Maria Flávia Palluncchini

Nascida na argentina, Maria Flávia Palluncchini é uma designer gráfica, cujo caminho se traçou pela descoberta da sua paixão por Portugal. Foi em terras lusas que encontrou a inspiração para a criação da marca, na sua própria experiência de pós maternidade, um período de introspeção em que o conforto era então uma exigência, sem que descurasse da praticidade e elegância das roupas. À procura de uma comodidade absoluta, com o propósito de se sentir bonita ao mesmo tempo, percebeu ao questionar outras mulheres, que a palavra conforto” iria ao encontro das suas questões, e que era assim urgente a criação de uma marca de roupa mas, muito mais do que isso, uma marca que fosse em si própria uma filosofia e estilo de vida.

A Activa.pt teve oportunidade de conversar com a criadora da marca Marie sobre o seu trajeto, objectivos e inspirações. 

O que leva uma designer gráfica da Argentina a querer criar uma marca de moda em Portugal?

Foi algo que surgiu após a maternidade, quando estava naquela fase de reencontro comigo própria. Pensava e falava com outras mulheres sobre sentimo-nos confortáveis e bonitas ao mesmo tempo, sobre aquele hábito de chegar a casa e trocar aquilo que temos vestido por algo mais cómodo (que costumava sempre por acabar naquela t-shirt velha que todas nós temos). E porque é que tudo isto não podia estar em uma só peça? Para quebrar o conceito de interior e exterior e juntar conforto, qualidade e design numa peça só, mas sobretudo acompanhar momentos. Digo sempre que na Marie não fazemos propostas vanguardistas, o meu único objetivo é acompanhar o dia a dia das mulheres que nos escolhem, da melhor maneira possível. Saber lê-las e compreender as suas necessidades.

De que forma a maternidade alterou a forma como se observa e na imagem que passou a ter das outras mulheres?

A maternidade, na minha vida, foi a expressão máxima do amor que experimentei e vivo todos os dias. Sinto que há um ponto de entrega absoluta, que depois há que equilibrar e voltar a encontrar-nos nesta nova versão de mulher.

Sempre fui muito dedicada aos meus filhos e talvez no inicio me tenha sentido um pouco culpada, por tantas exigência e tanto trabalho, mas compreendi que podia e que para eles é um exemplo bonito, ver que a sua mãe trabalha com muito amor e que se vai realizando naquilo que quer. Para eles, a Marie é como um membro da família e ajudam-me com pequenas coisas e estão sempre a apoiar-me.

Creio que conseguir esse equilíbrio entre o que queremos, o que podemos, o que damos e o que nos damos é fundamental. Poder ser o que queremos ser.

Ainda existe a ideia de que conforto pode significar desleixo? Como alterar esta perceção?

Do meu ponto de vista, o conforto nada tem a ver com a morfologia ou o material de uma peça, mas sim com o que sentimos quando vestimos algo. Nas nossas etiquetas internas temos uma frase que diz “i hope this make you feel like home” e sinto que é um pouco isso, o sentirmo-nos confortáveis connosco próprias, transmitindo aquilo que somos.

Também acredito que a beleza da moda é acompanhar os fenómenos sociais, um exemplo simples e recente é o fenómeno das mulher com ténis, não se tratou de uma tendência aleatória, mas sim de uma necessidade de descer dos saltos e de pisar a vida de outra forma.

O nosso país tem elementos inspiradores que são refletidos nas suas criações?

Claro que sim, Portugal é um país incrível! Digo sempre que quando caminho pelos ruas não vou a olhar, mas sim a contemplar. Sinto-me como se estivesse num pequeno conto o tempo inteiro. E, na verdade, ainda não disse em lado nenhum, o próximo capítulo da Marie chama-se “RUA” e é uma homenagem a Lisboa e aos seus encantos.

Uma marca feminina com o nome Marie não pode ser coincidência. Porquê esta escolha?

Na Argentina é quase uma tradição ter María como primeiro nome, eu sou María Flavia e nunca o usamos porque muitas de nós o temos. Achei que era uma boa maneira de o reivindicar e também me gerava aquele sentimento de pertença, de que todas somos “Marie” e, ao mesmo tempo, Marie são todas as mulheres que trazemos dentro de nós. Depois vi que na Europa também se sucede muito o “Maria” e assim acabei por fechar o conceito ainda melhor.

Que elementos intemporais são fulcrais para as criações da Marie?

Sempre que pensamos numa peça, pensamos na sua versatilidade, queremos que cada peça seja um +1, que multiplique as possibilidades de uso, qualidade no seu tecido, que nos dê durabilidade, que tenha continuidade com peças de outros capítulos e que conte uma história. Cada peça tem um porquê e isso torna-as muito especiais para cada mulher que a escolhe.

 

Que preocupações foram tidas na criação da coleção Libertad?

Libertad é um renascimento, é uma beleza de cores e leveza. É um capítulo que fala desse momento pós-furacão, pelo qual todas nós passamos em algum momento, quando se faz aquele “click” da vida.

“Aqueles momentos em que a resolução era uma constante, aqueles dias que passavam com ‘um dia de cada vez, um dia de cada vez’, a aprendizagem e a introspeção tornavam-se aliados, aquele instante em que se abranda, recapitula e se diz ‘uau, estamos bem’.

É aí que nos entregamos, que continuamos a fluir com outra Libertad, Libertad ligada ao amor, Libertad para aceitar-se e aceitar, Libertad para conhecer luzes e sombras, Libertad para viver em coerência.

E aí voamos e procuramos a leveza acima de tudo, continuamos a fluir, sorrindo ao levantar aquele vestido que nos molhou o mar, ao correr na areia para dar aquele abraço, ao celebrar entre toalhas aquelas anedotas com amigas, onde o sorriso agora é gargalhada.

Assim chegou a Libertad, simplesmente livre. Sem muito, agora vamos leves.”

A escolha de tons neutros reflete uma preocupação ambiental?

Mais do que uma preocupação ambiental, penso que tem a ver com a harmonia que gera numa pessoa, escolhemos quase sempre tons inspirados em algum elemento da natureza e isso dá uma subtileza especial às paletas cromáticas de cada capítulo.

Quais os maiores desafios na produção 100% nacional?

Foi entrar num mundo desconhecido, onde aprendo algo novo todos os dias, é um campo difícil, mas como tudo na vida, gosto de desafios e sobretudo da aprendizagem constante. Tento sempre seguir o meu próprio caminho, gosto muito de conhecer pessoas do meio de ouvir as suas histórias e aprender.

É uma área complicada, especialmente com os tempos que correm e eu sou uma virgem muito meticulosa e bom, foi uma grande experiência de aprendizagem ter os meus esquemas quebrados *haha*, ensinou-me a ser mais resoluta e a não ficar no problema, e acredito que é algo muito valioso para a vida em geral.

Pode explicar um pouco o processo de produção consciente da Marie?

Marie é como uma pessoa, não gosto de colocar rótulos como “sustentável” ou coisas do género, digo sempre que a palavra é trabalhar com “responsabilidade”, como todos nós fazemos em casa, na vida, tendo esse respeito pela nossa Terra Mãe. E é nisso que tentamos trabalhar, em cada pequeno pormenor que possa contribuir com o nosso grão de areia nesse sentido, o bom é que há sempre mais para fazer e aprender.

Como quer que uma mulher se sinta ao vestir uma das suas criações?

Quero que as peças a façam sentir-se “em casa”. Que acompanhem os momentos de cada uma, o seu dia a dia, a sua vida real! Quero que se possam expressar e contar uma história através do que vestem.

Qual o maior elogio que lhe podem fazer?

Quando me dizem que se conectam com a peça a veem como algo mais para além de roupa. É que a Marie não é uma marca, é um estilo de vida.

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