Há mais de um ano que o mundo nos entra em casa exclusivamente através de ecrãs. A vida que antes vivíamos presencialmente adaptou-se ao modelo virtual e até as conferências, a que antes corríamos a reservar lugar, passaram a decorrer dentro de um mosaico de quadrados, cada um ocupado por um de nós, ligados tecnologicamente, da forma possível. Um desses eventos digitais – o The Most Powerful Women Summit, organizado pela Fortune Greece – foi o mote para uma conversa inspiradora com Marian Salzman, oradora convidada do evento, sobre igualdade de género, liderança no feminino, as lições da pandemia de Covid-19 e de um futuro… sem fumo.
Na sua participação na The Most Powerful Women Summit, organizada pela Fortune Greece, referiu que, pelo facto de não ser fumadora, os seus amigos questionavam o porquê de trabalhar numa tabaqueira. E revelou que tinha valorizado a política igualitária de salários da Philip Morris International (PMI). Diria que as empresas, em todo o mundo, ainda têm um longo caminho a percorrer nesta matéria?
O World Economic Forum concluiu que vão passar 202 anos até que consigamos reduzir as diferenças salariais entre homens e mulheres – e isto foi antes dos retrocessos a que assistimos durante esta pandemia. Com base nesta projeção, já não vamos assistir à igualdade salarial entre géneros nas nossas vidas. Por isso as empresas têm de fazer mais para garantir que as nossas filhas – e as filhas delas – vão viver num mundo melhor e mais justo. Ainda temos um longo caminho pela frente: temos de ganhar consciência das barreiras que ainda existem para as mulheres e continuar a trabalhar para mudar isso. Até porque alcançar a igualdade de género no mundo dos negócios não beneficiará apenas as mulheres; fortalecerá as empresas e a sociedade.
Sente que está a ser um exemplo dessa mudança, sendo uma mulher num cargo sénior de gestão?
Espero que sim. Pode ser ingénuo da minha parte, mas não acredito que o género seja um fator importante na forma como me tratam no trabalho. As mulheres representam metade da população mundial (e metade do talento, inteligência e criatividade), por isso não faz sentido que não estejamos representadas em todas as partes da sociedade. Além disso, estudos têm demonstrado que uma força de trabalho inclusiva e diversificada impulsiona o compromisso dos funcionários, aumenta a produtividade e estimula a criatividade e a inovação, conduzindo, a longo prazo, ao sucesso. Por outras palavras, não é apenas a coisa certa a fazer – é uma decisão inteligente.
Qual a filosofia da Philip Morris relativa a matérias como igualdade de género, diversidade, inclusão?
Temos orgulho na nossa liderança focada no equilíbrio de géneros e igualdade de remuneração e estamos no caminho certo para cumprir a meta de ter 40% dos cargos de gestão ocupados por mulheres em 2022. É essencial que, numa empresa, todos tenham um sentimento de pertença, que as suas vozes sejam ouvidas e o seu trabalho valorizado. Isso permite que todos os funcionários atinjam o seu portencial máximo. Além de promover ativamente o equilíbrio de género e garantir que remuneramos mulheres e homens igualmente, temos políticas relativas a acordos de trabalho flexíveis e apoios parentais.
Uma tendência na última década tem sido precisamente incentivar as pessoas a fumarem menos. Isso afeta diretamente o vosso negócio. Como é que se consegue ultrapassar estas situações e inovar?
Em 2016, a nossa empresa comprometeu-se a criar um futuro sem fumo, no qual os cigarros serão substituídos por alternativas comprovadamente melhores. Esse compromisso mantém-se. Na verdade, acelerámos o nosso cronograma e, neste momento, pretendemos que, já em 2025, a maior parte da nossa receita líquida provenha de produtos livres de fumo. Entendemos que a melhor opção para as pessoas é nunca começarem a fumar ou, se o fizerem, parar. Mas os adultos que escolhem continuar a fumar merecem ter acesso a alternativas. Para consolidar esta visão, estamos a mudar o nosso negócio de dentro para fora. Não consigo pensar em nenhuma outra empresa que tenha tentado tal transformação – e certamente nenhuma outra empresa tabaqueira.
Não somos perfeitos – há-que assumi-lo, nenhuma empresa é – mas os nossos padrões de excelência são de alto nível e todos os olhos estão voltados para o nosso objetivo. A 31 de Março deste ano, estimámos que já havia 14 milhões de adultos que deixaram de fumar e mudaram para a nossa alternativa livre de fumo. É uma conquista enorme, mas é apenas o começo. Somos líderes globais nesse mercado e pretendemos que, em 2025, pelo menos 40 milhões de fumadores adultos tenham feito essa escolha. Para atender às necessidades dos fumadores de hoje e afastá-los do cigarro, vamos continuar a inovar e a expandir as nossas ofertas sem fumo e estamos a estudar alternativas à nicotina no sentido de expandir o nosso portfólio.
Como tem sido a aceitação destes novos produtos sem fumo – como o IQOS – por parte dos consumidores portugueses?
Portugal foi o quarto país no mundo a lançar um produto de tabaco aquecido e decorridos quase seis anos temos a certeza de que foi uma escolha acertada. Em Portugal, são já mais de 300 mil os fumadores que deixaram de consumir cigarros tradicionais e mudaram para o tabaco aquecido. Deixar de comercializar cigarros é uma ambição enorme, e temos a noção que para o conseguirmos fazer rapidamente, necessitamos de um maior envolvimento e diálogo construtivo com os decisores políticos e autoridades reguladoras e lançar-lhes um desafio: se reconhecem que os produtos com combustão são diferentes dos produtos sem combustão, então devem ser encarados de forma diferente.
Há quem defenda que ainda não conhecemos os impactos a longo prazo que estes produtos smoke-free têm na saúde. Quais as soluções para conquistar a confiança dos consumidores?
Se dermos aos fumadores informação clara, mudanças positivas podem acontecer mais rápido – no interesse da sua saúde, saúde pública e sociedade em geral. Sabemos que os nossos produtos livres de fumo contêm nicotina, que causa dependência, mas sabemos também que ela não é a principal causa de doenças relacionadas com o tabagismo. Décadas de ciência mostram que é a queima – a combustão – do tabaco que causa a maioria dos componentes nocivos e potencialmente prejudiciais do fumo do tabaco. É por isso que a ciência por trás dos nossos produtos alternativos se concentrou na eliminação da combustão. A ciência rigorosa está no centro do nosso desenvolvimento e avaliação de produtos livres de fumo.
E a pandemia COVID-19, como se refletiu nas vendas de tabaco?
Temos que presumir que haverá algum, mas é muito cedo para avaliar totalmente o impacto da pandemia sobre o consumo e a dinâmica do mercado. No entanto, como em tempos anteriores de turbulência económica e social, esperamos mostrar um desempenho resiliente enquanto mantemos o nosso compromisso com um futuro sem fumo e com um envolvimento positivo nas comunidades onde operamos.
Graças aos nossos funcionários em todo o mundo – a trabalhar em fábricas, laboratórios, no campo ou remotamente em casa – o nosso negócio continuou a operar o mais normalmente possível nesta situação sem precedentes. Em todos os mercados em que atuamos, cumprimos rigorosamente as medidas estabelecidas pelo Estado e prescritas por especialistas em saúde. Ficamos animados ao ver que nossos mais de 70.000 funcionários permanecem totalmente comprometidos e unidos e acreditamos que sairemos ainda mais fortes deste período.
A Marian costuma apresentar anualmente um relatório de tendências relativo ao consumo – a que apelidou de Zoomsday. Sempre se interessou por analisar o comportamento dos consumidores?
O trendspotting tem sido a base da minha carreira e orgulho-me de ser reconhecida como um dos cinco maiores “descobridores de tendências” do mundo. Desde a infância que tenho este interesse no comportamento do consumidor, embora na época não fosse consciente. O que sei há muito tempo é que sou incapaz de fazer compras, observar pessoas ou navegar na web sem procurar instintivamente padrões. O trendspotting facilitou muito o lançamento das minhas campanhas de consumo mais famosas, incluindo o lançamento do conceito de metrosexual – pensado para criar um mercado para a cerveja Peroni da SABMiller e que “pegou” de uma forma que hoje chamaríamos de “viral”. Em 2003, “metrosexual” foi a palavra do ano e a expressão continua a ser usada em todo o mundo, quase 20 anos depois.
Redução da semana de trabalho, foco na vida familiar e pessoal, valorização do autêntico, mais tolerância e mais resiliência são algumas das mudanças de paradigma, de acordo com o seu Zoomsday, que podemos esperar este ano. Acha que já se deram algumas destas mudanças? Houve alguma previsão em que sentisse que errou redondamente?
Claro que já errei sobre alguma tendência. Qualquer observador de tendências que não admita isso não está a ser honesto. Dos erros crassos que cometi, destaco talvez aquela vez, há muito tempo, em que disse a um jornalista que não achava que a Amazon algum dia fosse lucrativa. Oh céus…
Mas é mais comum as previsões estarem apenas ligeiramente erradas ou serem prematuras. Por exemplo, no meu relatório de tendências para 2020, lançado no final de 2019, eu disse que as pessoas iriam fazer mais stock de bens essenciais e que usariam mais máscaras de proteção. Eu estava certa em relação ao “quê”, mas não sobre o “porquê”. Na época, achava que as pessoas iriam usar mais máscaras devido às maiores preocupações com a qualidade do ar e que armazenariam mercadorias como parte do crescimento contínuo de uma “mentalidade de bunker” – não por causa de uma pandemia. Portanto, a tendência estava correta, mas o raciocínio estava errado.
Quanto às minhas previsões do Zoomsday para 2021, não vejo nenhum motivo para reavaliação. Acho que as pessoas genuinamente mudaram com a experiência da pandemia, e vamos sentir o seu impacto por anos – ou décadas.
Como chega a essas conclusões – ainda é uma influência do seu passado no mundo da publicidade? Quanto tempo dedica a esses estudos?
Não costumo reservar tempo para detetar tendências; é algo que estou sempre a fazer. Para mim, é tudo uma questão de reconhecimento de padrões e identificação de links entre coisas aparentemente desconectadas. Sou aquela pessoa intrometida que espreita para os carrinhos de compras das outras pessoas para ver o que estão a comprar. Sou viciada em notícias, consumo um fluxo constante de informação diária. Quando algo me chama a atenção, analiso.
Quando chamei a atenção do mundo para a tendência “metrossexual” no início dos anos 2000, por exemplo, foi o resultado de várias observações interconectadas. Eu e a minha equipa tínhamos conduzido um estudo sobre homens modernos para uma marca de cerveja e percebi que vários dos homens jovens e heterossexuais que eu conhecia estavam muito mais interessados em moda e design do que eu e estavam a manifestar interesses que noutros tempos teriam rejeitado por serem demasiado “femininos”. Coisas como fazer tratamentos faciais em spas, ou fazer compras com a ajuda de um personal shopper. Juntei todas estas peças e levei emprestado um termo que um escritor britânico usou para descrever um certo tipo de homem gay – enquanto eu o apliquei a homens heterossexuais – e, voilà, nasceu um fenómeno global. Quase 20 anos depois, as pessoas ainda falam sobre isso. As modas vêm e vão num instante, mas as tendências – pelo menos as macrotendências – têm o poder de permanecer.