colar de moscas.
“O meu amor pelo Egipto começou em criança. Quando tinha 10 anos o meu pai ofereceu-me um livro sobre o antigo Egipto e eu li-o numa tarde. O que me fascinou foi o facto de pessoas tão distantes de nós no espaço e no tempo me parecerem tão próximas. Como é que há 5 mil anos as pessoas já eram tão parecidas connosco?
Mais tarde fiz o mestrado em Oxford e ensinei em Harvard. Foram experiências complicadas mas enriquecedoras. Na verdade foi um bocado ao contrário dos Egípcios: nós estamos habituados a pensar nos países do norte como parecidos connosco, e há diferenças enormes, com um sistema de educação diferente, e essa adaptação não foi fácil. Mas foi fantástico perceber como as pessoas estudam a mesma coisa de forma diferente. Por exemplo, nos EUA há uma grande preocupação com a ética na egiptologia: será que devemos ter corpos mumificados em museus, exibidos como objetos? Cá em Portugal até há pouco tempo ninguém falava nisto. É interessante pensar como a forma como pensamos e nos relacionamos é tão cultural.
Gosto muito da ideia de divulgação, de partilhar o que sabemos. Sou fundadora do projeto de divulgação no Instagram ‘Uma egiptóloga portuguesa’ e também co-criadora do podcast ‘Três egiptólogos entram num bar’. Porque na arqueologia aquilo que sabemos não é para nós, é para dar o retorno à comunidade e para mim a História é de todos. No fundo, conhecer o passado histórico, o nosso e o de outras culturas, é como viajar: abre-nos horizontes, mostra-nos quem somos e diz-nos que existem outras pessoas, existe a diferença, sempre existiu, e isso é bom. Somos todos humanos, mas temos culturas diferentes. Isso abre-nos muito a cabeça, dá-nos humildade, mostra-nos que há mais para além de nós, da nossa realidade, do nosso tempo. Também nos dá perspectiva: estamos a passar tempos difíceis, mas houve tempos ainda piores (e melhores) no passado. Tudo isto nos torna mais conscientes.
Antes de escrever o livro ‘Como é que a esfinge perdeu o nariz?’, onde conto várias curiosidades sobre o antigo Egipto, perguntei aos meus amigos e seguidores o que é que gostavam mais de saber sobre o Egipto. Qual era a pergunta mais feita? Não, não foi ‘como é que a esfinge perdeu o nariz’ (risos). Curiosamente, foi sobre a vida das mulheres. Porque a grande maioria das fontes que chegaram até nós são sobre homens. Sabemos muito pouco sobre as mulheres e de facto é complicado a responder a estas perguntas, porque faltam leis sobre isso. Sabemos que, apesar de viverem numa sociedade patriarcal, as egípcias tinham vários direitos modernos: podiam divorciar-se, podiam ter propriedade, vendê-la e deixá-la a quem queriam, podiam inclusivamente deserdar os filhos e embora não houvesse contratos em si, havia divisões de bens em tribunal. Podiam ser médicas, escribas e mesmo faraós. Claro que era provavelmente muito mais difícil para elas do que para os homens, mas não lhes estava proibido.
A minha egípcia preferida é uma rainha chamada Ah-hotep, que significa ‘A lua está satisfeita’. Foi uma figura central durante um período muito interessante da história egípcia em que houve várias guerras civis. A Ah-hotep foi uma guerreira, participou nas batalhas contra os reis do norte e acabou por conseguir ganhar controlo sobre todo o Egipto. Aliás, ela foi enterrada com vários instrumentos de guerra – machados, punhais – e com um colar de pedras em forma de moscas, que eram o símbolo da coragem. Portanto, no Antigo Egipto a mulher não era necessariamente uma pessoa passiva.
Mas ainda há muitas perguntas a resolver. Temos de pensar que o Antigo Egipto foi um império de 3 mil anos. Portugal nem 900 tem ainda. Por isso, ainda sabemos muito pouco sobre esses 3 mil anos. Sabemos pouco sobre as cidades, por exemplo, porque sobreviveram poucas. Não podemos arrasar uma cidade atual para descobrir como era a antiga que ficou por baixo… Mas a tecnologia está a desenvolver-se de tal forma que provavelmente no futuro vai ser possível fazer um raio X ao que está por baixo e perceber o que está por baixo da terra sem escavar.
O melhor museu para quem quer ficar a saber mais sobre o Antigo Egipto é o Museu Natural de Arqueologia e o Museu Calouste Gulbenkian. Fora de Portugal, os melhores continuam a ser o Louvre e o Museu Britânico. Mas aconselho quem puder a ir mesmo ao Egipto e a conhecer também o país moderno, que é lindo.”