Todos os anos, além das premiadas nas diversas categorias, os Prémios ACTIVA Mulheres Inspiradoras homenageiam uma mulher que se distingue por todo o seu percurso profissional ao longo de uma vida. Este ano, o Prémio Carreira foi atribuído a Maria João Avillez.
Tivesse ela seguido a sua vocação inicial, e hoje estaríamos a homenagear uma atriz em vez de uma jornalista, porque todo o universo do teatro a fascina desde criança. Mas quis o destino que, em vez de interpretar personagens históricas nos palcos, dedicasse a sua vida a entrevistar personagens que fizeram História no país e no mundo.
Maria João nasceu em Lisboa em 1945. A mais velha de 3 irmãs, numa família que, apesar de conservadora, tinha uma mentalidade mais aberta do que as outras famílias tradicionais portuguesas da época. Na grande casa familiar, habituou-se desde pequena a conviver com os políticos, escritores, artistas e intelectuais, dos mais diversos quadrantes, que os seus pais recebiam.
Viria dessas conversas com os adultos o seu gosto pelas palavras? Ou dos livros que enchiam a casa e que começou a devorar mal aprendeu a ler?
Na altura de escolher a área de estudos universitários, Letras era uma evidência.
Frequenta o Instituto Superior de Línguas e Administração até ao sexto ano, quando começa a trabalhar. Uma composição sobre Florbela Espanca impressiona a escritora, e sua professora, Yvette Centeno, que a convida para ser locutora no Programa Juvenil da RTP. Tem 17 anos, talento para a comunicação e a escrita, e uma certeza: quer ser jornalista. Funda, com dois amigos, o jornal Companheiros, onde publica as suas primeiras entrevistas a personalidades internacionais: duas cantoras francesas famosas, a que haveria de juntar muitos outros nomes. Incluindo o Papa Francisco, cuja entrevista deu este ano origem ao seu 12º livro.
Desde o início, nos diversos meios por onde passou, o seu trabalho sempre se destacou pela isenção e seriedade que a caracterizam até hoje. Mas o grande salto para a ribalta profissional deu-se em 1974, após o 25 de Abril. Trabalhava no jornal ‘A Capital’ quando conseguiu ser a primeira jornalista em Portugal a entrevistar o então primeiro-ministro Vasco Gonçalves. A cacha impressionou os seus colegas do jornal… e Francisco Balsemão e Marcelo Rebelo de Sousa, que logo a convidaram para integrar os quadros do Expresso.
Começou a destacar-se no jornalismo político. De tal forma que muitas vezes ficam em segundo plano as suas entrevistas notáveis a grandes nomes das artes e da cultura, cá e lá fora. Mas quando se tem no curriculum a biografia definitiva de Mário Soares, um livro marcante e uma reportagem premiada internacionalmente (de entre 350 trabalhos de jornalistas de todo o mundo) sobre Francisco Sá Carneiro e um livro sobre Álvaro Cunhal, é difícil não concordar com quem lhe chama a ‘cronista da política portuguesa’.
Em 6 décadas de atividade profissional, notabilizou-se no seu género jornalístico preferido: a entrevista. A natureza humana fascina-a, e costuma dizer: “Se me derem uma pessoa, eu faço uma grande viagem.” O que explica o sucesso dos seus programas ‘Interiores’, na RTP, em 1993, e ‘Conversa Afiada’, na SIC, de 2001 a 2003, onde conversava com personalidades interessantes das várias áreas da sociedade portuguesa.
Em 2014 foi condecorada como Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
Foi cronista na Sábado e no Rádio Clube Português e comentadora de assuntos políticos na TVI 24, e atualmente tem uma crónica no Observador, é responsável de entrevistas do Diário Económico e comentadora política na CNN.
Hoje, aos 78 anos, não pensa em reformar-se da profissão que continua a fazer com a mesma capacidade de trabalho, curiosidade e entusiasmo com que escreveu a primeira linha numa folha de papel. Recentemente disse numa entrevista que agradece a Deus ainda estar a ser requisitada e convidada para coisas na sua idade. Nós diríamos que a responsabilidade desses convites, que tanto a espantam, é sobretudo fruto do seu trabalho, da forma como nos leva nas suas viagens às pessoas e como trabalha as palavras de que tanto gosta. E conhecendo a sua lendária energia, não nos admiraria que ainda venha a realizar o seu outro sonho, de ser atriz…
Luís Marques Mendes, membro do júri dos Prémios ACTIVA Mulheres Inspiradoras, iria entregar-lhe o Prémio Carreira na cerimónia que decorreu estar tarde na Academia das Ciências de Lisboa, mas Maria João Avillez não pôde estar presente, por motivo familiar de força maior. No entanto, Marques Mendes não quis deixar de salientar a importância da jornalista, por quem confessou ter uma grande admiração.
“No jornalismo político em Portugal, que praticamente começou com o 25 de abril de 1974, ela é uma senadora, com tudo o que isso tem de autêntico e de inspirador”, disse no seu discurso. “Ou seja, é uma jornalista competente, talentosa, independente, credível, que suscita admiração e respeito em todos os setores políticos. Tem também uma produção literária intensa, com vários livros, mas sobretudo em duas áreas que não são habituais em Portugal: o testemunho político e a biografia política.”
Marques Mendes louvou a capacidade de Maria João Avillez de conciliar e manter separadas a objetividade e independência de jornalista, e as suas opininiões pessoais que exprime enquanto cronista e comentadora. “Isto não é vulgar, ter-se por um lado o estatuto de independente como jornalista e ao mesmo tempo a paixão por um conjunto de causas, ideias e propostas. Conciliar tudo isto e manter a mesma credibilidade, só está ao alcance de alguns.”
Para Luís Marques Mendes, “é impossível fazer a história de quase 50 anos da nossa democracia sem contar com o contributo, o exemplo e a referência Maria João Avillez. É um ciclo longo e, normalmente, num ciclo longo, tem-se altos e baixos, momentos maiores e momentos menores, mas ela tem estado sempre em alta. Desde os primeiros anos da democracia à recente entrevista inédita com o Papa Francisco. Isto não está ao alcance de muitos e é fruto de muito trabalho, muito mérito e muita competência.”